Tuesday, November 14, 2017

Presteza na Justiça



Pedro J. Bondaczuk


O juiz Eliezer Rosa, em entrevista concedida à revista “Veja” na década de 70, constatou: “O ato de julgar é um ato de comunhão, de eucaristia da Justiça. É antes de tudo sentimento. A raiz da palavra ‘sentença’ é a mesma da palavra ‘sentir’. Julga-se porque se sente problema posto em julgamento. É, pois, um ato sentimental”.

Isto explica, em parte, a morosidade da justiça brasileira. A outra explicação seria a escassez de juízes e a necessidade urgente de modernização do Poder Judiciário, com a sua informatização. Como estes dois problemas dependem de recursos, virtualmente inexistentes por causa da presente situação pré-falimentar do Estado, a aceleração dos processos em andamento passa a depender da boa vontade e da criatividade dos responsáveis por seu julgamento.

Há algumas medidas simples que podem ser tomadas para, se não sanar o acúmulo de trabalho, pelo menos reduzir suas proporções. Uma delas foi a adotada pelo juiz Francisco Fernandes de Araújo, da 1ª Vara do Foro Distrital de Valinhos, Comarca de Campinas.

Sua Excelência divulgou um ofício-circular, datado de 30 de junho passado, “solicitando a todos quantos tenham processos em andamento, de natureza cível e direitos disponíveis”, que o procurem, por intermédio dos respectivos advogados, “caso haja ânimo de conciliação para a demanda, ainda que unilateralmente”.

Parte considerável das diversas ações que tramitam nas diversas varas, tanto de Campinas e região, quanto no resto do País, refere-se a questões simples, que poderiam ser perfeitamente resolvidas com uma “boa conversa” entre as partes.

Alguns apenas suspeitam que têm ou que tiveram direitos ofendidos e ameaçados e recorrem à Justiça para a solução de tais querelas, o que está longe de ser criticável. Daí a sábia decisão do juiz Francisco Fernandes de Araújo. Afinal, somente na 1ª Vara do Foro Distrital de Valinhos há mais de três mil processos em andamento.

Os prazos legais de tramitação foram rigorosamente cumpridos. Ainda assim, montanhas de papéis acumulam-se, exigindo do responsável pelo “ato de eucaristia”, que é a sentença, um esforço verdadeiramente sobre-humano.

Certamente há, entre muitas das pessoas que moveram tais ações, o ânimo conciliatório. Se 10% dessas pendências obtiverem uma decisão consensual, serão 300 processos a menos. O supramencionado ofício-circular esclarece que o objetivo da medida é o de “se buscar uma solução mais rápida para o litígio, com a mediação do juiz, em audiência a ser imediatamente designada para a finalidade, ainda que fora da pauta habitual, que gira em torno de oito a dez audiências diárias”.

Como se observa, todos os requisitos legais serão cumpridos à risca. Com a vantagem da tramitação ser infinitamente encurtada. Trata-se, mais do que um gesto de boa vontade da parte do administrador de Justiça, de medida de racionalidade, digno de elogios e de imitação.

Por outro lado, para justificar a afirmação do juiz Eliezer Rosa, citada acima, de que “o ato de julgar é antes de tudo sentimento”, basta recorrer à decisão célebre de Salomão narrada na Bíblia.

Duas mulheres se diziam mães de uma mesma criança. Ambas apresentavam provas aparentemente irrefutáveis da sua maternidade. O rei ordenou a um soldado que cortasse o bebê ao meio e desse uma parte a cada queixosa. Uma delas, de imediato, protestou. Disse que a mãe verdadeira era a outra. Ganhou a causa. Somente alguém dotado de amor materno abre mão da posse de um filho para preservar a vida dele, foi a conclusão do sábio juiz.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de julho de 1993)



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