Thursday, November 16, 2017

Reduzido a pó

Pedro J. Bondaczuk

A morte assusta todas pessoas, embora em graus variáveis, pelo tanto de mistério que encerra. Alguns nem pensam nela e deixam que chegue sem ansiedades e nem temores. Outros, ficam apavorados só em pensar a respeito. Eu fico, confesso, e muito. Se me fosse facultada a vida eterna, a receberia de muitíssimo bom grado, a despeito das dores, decepções, angústias e tristezas pelas quais tivesse que passar. Certamente passaria ou, quem sabe, ainda passarei.

Ninguém tem noção exata do que se sente nesse momento fatal, quando a morte põe fim à nossa tão rápida e fugaz passagem pelo mundo. Cada qual se limita, à sua maneira, a imaginar como ele é. Há quem tenha fé e creia numa vida espiritual e consciente, melhor do que esta. Outros tantos, porém, entendem que se trata da absoluta extinção, do corpo e do espírito, e que só sobreviverão obras – materiais ou imateriais – que eventualmente deixarmos. Da minha parte, ora penso de um jeito, ora de outro, sem nunca me definir. Certezas? Não tenho nenhuma.

Pensar na morte é reflexão incômoda, dolorosa e atemorizadora, sem dúvida, mas que deve ser feita com serenidade e maturidade. Afinal, dela ninguém nunca escapou e jamais escapará. É a grande niveladora das pessoas. Atinge tanto o humilde quanto o poderoso; tanto o néscio quanto o sábio; tanto o miserável quanto o milionário. O escritor Graham Greene escreveu a respeito: “Todos chegamos um dia como a água e nos vamos como o vento”. E não é o que acontece?!

James W. Kennedy dizia, com muita sabedoria, que “o que realmente importa é o que acontece em nós, e não a nós”. É esta integridade de espírito, esta riqueza interior, esta personalidade e confiança no nosso talento e nas nossas ações que devemos cultivar, para nos servir nos anos mais difíceis da existência.

Estas têm que ser as armas ao nosso dispor para quando nossos músculos já não obedecerem com prontidão as ordens emanadas pelo cérebro. Para quando nossos olhos não enxergarem com a mesma acuidade da juventude, para quando nossos ouvidos já não captarem os sons com a mesma nitidez dos bons tempos e quando o nosso raciocínio levar um tempo enorme para “esquentar”.

Envelheçamos, sim, pois esta é uma fatalidade biológica. Mas o façamos com picardia e, sobretudo, com dignidade, mesmo que isso nos custe um esforço sobre-humano. É mister que se destaque que nossas dúvidas, princípios e esperanças não são exclusivos, mas foram, serão e são compartilhados por milhões, quiçá  bilhões, de pessoas ao redor do mundo através dos tempos.

Todos, reitero, somos vítimas da efemeridade. Todos, sem nenhuma exceção, trazemos em nós, em nossos corpos, em nossas vidas, mesmo que pareçam grandiosas aos olhos alheios, as mesmas dúvidas, os mesmos defeitos, as mesmas misérias e as mesmas covardias que tanto nos envergonham, além do estigma da extinção. Afinal, "no tempo não há lugar para o homem..."

Passado, presente e futuro são uma só coisa, um "único rio", cujas origens e destino estão no infinito. Ninguém sabe de onde suas "águas" vêm e nem para onde vão. Por isso, até hoje não sei com certeza se devemos comemorar ou lamentar, por exemplo, um aniversário. Pelo sim e pelo não, prefiro seguir a tradição e celebrá-los. Fico em dúvida, porém, se devemos considerar uma vitória o fato de havermos sobrevivido a mais um ano ou nos preocupar com a inexorável proximidade da morte.

Minha intuição, e somente ela, leva-me a ficar com a primeira das alternativas. É menos dramática e menos dolorosa. Afinal, o que é a vida e o que é a morte? Tudo, aos nossos olhos, envelhece e um dia vira pó: pessoas, coisas, cidades, pensamentos, sentimentos etc. Devemos, porém, atentar que tudo, também, se renova, às vezes para melhor, outras para pior, mas fica sempre novo. É a inflexível lei da vida.

O romancista sul-africano, Stuart Cloete, constatou no livro “Balada Africana”: “Ao redor de nós, há vozes que nos chamam. A voz do filme, a voz do rádio, da televisão, da imprensa e da propaganda – e nenhuma delas faz sentido. Não há imagem. Há apenas confusão; e, esmagado entre a pedra de moer de uma economia que se desmorona (e que fica por cima), e os mecanismos de fuga (que ficam por baixo) de uma indústria de diversões que surgiu brotando do desesperado desejo do homem no sentido de fugir de si próprio e ir para o reino da fantasia, o espírito humano está sendo reduzido a pó”.

Não raro, todavia, a decadência está, apenas, em nosso interior, por enxergarmos tudo com lentes desfocadas. Temos é que acertar o foco se aspirarmos a felicidade (eu, pelo menos, aspiro). Se as lentes forem escuras, veremos tudo sombrio e sem luz. Usemos as naturais, para enxergarmos melhor e mais longe.

Mauro Sampaio esclarece tudo o que eu quis dizer (e não fui tão hábil), neste profundo poema, intitulado “Cidade Velha”:

Cidade velha, ou o velho está dentro de mim
a imaginar o fim de tudo
sem, entender que o fim na verdade sou eu?!

Estes sulcos na rua
estes cães tão magros e imundos,
não seriam muito mais meus conhecidos
do que penso que o são?
Estes sulcos, já não os vi no meu espelho?
Estes cães, não os trago na alma?”.

Perspectiva. Tudo é, portanto, questão de perspectiva, de ângulo, de foco com que nos encaramos, e ao próximo e a tudo o que nos rodeia. E claro, também, ao tempo, ao espaço, ao universo, ao passado, ao presente, ao futuro, à vida e, sobretudo, à morte. Perspectiva. Questão de perspectiva.


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