Wednesday, November 22, 2017

Como tornar a travessia de 1986 mais suave




Pedro J. Bondaczuk



As previsões pessimistas, feitas durante todo dezembro de 1984, relativas ao comportamento da economia brasileira neste ano, felizmente não se concretizaram. É verdade que o País chegou a um novo recorde histórico na inflação acumulada, mas esteve muito longe das taxas catastróficas previstas. Com uma atenuante: houve crescimento da riqueza nacional e reabsorção de mão de obra. Um milhão e meio de trabalhadores, que haviam encerrado 1984 desempregados, hoje estão de novo incorporados em atividades produtivas.

Todavia, as circunstâncias para o ano que se inicia dentro de apenas dois dias são tão, ou quem sabe mais, sombrias do que a do período anterior. A natureza, por exemplo, não foi pródiga com os brasileiros, especialmente os do Sul do País, logo após o registro de uma safra recorde de grãos.

Uma longa e renitente estiagem ameaça todos os planos feitos pelas autoridades para evitar explosão inflacionária, arrasando lavouras inteiras e abrindo a incômoda perspectiva do governo ter que importar comida para satisfazer o abastecimento interno.

Será um gasto a mais para uma sociedade que precisa economizar o quanto possa para saldar seus inúmeros compromissos. Externos, representados por uma dívida monumental. E internos, com a necessidade de um amplo programa social, capaz de assistir a milhões de brasileiros carentes. Como consolo, porém, há o reverso da medalha, o crescimento das cotações de nossos principais produtos primários no mercado internacional, resultante de idêntico motivo que vai determinar nossas dificuldades de abastecimento: a seca.

É possível que no balanço final de lucros e perdas, na apuração definitiva das contas, o Brasil ainda saia ganhando com essa anomalia da natureza. Isso é uma coisa para se conferir no próximo ano. Atua, ainda, em nosso favor, outro inverno rigoroso nos Estados Unidos, que ameaça, de novo, a produção de laranjas do Estado da Flórida. Se geadas tão severas quanto as de 1984 se repetirem, é bem provável que as exportações brasileiras de suco superem a todos os recordes possíveis.

Outra perspectiva favorável que se desenha no horizonte econômico nacional é a guerra de preços de petróleo que se esboça para os próximos dias, entre os países integrantes da Opep e os produtores independentes, como México, Grã-Bretanha e Noruega.

As autoridades do setor de Minas e Energia estimam que esse confronto trará uma economia mínima ao Brasil da ordem de US$ 800 milhões nas importações do produto. E ela pode ser até muito maior, se levarmos em conta as nossas crescentes reduções da demanda externa, consequências tanto do aumento da produção nacional, quanto da superprodução de álcool.

Como se vê, “o diabo não é tão feio quanto estão pintando”. Resta somente que fatores negativos novos não venham se somar aos resultados da seca, para que a travessia de 1986 também seja tranquila e, quem sabe, surpreendentemente melhor do que a de 1985.

As medidas fiscais aprovadas pelo Congresso neste mês deverão coibir, sobretudo, que o País continue sendo um grande cassino, onde a especulação financeira seja mais atrativa do que investimentos em atividades produtivas. Se o heroico empresário brasileiro acreditar na sua força, perceber que há um mercado imenso, ávido por produtos e praticamente virgem, não haverá catástrofe capaz de deter o crescimento econômico do Brasil. Milhares de empregos novos serão gerados.

Numa entrevista concedida ao “Jornal da Globo” de anteontem, Antonio Ermírio de Moraes, com a sua clarividência, disse uma verdade que, de tão óbvia, tem passado despercebida através de todos esses anos. A única maneira de se conter e até de reduzir a inflação é se produzindo mais.

O mercado tem as suas próprias regras naturais, que se sobressaem a qualquer providência, de que caráter for, do governo. Uma delas é a da oferta e da procura. Se houver muito mais produtos à disposição dos consumidores do que a sua capacidade de consumo, os preços unitários, evidentemente, irão cair. Mesmo que se esconda essas mercadorias para gerar carências artificiosas, como costumeiramente se faz, se a produção for crescente, não haverá armazém suficiente que consiga estocar tamanho volume.

A chave, portanto, para abrir a porta do sucesso para a economia brasileira está nas mãos da própria sociedade. Em sua vontade de trabalhar, de gerar riquezas e de competir por uma posição melhor na comunidade internacional. Nós seremos tudo aquilo que realmente quisermos, desde que nos empenhemos para isso e acreditemos nessa possibilidade.

Se houver uma mobilização geral, se cada um fizer a sua função sem deslizes e sem trapaças, seremos um país viável. Não haverá dívida externa e nem conjuntura negativa que nos segure. Mas é necessário que se queira de fato. Que não se fique esperando que alguém venha nos oferecer de graça a solução para os nossos problemas.

Precisamos acabar com os vícios ditados por seculares práticas paternalistas. De cabeça erguida, conciliando as nossas contradições e desenvolvendo o nosso potencial produtivo, seremos uma grande Nação. A despeito de governos, regimes, sistemas, ideologias...

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de dezembro de 1985).



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