Teste do Plano Austral
Pedro J. Bondaczuk
O
grande teste para o chamado Plano Austral, do presidente argentino, Raul
Alfonsin, vai começar, de fato, a partir de agora. Do ponto de vista de
controle da inflação, pelo menos a curto prazo, ele foi bem sucedido, fazendo
com que as taxas milenares de junho passado decrescessem para toleráveis
quatrocentos e poucos por cento.
Com a deflagração, ontem, da greve dos ferroviários,
cresce a inquietação em outras categorias, até agora mantendo uma
autodisciplina de causar inveja a todos nós, que vimos no corrente ano serem
superados todos os recordes de paralisações de nossa história.
O congelamento de preços e salários, previsto pelo
Plana Austral, penalizou, na verdade, só os trabalhadores. E de todas as formas.
Ao provocar a recessão, a medida gerou, em conseqüência, dispensas em massa em
diversas empresas, deixando mais pessoas desempregadas.
Como a inflação não foi zerada (a despeito dos
principais produtos teoricamente não sofrerem mais aumentos), a corrosão
salarial se acentuou. Antes mesmo da adoção da providência, os salários já
estavam bem defasados. Há muito que eles não têm uma reposição dessas perdas
continuadas.
Na esteira da greve dos ferroviários podem vir
paralisações de outras categorias, já que o presidente Raul Alfonsin só está
disposto a conceder reajustes se estes não forem repassados ao consumidor. Como
o empresário não aceita isso, e o seu poder de barganha atualmente é bem maior
do que o dos operários, ficou estabelecido o impasse.
A greve, aliás, não assusta muito mais naquele país,
desmoralizada que foi, em anos anteriores, por movimentos de cunho nitidamente
político e não reivindicatório. Como os peronistas mostravam-se
irreversivelmente divididos, conhecendo insucesso atrás de insucesso nas urnas,
basta que se diga à população que qualquer eventual paralisação tem finalidades
meramente contestatórias, para que ela corra riscos de terminar esvaziada.
O que se questiona é por quanto tempo o governo
Alfonsin conseguirá manter a sua popularidade, mesmo impondo terríveis
sacrifícios à população. Durante que prazo será possível segurar os preços, sem
que se forme um mercado negro, sucessor natural de alguma estratégica escassez
de produtos? Se é que isto já não está ocorrendo, pois ninguém apregoa este
tipo de prática que se manifesta quase que automaticamente quando se procura
segurar a inflação através do congelamento.
E ele pode perfeitamente anular todo o esforço
governamental e tornar o sacrifício de hoje inútil, a longo prazo. Governo algum
consegue conter, indefinidamente, de maneira artificial, preços e salários.
Sempre chega o momento em que é obrigado a deixar que a própria sociedade
estabeleça as suas regras comerciais. E nesse momento, tudo o que foi reprimido
pode explodir de vez, como no caso de uma represa que retenha um volume de água
muito superior à sua capacidade.
Chega o instante em que a pressão se torna
irresistível. Daí para a ruptura e a catástrofe, é só um passo. Veja o leitor o
exemplo brasileiro. Mediante um severo controle de preços, a Nova República
conseguiu, no mês de abril, sem provocar qualquer recessão, registrar a menor
taxa inflacionária de 23 meses.
O custo reprimido, todavia, foi fazendo cada vez
maior pressão sobre esse dique estabelecido pelo CIP. Assim que se afrouxou o
controle, veio o famoso estouro de agosto, com os desastrosos 14%.
Tudo leva a crer que o Plano Austral terminará,
também, dessa maneira. Afinal, a prática dos últimos anos nos demonstrou (e
somos peritos nesse assunto, obviamente), que não basta fazer apenas que a
febre baixe para que o doente se cure. É preciso, antes de qualquer coisa,
detectar o foco infeccioso causador do estado febril. Ou seja, chegar a suas
causas. Se isso não for feito, vem, fatalmente, a recaída e a enfermidade tem
como desfecho natural a morte.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 20 de dezembro de 1985).
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