Reduzido a pó
Pedro J. Bondaczuk
A morte assusta todas pessoas,
embora em graus variáveis, pelo tanto de mistério que encerra.
Alguns nem pensam nela e deixam que chegue sem ansiedades e nem
temores. Outros, ficam apavorados só em pensar a respeito. Eu fico,
confesso, e muito. Se me fosse facultada a vida eterna, a receberia
de muitíssimo bom grado, a despeito das dores, decepções,
angústias e tristezas pelas quais tivesse que passar. Certamente
passaria ou, quem sabe, ainda passarei.
Ninguém tem noção exata do
que se sente nesse momento fatal, quando a morte põe fim à nossa
tão rápida e fugaz passagem pelo mundo. Cada qual se limita, à sua
maneira, a imaginar como ele é. Há quem tenha fé e creia numa vida
espiritual e consciente, melhor do que esta. Outros tantos, porém,
entendem que se trata da absoluta extinção, do corpo e do espírito,
e que só sobreviverão obras – materiais ou imateriais – que
eventualmente deixarmos. Da minha parte, ora penso de um jeito, ora
de outro, sem nunca me definir. Certezas? Não tenho nenhuma.
Pensar na morte é reflexão
incômoda, dolorosa e atemorizadora, sem dúvida, mas que deve ser
feita com serenidade e maturidade. Afinal, dela ninguém nunca
escapou e jamais escapará. É a grande niveladora das pessoas.
Atinge tanto o humilde quanto o poderoso; tanto o néscio quanto o
sábio; tanto o miserável quanto o milionário. O escritor Graham
Greene escreveu a respeito: “Todos chegamos um dia como a água e
nos vamos como o vento”. E não é o que acontece?!
James W. Kennedy dizia, com
muita sabedoria, que “o que realmente importa é o que acontece em
nós, e não a nós”. É esta integridade de espírito, esta
riqueza interior, esta personalidade e confiança no nosso talento e
nas nossas ações que devemos cultivar, para nos servir nos anos
mais difíceis da existência.
Estas têm que ser as armas ao
nosso dispor para quando nossos músculos já não obedecerem com
prontidão as ordens emanadas pelo cérebro. Para quando nossos olhos
não enxergarem com a mesma acuidade da juventude, para quando nossos
ouvidos já não captarem os sons com a mesma nitidez dos bons tempos
e quando o nosso raciocínio levar um tempo enorme para “esquentar”.
Envelheçamos, sim, pois esta
é uma fatalidade biológica. Mas o façamos com picardia e,
sobretudo, com dignidade, mesmo que isso nos custe um esforço
sobre-humano. É mister que se destaque que nossas dúvidas,
princípios e esperanças não são exclusivos, mas foram, serão e
são compartilhados por milhões, quiçá bilhões, de pessoas
ao redor do mundo através dos tempos.
Todos, reitero, somos vítimas
da efemeridade. Todos, sem nenhuma exceção, trazemos em nós, em
nossos corpos, em nossas vidas, mesmo que pareçam grandiosas aos
olhos alheios, as mesmas dúvidas, os mesmos defeitos, as mesmas
misérias e as mesmas covardias que tanto nos envergonham, além do
estigma da extinção. Afinal, "no tempo não há lugar para o
homem..."
Passado, presente e futuro são
uma só coisa, um "único rio", cujas origens e destino
estão no infinito. Ninguém sabe de onde suas "águas" vêm
e nem para onde vão. Por isso, até hoje não sei com certeza se
devemos comemorar ou lamentar, por exemplo, um aniversário. Pelo sim
e pelo não, prefiro seguir a tradição e celebrá-los. Fico em
dúvida, porém, se devemos considerar uma vitória o fato de
havermos sobrevivido a mais um ano ou nos preocupar com a inexorável
proximidade da morte.
Minha intuição, e somente
ela, leva-me a ficar com a primeira das alternativas. É menos
dramática e menos dolorosa. Afinal, o que é a vida e o que é a
morte? Tudo, aos nossos olhos, envelhece e um dia vira pó: pessoas,
coisas, cidades, pensamentos, sentimentos etc. Devemos, porém,
atentar que tudo, também, se renova, às vezes para melhor, outras
para pior, mas fica sempre novo. É a inflexível lei da vida.
O romancista sul-africano,
Stuart Cloete, constatou no livro “Balada Africana”: “Ao redor
de nós, há vozes que nos chamam. A voz do filme, a voz do rádio,
da televisão, da imprensa e da propaganda – e nenhuma delas faz
sentido. Não há imagem. Há apenas confusão; e, esmagado entre a
pedra de moer de uma economia que se desmorona (e que fica por cima),
e os mecanismos de fuga (que ficam por baixo) de uma indústria de
diversões que surgiu brotando do desesperado desejo do homem no
sentido de fugir de si próprio e ir para o reino da fantasia, o
espírito humano está sendo reduzido a pó”.
Não raro, todavia, a
decadência está, apenas, em nosso interior, por enxergarmos tudo
com lentes desfocadas. Temos é que acertar o foco se aspirarmos a
felicidade (eu, pelo menos, aspiro). Se as lentes forem escuras,
veremos tudo sombrio e sem luz. Usemos as naturais, para enxergarmos
melhor e mais longe.
Mauro Sampaio esclarece tudo o
que eu quis dizer (e não fui tão hábil), neste profundo poema,
intitulado “Cidade Velha”:
“Cidade velha, ou o velho
está dentro de mim
a imaginar o fim de tudo
sem, entender que o fim na
verdade sou eu?!
Estes sulcos na rua
estes cães tão magros e
imundos,
não seriam muito mais meus
conhecidos
do que penso que o são?
Estes sulcos, já não os vi
no meu espelho?
Estes cães, não os trago na
alma?”.
Perspectiva. Tudo é,
portanto, questão de perspectiva, de ângulo, de foco com que nos
encaramos, e ao próximo e a tudo o que nos rodeia. E claro, também,
ao tempo, ao espaço, ao universo, ao passado, ao presente, ao
futuro, à vida e, sobretudo, à morte. Perspectiva. Questão de
perspectiva.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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