Presteza na Justiça
Pedro J. Bondaczuk
O juiz Eliezer Rosa, em
entrevista concedida à revista “Veja” na década de 70,
constatou: “O ato de julgar é um ato de comunhão, de eucaristia
da Justiça. É antes de tudo sentimento. A raiz da palavra
‘sentença’ é a mesma da palavra ‘sentir’. Julga-se porque
se sente problema posto em julgamento. É, pois, um ato sentimental”.
Isto explica, em parte, a
morosidade da justiça brasileira. A outra explicação seria a
escassez de juízes e a necessidade urgente de modernização do
Poder Judiciário, com a sua informatização. Como estes dois
problemas dependem de recursos, virtualmente inexistentes por causa
da presente situação pré-falimentar do Estado, a aceleração dos
processos em andamento passa a depender da boa vontade e da
criatividade dos responsáveis por seu julgamento.
Há algumas medidas simples
que podem ser tomadas para, se não sanar o acúmulo de trabalho,
pelo menos reduzir suas proporções. Uma delas foi a adotada pelo
juiz Francisco Fernandes de Araújo, da 1ª Vara do Foro Distrital de
Valinhos, Comarca de Campinas.
Sua Excelência divulgou um
ofício-circular, datado de 30 de junho passado, “solicitando a
todos quantos tenham processos em andamento, de natureza cível e
direitos disponíveis”, que o procurem, por intermédio dos
respectivos advogados, “caso haja ânimo de conciliação para a
demanda, ainda que unilateralmente”.
Parte considerável das
diversas ações que tramitam nas diversas varas, tanto de Campinas e
região, quanto no resto do País, refere-se a questões simples, que
poderiam ser perfeitamente resolvidas com uma “boa conversa”
entre as partes.
Alguns apenas suspeitam que
têm ou que tiveram direitos ofendidos e ameaçados e recorrem à
Justiça para a solução de tais querelas, o que está longe de ser
criticável. Daí a sábia decisão do juiz Francisco Fernandes de
Araújo. Afinal, somente na 1ª Vara do Foro Distrital de Valinhos há
mais de três mil processos em andamento.
Os prazos legais de tramitação
foram rigorosamente cumpridos. Ainda assim, montanhas de papéis
acumulam-se, exigindo do responsável pelo “ato de eucaristia”,
que é a sentença, um esforço verdadeiramente sobre-humano.
Certamente há, entre muitas
das pessoas que moveram tais ações, o ânimo conciliatório. Se 10%
dessas pendências obtiverem uma decisão consensual, serão 300
processos a menos. O supramencionado ofício-circular esclarece que o
objetivo da medida é o de “se buscar uma solução mais rápida
para o litígio, com a mediação do juiz, em audiência a ser
imediatamente designada para a finalidade, ainda que fora da pauta
habitual, que gira em torno de oito a dez audiências diárias”.
Como se observa, todos os
requisitos legais serão cumpridos à risca. Com a vantagem da
tramitação ser infinitamente encurtada. Trata-se, mais do que um
gesto de boa vontade da parte do administrador de Justiça, de medida
de racionalidade, digno de elogios e de imitação.
Por outro lado, para
justificar a afirmação do juiz Eliezer Rosa, citada acima, de que
“o ato de julgar é antes de tudo sentimento”, basta recorrer à
decisão célebre de Salomão narrada na Bíblia.
Duas mulheres se diziam mães
de uma mesma criança. Ambas apresentavam provas aparentemente
irrefutáveis da sua maternidade. O rei ordenou a um soldado que
cortasse o bebê ao meio e desse uma parte a cada queixosa. Uma
delas, de imediato, protestou. Disse que a mãe verdadeira era a
outra. Ganhou a causa. Somente alguém dotado de amor materno abre
mão da posse de um filho para preservar a vida dele, foi a conclusão
do sábio juiz.
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de julho de 1993)
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