Lei impõe segregação
Pedro J. Bondaczuk
A
política do “apartheid”, segregação racial oficializada por lei, adotada pela
África do Sul em relação aos não brancos do país, que representam 81% da
população, é uma das práticas mais odiosas e condenáveis existentes no mundo.
Ela começou a ser implantada no pós-guerra, a partir
de 1948, com a subida ao poder do primeiro-ministro Daniel Malan, do Partido
Nacionalista, que se opunha aos vínculos com a Grã-Bretanha. O outro partido
existente era o Unionista, que pregava a participação sul-africana na
Commonwealth, Comunidade Britânica de Nações.
Os nacionalistas, compostos na sua maioria por
descendentes dos “boers”, ou seja, os habitantes de origem holandesa, fizeram
vingar suas teses e sucedem-se desde então no governo, há quase trinta anos,
submetendo a maioria dos que vivem naquele país a um regime absurdo e
intolerável nos dias que correm.
A política segregacionista, antes apenas uma prática
costumeira na África do Sul, foi transformada em lei em 1959, através do “Bantu
Self-Government Act” (Ato de Promoção do Autogoverno Banto). Essa legislação
separou fisicamente negros e brancos, proibindo todo e qualquer contato entre
as raças que não seja o rigorosamente indispensável.
Para tanto, criou os chamados “bantustans”, espécie
de campos de concentração, que o regime teima em dizer que são “países
independentes” apenas defendidos e tutelados pela África do Sul. Eles não
precisam, porém, de meras reservas, miseráveis e sem recursos, obrigando, pela
sua absoluta carência, a quem nelas vive a emigrarem para a periferia das
grandes metrópoles dos brancos, onde se estabelecem cidades-dormitórios.
Estas acabam transformando-se também em palcos de
monumentais motins e focos de distúrbios sangrentos, ocorrências que há anos
despontam nas manchetes internacionais.
Atualmente, os bantustans são dez: Bofutatsuana,
Ciskey, Transkey, Venda, Leboua, Gazankulu, Kuazuku, Kuákua, Kuandebele e
Kanguane. São comunidades sem nenhum recurso para uma sobrevivência decente. As
terras são pobres e estéreis.
Não há qualquer indústria e nem comércio, a não ser
a venda de “dagga” (maconha). Para sobreviver, seus habitantes procuram
estabelecer-se em Johannesburgo, Cidade do Cabo, Port Elizabeth e outras
metrópoles sul-africanas, onde vão servir de mão de obra extremamente barata e
facilmente descartável.
Esses trabalhadores negros são considerados
“estrangeiros” dentro da África do Sul, já que em seus documentos consta que
eles nasceram nos países “independentes”, que são os bantustans. São, portanto,
de “outra nacionalidade”.
Caso se rebelem contra os abusos dos patrões, são
despedidos sumariamente, ou até mesmo “deportados” para seus locais de origem.
Não possuem um horário fixo de trabalho, ficando essa decisão por conta dos
empregadores e nenhuma legislação trabalhista os protege. Ainda assim, os
negros optam por essa solução como ainda sendo a melhor, ao invés de aceitarem
a morte à míngua nas reservas, que as autoridades brancas dizem ser os seus
verdadeiros “países”.
Em Ciskey, por exemplo, onde a população nominal é
de 660 mil habitantes, apenas 30 mil residem ali. E segundo os moradores de lá
revelam, as únicas atividades que rendem alguma coisa nesse “bantustan” são a
prostituição e a venda de maconha. A situação não é nada melhor em Bofutatsuana,
Venda, Transkey, etc.
Nas grandes cidades, os negros não podem ocupar os
mesmos ônibus, bares, restaurantes, banheiros, lojas e até igrejas dos brancos.
A infração a esse dispositivo é punida rigorosamente com prisão. Em outras
palavras, em pleno século XX, existe ainda um país com a escravidão
oficializada e nada se faz para mudar isso.
Não é, pois, de se estranhar a sucessão de conflitos
que ocorrem naquela República e nem o repúdio e o boicote a esse regime pela
maior parte das nações integrantes da comunidade internacional.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular, em 23 de março de 1985).
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