Conquista do que é negado
Pedro J. Bondaczuk
A vida nos enche de promessas, ao nascermos, mas na hora de cumprir o
prometido... Salvo raras exceções, nos frustra, deprime, decepciona
e nos deixa na mão. Quantos jovens brilhantes, que se destacam na
escola pela facilidade de aprender, pela sociabilidade e
popularidade, por habilidades esportivas, que tinham tudo para vencer
nas profissões que escolheram, não ficam pelo caminho?!
Encontramo-los anos depois da formatura esperando ver profissionais
realizados e bem-sucedidos, mas o que vemos, de fato, são indivíduos
vazios, fracassados, deprimidos, quando não vítimas do alcoolismo e
das drogas. Inúmeras, milhares, milhões, provavelmente bilhões de
pessoas enquadram-se nesse perfil.. É, a vida tem mesmo o hábito de
não cumprir as promessas que faz. Os fracassados enredam-se em suas
circunstâncias e se mostram inábeis em, se não modificá-las, pelo
menos contorná-las.
Nós mesmos, aos nascermos, nos constituímos em promessas para
nossas famílias. É verdade que alguns mais e outro menos. Depende
de onde nascemos e das circunstâncias desse nascimento. A maioria,
porém, ao cabo dos anos, decepciona os que esperavam muito dela e a
si própria, principalmente.
Mesmo os filhos indesejados, que ao nascerem – às vezes
acidentalmente, frutos de uma relação fortuita e que são encarados
como “pesos” pelo casal, como uma boca a mais para alimentar –
se constituem em alguma parcela, mesmo que ínfima, de esperança. Ou
seja, a de se tornarem, de alguma maneira, tábuas de salvação para
pais desesperados e miseráveis. Mesmo que eles não admitam, e até
manifestem o contrário, no fundo, no fundo, os encaram, no mínimo,
como boas promessas da vida.
Todavia, com o passar dos anos, a maioria, reitero, frustra as
expectativas. Pessoas que os pais esperavam que fossem médicos,
advogados, engenheiros etc., por exemplo, não revelam pendor para os
estudos, ou não sabem aproveitar as raras oportunidades que lhes
surgem, e fracassam fragorosamente. Não raro, não dão em nada,
quando não se transformam em pesos mortos para a família e a
sociedade, ou se marginalizam e se tornam bandidos, inimigos
inconciliáveis da própria espécie.
Mas a vida nos outorga uma varinha mágica, que opera milagres e
realiza (ou pelo menos traz a ilusão de realizar) o irrealizável.
Compete-nos encontrá-la, a tempo, e utilizá-la ou não. A escolha é
nossa. Qual é ela? Como é? Onde está?
O poeta alemão, Johann Wolfgang von Goethe, nos revela qual é esta
varinha mágica, que nos propicia certa satisfação pessoal, posto
que sempre ilusória: “Só a arte permite a realização de tudo o
que na realidade a vida recusa ao homem”.
Todos temos algum pendor artístico, mesmo que sequer desconfiemos.
Uns, têm o talento de pintar, outros de esculpir, outros de compor
música, outros ainda de executá-la, outros de escrever e vai por aí
afora. Compete-nos descobrir nossa aptidão, desenvolvê-la,
aperfeiçoá-la e, claro, utilizá-la. Talento algum se impõe por si
só e muito menos nos vem completo e acabado.
A arte permite, por exemplo, que o doente transforme a doença em
saúde e vigor; que o fracassado no amor torne esse fracasso no
êxtase e delírio do sucesso e que o humilhado e ofendido tenha a
ilusão da glória e do poder. Todos eles realizam-se nas obras que
produzem que, dependendo da qualidade e das circunstâncias, os
imortalizam e até os glorificam.
Não raro pintores (ou escultores) doentes, ou portadores de graves
deficiências físicas, sublimam essas características limitantes e
pintam (ou esculpem) figuras que recendem a fortaleza e vigor,
protótipos da perfeição orgânica com que sonham, Apolos, Davis,
Dianas etc., retratos de corpo inteiro das suas aspirações.
É comum escritores (poetas ou não), fracassados no amor, por
idealizarem amadas com perfeição inacessível a humanos (como a
Beatriz de Dante), criarem personagens divinos, não somente felizes,
mas que espalham felicidade e encantamento ao seu redor, que se
existissem em carne e osso realizariam os mais impossíveis e
delirantes sonhos de qualquer mortal.
O artista e o sábio são, via de regra, rejeitados por suas musas.
Claro que há exceções, como tudo na vida. Mas a regra parece ser
esta. É, pois, uma das promessas da vida que ela menos cumpre e mais
nos frustra. Machado de Assis chegou a escrever instigante texto (se
não me falha a memória, uma crônica) a respeito, destacando a
estranha propensão das mulheres pelos tolos. Na arte, porém, essas
amadas perfeitas existem e se imortalizam. E imortalizam,
evidentemente, seus “criadores”.
A arte é, pois, em certa medida, a realização de fato do que a
vida nos promete, mas depois nos nega. Talvez não no plano material
(embora também possa ser). Mas num terreno muito menos concreto, por
isso movediço, que é o dos sentimentos. Mas cá para nós, tanto
uma quanto a outra, não passam, na verdade, de duas grandes ilusões!
Ou não são?
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