Como tornar a travessia de 1986 mais suave
Pedro J. Bondaczuk
As
previsões pessimistas, feitas durante todo dezembro de 1984,
relativas ao comportamento da economia brasileira neste ano,
felizmente não se concretizaram. É verdade que o País chegou a um
novo recorde histórico na inflação acumulada, mas esteve muito
longe das taxas catastróficas previstas. Com uma atenuante: houve
crescimento da riqueza nacional e reabsorção de mão de obra. Um
milhão e meio de trabalhadores, que haviam encerrado 1984
desempregados, hoje estão de novo incorporados em atividades
produtivas.
Todavia,
as circunstâncias para o ano que se inicia dentro de apenas dois
dias são tão, ou quem sabe mais, sombrias do que a do período
anterior. A natureza, por exemplo, não foi pródiga com os
brasileiros, especialmente os do Sul do País, logo após o registro
de uma safra recorde de grãos.
Uma
longa e renitente estiagem ameaça todos os planos feitos pelas
autoridades para evitar explosão inflacionária, arrasando lavouras
inteiras e abrindo a incômoda perspectiva do governo ter que
importar comida para satisfazer o abastecimento interno.
Será
um gasto a mais para uma sociedade que precisa economizar o quanto
possa para saldar seus inúmeros compromissos. Externos,
representados por uma dívida monumental. E internos, com a
necessidade de um amplo programa social, capaz de assistir a milhões
de brasileiros carentes. Como consolo, porém, há o reverso da
medalha, o crescimento das cotações de nossos principais produtos
primários no mercado internacional, resultante de idêntico motivo
que vai determinar nossas dificuldades de abastecimento: a seca.
É
possível que no balanço final de lucros e perdas, na apuração
definitiva das contas, o Brasil ainda saia ganhando com essa anomalia
da natureza. Isso é uma coisa para se conferir no próximo ano.
Atua, ainda, em nosso favor, outro inverno rigoroso nos Estados
Unidos, que ameaça, de novo, a produção de laranjas do Estado da
Flórida. Se geadas tão severas quanto as de 1984 se repetirem, é
bem provável que as exportações brasileiras de suco superem a
todos os recordes possíveis.
Outra
perspectiva favorável que se desenha no horizonte econômico
nacional é a guerra de preços de petróleo que se esboça para os
próximos dias, entre os países integrantes da Opep e os produtores
independentes, como México, Grã-Bretanha e Noruega.
As
autoridades do setor de Minas e Energia estimam que esse confronto
trará uma economia mínima ao Brasil da ordem de US$ 800 milhões
nas importações do produto. E ela pode ser até muito maior, se
levarmos em conta as nossas crescentes reduções da demanda externa,
consequências tanto do aumento da produção nacional, quanto da
superprodução de álcool.
Como
se vê, “o diabo não é tão feio quanto estão pintando”. Resta
somente que fatores negativos novos não venham se somar aos
resultados da seca, para que a travessia de 1986 também seja
tranquila e, quem sabe, surpreendentemente melhor do que a de 1985.
As
medidas fiscais aprovadas pelo Congresso neste mês deverão coibir,
sobretudo, que o País continue sendo um grande cassino, onde a
especulação financeira seja mais atrativa do que investimentos em
atividades produtivas. Se o heroico empresário brasileiro acreditar
na sua força, perceber que há um mercado imenso, ávido por
produtos e praticamente virgem, não haverá catástrofe capaz de
deter o crescimento econômico do Brasil. Milhares de empregos novos
serão gerados.
Numa
entrevista concedida ao “Jornal da Globo” de anteontem, Antonio
Ermírio de Moraes, com a sua clarividência, disse uma verdade que,
de tão óbvia, tem passado despercebida através de todos esses
anos. A única maneira de se conter e até de reduzir a inflação é
se produzindo mais.
O
mercado tem as suas próprias regras naturais, que se sobressaem a
qualquer providência, de que caráter for, do governo. Uma delas é
a da oferta e da procura. Se houver muito mais produtos à disposição
dos consumidores do que a sua capacidade de consumo, os preços
unitários, evidentemente, irão cair. Mesmo que se esconda essas
mercadorias para gerar carências artificiosas, como costumeiramente
se faz, se a produção for crescente, não haverá armazém
suficiente que consiga estocar tamanho volume.
A
chave, portanto, para abrir a porta do sucesso para a economia
brasileira está nas mãos da própria sociedade. Em sua vontade de
trabalhar, de gerar riquezas e de competir por uma posição melhor
na comunidade internacional. Nós seremos tudo aquilo que realmente
quisermos, desde que nos empenhemos para isso e acreditemos nessa
possibilidade.
Se
houver uma mobilização geral, se cada um fizer a sua função sem
deslizes e sem trapaças, seremos um país viável. Não haverá
dívida externa e nem conjuntura negativa que nos segure. Mas é
necessário que se queira de fato. Que não se fique esperando que
alguém venha nos oferecer de graça a solução para os nossos
problemas.
Precisamos
acabar com os vícios ditados por seculares práticas paternalistas.
De cabeça erguida, conciliando as nossas contradições e
desenvolvendo o nosso potencial produtivo, seremos uma grande Nação.
A despeito de governos, regimes, sistemas, ideologias...
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 29 de
dezembro de 1985).
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