Segregação
afeta todos nós
Pedro J. Bondaczuk
A evolução dos acontecimentos na África do Sul,
desde que o governo racista daquele país decretou o estado de emergência, no
dia 20 de julho passado, vem sendo a exatamente prevista pelos observadores. Se
em condições normais as autoridades policiais sul-africanas já tinham um poder
extraordinário, até mesmo exorbitante, em relação a qualquer outro regime que
se conheça, imaginem o que pode acontecer quando este ainda é aumentado, com a
suspensão de todas (e estas normalmente são pouquíssimas) garantias
individuais!
Só podia dar no que está dando. Em menos de três
semanas, cerca de 40 pessoas perderam a vida em distúrbios. E estes sucedem-se
e multiplicam-se numa velocidade assustadora. E a contagem de vítimas fatais idem.
Como em tantas outras crises e questões conflitivas,
os países ditos democráticos do Ocidente demonstram, mais uma vez, um cinismo
simplesmente constrangedor. Sabedores do repúdio que desperta nas pessoas do
mundo todo o regime do “apartheid”, os principais líderes europeus vieram a
público para criticar acerbamente o estado de emergência. Lamentaram as
ocorrências dos conflitos na África do Sul, as mortes registradas, e fizeram
estéreis ameaças, que todos sabem que jamais serão cumpridas.
Mas medidas efetivas de pressão, naquilo que
realmente causa impacto, ou seja, as de caráter econômico, não chegaram sequer
ao plano das cogitações. O interesse mesquinho de cada um falou mais alto.
É como o bispo anglicano negro, Desmond Tutu,
ganhador do Prêmio Nobel da Paz do ano passado, constatou, decepcionado, num
pronunciamento que fez durante um dos tantos funerais coletivos realizados numa
comunidade negra do seu país: “Os Estados Unidos adotaram medidas de boicote
contra a Nicarágua com uma facilidade espantosa. Mas em relação à África do
Sul, perdem-se em estéreis elucubrações, sutilmente justificando atos sumamente
condenáveis, como esse estranho estado de emergência que, decretado sob o
pretexto de conter a violência e evitar a escalada de assassinatos no país (até
a sua decretação, apenas neste ano, mais de 500 negros foram vitimados pelos
distúrbios raciais), acabou dando condições para que essa assumisse proporções
paroxísticas”.
O mundo parece não ter aprendido nada com a Segunda
Guerra Mundial e, principalmente, com as paranóicas teorias de superioridade de
uma raça sobre outra, de Gobineau e encampadas pelo “füherer” alemão. Nenhuma
lição efetiva foi aprendida das célebres “soluções finais” de Hitler em relação
aos judeus.
O ,esmo móvel odioso que levou os nazistas a
cometerem as atrocidades que são do conhecimento de todos, e que hoje
envergonham seus autores, está por trás das motivações dos mentores do
“apartheid”. Só que Pieter Botha e seus seguidores não eliminam suas vítimas.
Preferem mantê-las confinadas em seu próprio país, criando os chamados
“bantustans”, autênticos campos de concentração que o regime segregacionista
afirma serem nações independentes e soberanas.
Toda vez que a humanidade faz concessões desse tipo,
em algum lugar, por mais remoto que seja, está contribuindo para piorar a vida
de todos. Está compactuando com intoleráveis discriminações que, como um
bumerangue, um dia voltarão sobre as próprias cabeças daqueles que fazem vistas
grossas a tais fatos.
Ontem, os discriminados foram os judeus. Hoje, são
os negros, as mulheres, os deficientes, os velhos e assim por diante. Amanhã
serão os intelectuais, os ricos, os cristãos etc. Os homens estão sendo
rotulados por suas características exteriores, que são as que menos deveriam
contar, e não pela sua essência, por aquilo que têm de melhor.
Com isso, esse animal, essencialmente gregário, que
morre se um dia tiver que viver isolado, vai se tornando, a cada dia, mais
solitário, mais distante dos semelhantes, de quem depende para a sobrevivência,
mas de quem passa, cada vez mais, a desconfiar. Nessa atitude é que reside uma
das principais raízes da violência que, aos poucos, está destruindo a
todos.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 9 de agosto de 1985)
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