Monday, November 20, 2017

Patrimônio desperdiçado



Pedro J. Bondaczuk



O Brasil possui as maiores reservas do Planeta de dois bens que serão sumamente escassos no próximo milênio e que portanto se tornarão bastante preciosos: água potável e madeira.

Todavia, em vez de preservar ambos, com vistas a uma posição vantajosa, internacionalmente, age-se em sentido inverso. Poluem-se mananciais, com mercúrio utilizado pelos garimpeiros e agrotóxicos usados sem controle ou critério nas fazendas. E desmata-se com uma fúria destrutiva desmedida, desperdiçando de maneira tola o que pode ser a redenção do País em curto espaço.

O princípio básico de economia, ensinado em qualquer curso superior, diz que só aquilo que é escasso é valioso. Este é o motivo do ouro ser tão procurado e o simples pedregulho não. O critério do valor de um e outro mineral é o da escassez. Quem tiver em abundância aquilo que os outros não possuírem, mas precisarem, certamente vai enriquecer. É um princípio lógico.

Mas até aqui, a questão da preservação das nossas florestas tem sido tratada com passionalismo e irresponsabilidade. Não se concebe que alguém possua determinada riqueza e no entanto viva na indigência. Só que há enorme diferença entre uso controlado e prudente e desperdício. E é isso o que o Brasil está fazendo com seus recursos naturais. Está sendo pródigo. Está desperdiçando.

Em uma tentativa de preservar esse patrimônio natural de valor inestimável o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou, durante a semana, um pacote de preservação ambiental. A questão não é a existência ou não de lei, mas de capacidade do Estado de fazer com que ela seja cumprida. E as dimensões continentais do País, aliadas à corrupção conhecida eufemisticamente como "jeitinho", dificultam uma fiscalização eficaz. Ou a punição dos infratores.

Desde 1994, é desmatada, na Amazônia, uma área anual do tamanho do Burundi, na África: 14.896 quilômetros quadrados de madeira são retirados, sem reposição. Com isso, 11,8% da maior floresta tropical do mundo (e virtualmente a única que ainda restou, face às devastações na Ásia, notadamente na Malásia, Indonésia e Birmânia) já foram postos no chão.

Como porcentagem costuma ser ilusória, o entendimento fica mais fácil com comparações. Os 470 mil quilômetros de matas afetados são maiores do que o território da Alemanha unificada (356.957 quilômetros quadrados) e se aproxima da área da França (que é de 543.965 quilômetros quadrados).

E para onde vai essa madeira, da qual o chamado Primeiro Mundo é absolutamente carente? Exportada legalmente não é, já que todo esse volume não consta das pautas oficiais de exportação. É contrabandeada em boa parte. É, portanto, pilhada. E uma parcela vira fumaça, nas queimadas irresponsáveis e criminosas, que além de contribuírem para o desmatamento, calcinam a terra e enfraquecem sua fertilidade.

Os benefícios da Amazônia estão ao nosso dispor para uso e para ajudar a sanar nossa miséria. Mas não para desperdício. Mas não para favorecer contrabandistas. Mas não para a produção de desertos. É preciso que a questão preservacionista seja tratada sem retóricas demagógicas e sem ideologismos. Tem que ser encarada pelo aspecto econômico, ou seja, patrimonial. Afinal, economia é a administração da escassez. E água e madeira são cada vez mais escassas no mundo.

(Editorial número um, publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de julho de 1996).


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