Sunday, March 08, 2015

Teste do Plano Austral


Pedro J. Bondaczuk


O grande teste para o chamado Plano Austral, do presidente argentino, Raul Alfonsin, vai começar, de fato, a partir de agora. Do ponto de vista de controle da inflação, pelo menos a curto prazo, ele foi bem sucedido, fazendo com que as taxas milenares de junho passado decrescessem para toleráveis quatrocentos e poucos por cento.

Com a deflagração, ontem, da greve dos ferroviários, cresce a inquietação em outras categorias, até agora mantendo uma autodisciplina de causar inveja a todos nós, que vimos no corrente ano serem superados todos os recordes de paralisações de nossa história.

O congelamento de preços e salários, previsto pelo Plana Austral, penalizou, na verdade, só os trabalhadores. E de todas as formas. Ao provocar a recessão, a medida gerou, em conseqüência, dispensas em massa em diversas empresas, deixando mais pessoas desempregadas.

Como a inflação não foi zerada (a despeito dos principais produtos teoricamente não sofrerem mais aumentos), a corrosão salarial se acentuou. Antes mesmo da adoção da providência, os salários já estavam bem defasados. Há muito que eles não têm uma reposição dessas perdas continuadas.

Na esteira da greve dos ferroviários podem vir paralisações de outras categorias, já que o presidente Raul Alfonsin só está disposto a conceder reajustes se estes não forem repassados ao consumidor. Como o empresário não aceita isso, e o seu poder de barganha atualmente é bem maior do que o dos operários, ficou estabelecido o impasse.

A greve, aliás, não assusta muito mais naquele país, desmoralizada que foi, em anos anteriores, por movimentos de cunho nitidamente político e não reivindicatório. Como os peronistas mostravam-se irreversivelmente divididos, conhecendo insucesso atrás de insucesso nas urnas, basta que se diga à população que qualquer eventual paralisação tem finalidades meramente contestatórias, para que ela corra riscos de terminar esvaziada.

O que se questiona é por quanto tempo o governo Alfonsin conseguirá manter a sua popularidade, mesmo impondo terríveis sacrifícios à população. Durante que prazo será possível segurar os preços, sem que se forme um mercado negro, sucessor natural de alguma estratégica escassez de produtos? Se é que isto já não está ocorrendo, pois ninguém apregoa este tipo de prática que se manifesta quase que automaticamente quando se procura segurar a inflação através do congelamento.

E ele pode perfeitamente anular todo o esforço governamental e tornar o sacrifício de hoje inútil, a longo prazo. Governo algum consegue conter, indefinidamente, de maneira artificial, preços e salários. Sempre chega o momento em que é obrigado a deixar que a própria sociedade estabeleça as suas regras comerciais. E nesse momento, tudo o que foi reprimido pode explodir de vez, como no caso de uma represa que retenha um volume de água muito superior à sua capacidade.

Chega o instante em que a pressão se torna irresistível. Daí para a ruptura e a catástrofe, é só um passo. Veja o leitor o exemplo brasileiro. Mediante um severo controle de preços, a Nova República conseguiu, no mês de abril, sem provocar qualquer recessão, registrar a menor taxa inflacionária de 23 meses.

O custo reprimido, todavia, foi fazendo cada vez maior pressão sobre esse dique estabelecido pelo CIP. Assim que se afrouxou o controle, veio o famoso estouro de agosto, com os desastrosos 14%.

Tudo leva a crer que o Plano Austral terminará, também, dessa maneira. Afinal, a prática dos últimos anos nos demonstrou (e somos peritos nesse assunto, obviamente), que não basta fazer apenas que a febre baixe para que o doente se cure. É preciso, antes de qualquer coisa, detectar o foco infeccioso causador do estado febril. Ou seja, chegar a suas causas. Se isso não for feito, vem, fatalmente, a recaída e a enfermidade tem como desfecho natural a morte.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 20 de dezembro de 1985).


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