Somos como a lua
Pedro J. Bondaczuk
O escritor norte-americano Samuel Clemens – que se celebrizou com o
pseudônimo literário de Mark Twain e se tornou clássico juvenil
com seus romances “As aventuras de Tom Sawyer“, “As aventuras
de Hucleberry Finn” e “O príncipe e o mendigo”, entre outros –
afirmou, certa feita: “Cada um de nós é uma lua e tem um lado
escuro que nunca mostra a ninguém”.
E somos parecidos com o satélite natural da Terra não somente neste
aspecto (posto que de forma metafórica, claro), mas em tantos
outros. Um deles é o que se refere às fases. A exemplo da lua,
também as temos na vida. Umas, são mais brilhantes, outras bem
menos, com a diferença de que, cada uma delas é definitiva. Tão
logo passe, não volta jamais.
Do nascimento ao início da maturidade, atravessamos a fase da Lua
Nova. Somos dotados de vigor e entusiasmo e partimos para o mundo com
ousadia e volúpia, certos de que nada e ninguém nos deterão na
busca e conquista dos nossos ideais. Nosso brilho, então, é
intenso, que se reflete em nossos olhos, ardentes de paixão: por um
amor, por uma causa, por uma esperança etc.
Claro que me refiro, no caso, às pessoas positivas, valorosas,
vencedoras. Há quem já nasça sob o estigma dos derrotados. Há
quem envelheça precocemente, ou por equívocos pessoais, ou por
educação deficiente ou por força de inúmeras circunstâncias,
muitas das quais escapam ao seu controle. Há quem sequer justifique
o fato de estar no mundo, quem se torne peso morto para si e parasita
para a sociedade. Infeliz de quem ostenta essa terrível condição!
Temo que a maioria da população mundial se enquadre nela.
Como se trata de metáfora, posso alterar a ordem das fases da lua ao
meu bel-prazer. E é o que farei. Reitero, porém, para deixar bem
claro, que me refiro, nestas comparações, apenas às pessoas
vitoriosas, àquelas que costumo classificar de “gigantes da
espécie”, que não cultivam, e por isso não acumulam, grilos e
nem apostam na infelicidade. São poucas, eu sei, infelizmente. Todos
poderíamos (e deveríamos) ser assim.
A fase seguinte é a do Quarto-Crescente. É a da maturidade, quando
crescemos física e espiritualmente (e materialmente, por que não?).
Definimos uma profissão, constituímos família, geramos
descendentes, educamo-los e lhes transmitimos os valores que nos
norteiam e mobilizam. Somos produtivos, respeitados, adorados até
(se fizermos por merecer essa adoração). Aliamos à paixão da
juventude a experiência da maturidade. É quando mostramos ao mundo
a que viemos e nos consolidamos no coração e nas mentes dos nossos
contemporâneos.
Mas não conseguimos nunca alterar o inexorável ciclo da natureza.
Chega sempre o momento em que nossas forças começam a declinar. É
a fase do Quarto-Minguante. A experiência que acumulamos, porém,
nos permite cortar caminhos, descobrir atalhos e nos manter
competitivos, posto que com energias crescentemente minguantes (por
paradoxal que essa expressão pareça). Ou seja, diminuem
constantemente, às vezes em questão de meses, outras de meras
semanas, dias ou horas.
Se soubemos cultivar relacionamentos, porém, se fizemos por merecer,
face nossos atos e realizações, esta fase pode ser das mais
agradáveis. Torna-se o período da colheita do que semeamos, a época
em que vemos os filhos trilharem os caminhos do bem, da justiça e do
sucesso sob a nossa segura orientação, a da chegada dos netos, a do
reconhecimento dos nossos méritos e ações.
Finalmente, entramos na fase da Lua Cheia. E ela pode ser repleta de
gostosas lembranças e de sublimes recordações. Mas só o será se
as soubemos cultivar. É uma espécie de retorno à infância, sem as
responsabilidades que tínhamos quando meninos, de estudar, aprender,
e nos preparar para a vida. É verdade que nosso corpo dará sinais
crescentes de decadência. Não há como evitar (embora isso possa
ser retardado com hábitos saudáveis e muita prudência).
Mas se tivermos o espírito forte e se conservarmos o amor pela vida,
nada impedirá de continuarmos sendo úteis, produtivos e imbuídos
de fé até nosso derradeiro suspiro, até nosso último dia sobre a
face da Terra, não importa quando ocorra. A sensação que nos
restará, olhando para trás, fazendo um retrospecto de nossa
trajetória, será a de paz, aquela que acompanha os que têm certeza
do dever cumprido. Poderá ser, também, a de euforia, dos que estão
convictos de deixar um legado indestrutível para as futuras gerações
e que, por isso, gozam do justo júbilo dos vitoriosos.
Voltando a Mark Twain, de fato todos temos um lado escuro na alma, o
qual nos negamos a exibir a quem quer que seja. Alguns, todavia, por
mais que procurem dissimular, não conseguem. Têm essa “escuridão”
moral tão acentuada, que não a podem esconder, por mais que tentem.
Ela permanece, o tempo todo, estampada em suas faces. Falta-lhes o
brilho da fé, o foco da esperança, a fogo da paixão e a centelha
do amor que ofusquem esse seu lado sombrio das vistas alheias. Estes,
infelizmente, já nasceram com o estigma dos derrotados!
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