Patrimônio desperdiçado
Pedro
J. Bondaczuk
O
Brasil possui as maiores reservas do Planeta de dois bens que serão
sumamente escassos no próximo milênio e que portanto se tornarão
bastante preciosos: água potável e madeira.
Todavia,
em vez de preservar ambos, com vistas a uma posição vantajosa,
internacionalmente, age-se em sentido inverso. Poluem-se mananciais,
com mercúrio utilizado pelos garimpeiros e agrotóxicos usados sem
controle ou critério nas fazendas. E desmata-se com uma fúria
destrutiva desmedida, desperdiçando de maneira tola o que pode ser a
redenção do País em curto espaço.
O
princípio básico de economia, ensinado em qualquer curso superior,
diz que só aquilo que é escasso é valioso. Este é o motivo do
ouro ser tão procurado e o simples pedregulho não. O critério do
valor de um e outro mineral é o da escassez. Quem tiver em
abundância aquilo que os outros não possuírem, mas precisarem,
certamente vai enriquecer. É um princípio lógico.
Mas
até aqui, a questão da preservação das nossas florestas tem sido
tratada com passionalismo e irresponsabilidade. Não se concebe que
alguém possua determinada riqueza e no entanto viva na indigência.
Só que há enorme diferença entre uso controlado e prudente e
desperdício. E é isso o que o Brasil está fazendo com seus
recursos naturais. Está sendo pródigo. Está desperdiçando.
Em uma
tentativa de preservar esse patrimônio natural de valor inestimável
o presidente Fernando Henrique Cardoso assinou, durante a semana, um
pacote de preservação ambiental. A questão não é a existência
ou não de lei, mas de capacidade do Estado de fazer com que ela seja
cumprida. E as dimensões continentais do País, aliadas à corrupção
conhecida eufemisticamente como "jeitinho", dificultam uma
fiscalização eficaz. Ou a punição dos infratores.
Desde
1994, é desmatada, na Amazônia, uma área anual do tamanho do
Burundi, na África: 14.896 quilômetros quadrados de madeira são
retirados, sem reposição. Com isso, 11,8% da maior floresta
tropical do mundo (e virtualmente a única que ainda restou, face às
devastações na Ásia, notadamente na Malásia, Indonésia e
Birmânia) já foram postos no chão.
Como
porcentagem costuma ser ilusória, o entendimento fica mais fácil
com comparações. Os 470 mil quilômetros de matas afetados são
maiores do que o território da Alemanha unificada (356.957
quilômetros quadrados) e se aproxima da área da França (que é de
543.965 quilômetros quadrados).
E
para onde vai essa madeira, da qual o chamado Primeiro Mundo é
absolutamente carente? Exportada legalmente não é, já que todo
esse volume não consta das pautas oficiais de exportação. É
contrabandeada em boa parte. É, portanto, pilhada. E uma parcela
vira fumaça, nas queimadas irresponsáveis e criminosas, que além
de contribuírem para o desmatamento, calcinam a terra e enfraquecem
sua fertilidade.
Os
benefícios da Amazônia estão ao nosso dispor para uso e para
ajudar a sanar nossa miséria. Mas não para desperdício. Mas não
para favorecer contrabandistas. Mas não para a produção de
desertos. É preciso que a questão preservacionista seja tratada sem
retóricas demagógicas e sem ideologismos. Tem que ser encarada pelo
aspecto econômico, ou seja, patrimonial. Afinal, economia é a
administração da escassez. E água e madeira são cada vez mais
escassas no mundo.
(Editorial
número um, publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em
29 de julho de 1996).
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