Defesa da espécie
Pedro J. Bondaczuk
É muito controversa a questão
do pessimismo. Ouço, amiúde, por aí, dizerem que o pessimista é o
otimista bem informado. Discordo. É, isto sim, alguém bastante
parcial no julgamento da vida e dos acontecimentos. Enxerga apenas um
lado da questão, o negativo, sem atentar para o outro, o positivo,
em muito maior quantidade.
Além disso, sua visão
parcial e amarga é influenciada pelos hormônios, em detrimento dos
neurônios. O pessimismo, como diz o escritor francês Èmile-Auguste
Chartier (que assinava seus textos com o pseudônimo de Alain), é
humor. Já o otimismo, no seu entender, é vontade. Concordo.
O otimista é como é porque
quer ser assim. Deseja que as coisas boas lhe aconteçam e essas, de
fato, acabam por ocorrer. Vislumbra os dois lados da vida e dos
acontecimentos e opta pelo de maior quantidade, relevando o de menor.
Todavia “age” para que as coisas aconteçam e não se limita,
apenas, a querer isso. Ademais, o pessimista é uma espécie de ave
de mau agouro, que envenena a fé, a esperança e a alegria dos que o
cercam.
E o que fazer, então, com
ele? Descartar esse indivíduo, como se fosse um robô com defeito?
Excluí-lo, liminarmente, da sociedade, não importa por qual meio?
Isso só alimentaria, ainda mais, o pessimismo dos que o cercam e
produziria novos pessimistas. Devemos, isso sim, tentar convencê-lo,
orientá-lo e curá-lo, se for preciso (não raro, as pessoas
sumamente pessimistas são vítimas de depressão).
Há pessoas que temem,
obsessivamente, a morte (a rigor, todos a tememos), mas não atentam
para algo tão terrível (se não pior), que é a “insuficiência
de vida”. Vivem de uma forma que é como se já estivessem mortas,
embora andem, falem, comam, bebam, durmam etc. Omitem-se do mundo,
refugiam-se numa indevassável concha de solidão e temem tudo e
todos, sem usufruir, plenamente, dessa maravilhosa aventura que têm
o privilégio de encarar por um tempo que sequer desconhecem.
Fogem dos prazeres sadios,
como se fossem pecaminosos. Parecem se comprazer no sofrimento, por
acharem que devam, com isso, expiar algum pecado original. Abrem mão
da alegria, da beleza, das satisfações e dos encantos,
aterrorizadas diante do inevitável. Morrem aos poucos, dia a dia,
sem que se apercebam. Com isso, jogam suas vidas, que poderiam ser
exemplares, no lixo, como algo inútil. Bertholt Brecht recomenda, em
um de seus poemas: “Temam menos a morte e mais a vida
insuficiente”.
O que fazer com essas pessoas?
Deixar que continuem no seu inferno particular e que morram à
míngua? Claro que não! Agir assim significaria cometer o
imperdoável pecado da omissão. Ademais, todo ser humano, por mais
inútil que pareça, é importante. Existem pessoas menos valiosas do
que outras, cuja morte não nos faria falta? É lícito tomarmos em
nossas mãos o terrível poder de decidir quem deve viver, quem não?
Há situações extremas em
que alguns têm que tomar essa monstruosa decisão. Por exemplo, em
hospitais superlotados, médicos têm que decidir quem vão tratar e
salvar suas vidas e quem deixarão morrer, por falta de recursos para
atender a todos. Nos campos de batalha isso ainda é mais comum. Da
minha parte, confesso, que jamais tomaria essa terrível decisão.
Amiúde, protestamos, até sob
risco de prisão e de outros tipos de repressão, contra a extinção
de algumas espécies, seriamente ameaçadas de desaparecer da face da
Terra. Estão, neste caso, várias famílias de baleias, o tigre
asiático, o elefante africano e muitos e muitos outros seres vivos,
em virtude da ação predatória do homem. É errada essa atitude?
Claro que não! Quem age assim defende, sobretudo, a vida.
Mas das várias espécies
ameaçadas, nenhuma corre maior risco de extinção do que a humana.
Os indícios estão aí para qualquer um ver e ninguém toma qualquer
providência concreta para deter e evitar a deterioração do meio
ambiente. Ademais, o preconceito, um dos piores, se não o pior
veneno social, leva multidões a discriminarem povos inteiros,
achando que seu desaparecimento não faria falta a ninguém.
Equivocam-se os que pensam assim (que são muitíssimos, embora
jamais admitam).
A antropóloga Margaret Mead
fez a seguinte advertência a respeito desse comportamento
preconceituoso, absurdo e doentio, e no entanto tão comum: “Se não
formos capazes de defender todas as pessoas, não seremos capazes de
defender nada. É como na discussão sobre a triagem – o processo
de seleção dos feridos de guerra que devem ou não ser abandonados.
Se dizemos ‘nada podemos fazer pelos índios, eles que morram de
fome’, acabaremos dizendo ‘nada podemos fazer pelas pessoas de
Massachusetts ou da Califórnia’. O que um país faz com a parcela
menos importante de sua população, ele acabará fazendo um dia com
toda sua população”.
Corremos ou não corremos,
portanto, riscos, infelizmente iminentes, de extinção? Qual espécie
exige mais atenção para assegurar a sobrevivência? A resposta,
paciente leitor, tem que brotar apenas do seu coração, mas com o
indispensável auxílio da inteligência, claro.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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