Raríssima convicção
Pedro J. Bondaczuk
A imortalidade sempre se constituiu num sonho (ostensivo, para uns,
secreto, para outros) das pessoas. Em determinado período da nossa
vida, notadamente na passagem da juventude para a maturidade
(justamente a fase em que, conforme as estatísticas, há o maior
número de mortes, e violentas), nos sentimos (e agimos como tal)
invulneráveis.
Não acreditamos que algum dia venhamos a morrer, ou sequer
envelhecer, e não nos cuidamos. Pelo contrário, abusamos da sorte e
nos expomos a riscos desnecessários, apenas para usufruirmos da
viciosa embriaguez da adrenalina.
O que são os esportes chamados de “radicais” senão essa crença
secreta (às vezes até ostensiva) na invulnerabilidade e, em
especial, na imortalidade? Não acreditássemos nisso, por exemplo,
não iríamos ao Hawaí surfar em ondas da altura de um edifício de
cinco andares ou mais. Não nos lançaríamos ao abismo, presos
apenas pelos calcanhares a uma corda elástica, na prática do
“bungee jump”. Em circunstância alguma saltaríamos de moto,
sobre rampas imensas, projetando-nos a dez metros ou mais de altura e
fazendo acrobacias sobre essas máquinas perigosíssimas em terra,
que dirá no espaço. E fazemos essas e outras loucuras com a maior
naturalidade. E os acidentes, por estranho que pareça, são
relativamente raros, levando em conta a quantidade desses “viciados
em adrenalina”.
Outros, mais velhos, têm plena consciência de que são mortais.
Perderam vários parentes e amigos, perdas estas que lhes esfregaram
no nariz a sua perene mortalidade. Mas, secretamente, acalentam a
ilusão de que “talvez” com eles ocorra alguma impossível
exceção. Mas, pelo sim, pelo não, se acautelam, não raro até em
demasia.
Há outro grupo (talvez mais numeroso do que os anteriores) que é o
dos que buscam, sim, a imortalidade, posto que não física, mas a do
espírito. Afirmam crer, piamente, que a “alma” sobreviva
alhures, numa espécie de vida incorpórea, em que serão
“premiados”, caso tenham agido com correção e probidade na
existência material, e punidos com a perdição eterna, se forem
ímprobos e ímpios.
Essas pessoas cumprem rituais, cuja lógica e importância têm como
dogma e que sequer analisam para avaliar se são ou não eficazes, se
garantem ou não a sobrevivência do espírito (que nem mesmo sabem,
com certeza, se existe, mas isso não lhes importa). Acham que, com
isso, garantem a imortalidade.
Ainda há um outro grupo, que é o dos que têm plena consciência da
mortalidade, não creem em nenhuma sobrevivência hipotética da
alma, mas se recusam a serem esquecidas. Tentam se tornar imortais
mediante obras, que não têm certeza nem mesmo se lhes sobreviverão,
não importa se materiais ou frutos do intelecto. Milan Kundera
escreveu um livro instigante e provocativo a respeito, intitulado,
justamente, “A imortalidade”.
Nele constata, em determinado trecho: “...a morte e a imortalidade
formam uma dupla inseparável, aquele cujo rosto se confunde com o
rosto dos mortos é um imortal vivo”. Em outro, escreve: “A
imortalidade é uma ilusão derrisória, uma palavra vazia, um sopro
de vento, que se persegue com uma rede de pegar borboletas, se a
compararmos com a beleza do álamo, que o velho cansado vê pela
janela. A imortalidade, o velho cansado não pensa nela
absolutamente”.
Para Jorge Luís Borges, damos importância excessiva a esse sonho
impossível de se concretizar. Escreve: “Ser imortal é coisa sem
importância. Exceto o homem, todas as criaturas o são, porque
ignoram a morte. O divino, o terrível e o incompreensível é
considerar-se imortal. Já notei que, embora desagrade às religiões,
essa convicção é raríssima”.
Borges entendia, como se observa, que para se “sentir” e,
portanto, para “ser” imortal, basta ignorar a morte. Achava que
nesse aspecto, todos os animais levavam vantagem sobre nós, humanos.
Eles não têm consciência alguma dos extremos. Vivem. Aplicam todos
os instintos na luta pela sobrevivência.
E o homem se considera “imortal”? Mesmo os mais fervorosos
crentes, os que ostentam inabalável fé (que desconfio que exista,
apenas, para “consumo externo”) creem na imortalidade, posto que
a espiritual? A experiência e a observação sugerem-me que não.
Basta observar a angústia dos sacerdotes das várias religiões,
quando moribundos. Não dão a menor indicação de alegria e alívio
da passagem de uma vida material, repleta de dores, tristezas,
angústias e perigos, para outra de gozo eterno e irrestrito.
Portanto, vou mais longe do que Borges para quem a convicção da
imortalidade é “raríssima”. Tudo indica que, de fato, ela não
existe! Exceto, talvez, naquela fase dourada, de inconsciência e
delírio, quando somos viciados em adrenalina: a da passagem da
adolescência para a maturidade. Mas este é sentimento selvagem, sem
nada de consciência. Não pensar em algo não equivale, em absoluto,
a ter convicção.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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