A lei natural da vida
Pedro
J. Bondaczuk
A competição é uma
espécie de “lei natural” da vida, gostemos ou não, concordemos ou discordemos,
idealizemos alternativas – em que o forte, o sábio e o dinâmico amparem e
protejam o fraco, o tolo e o indolente, em vez de subjugá-los – ou nos
submetamos, passivamente, à realidade que encontramos ao nascer. O que podemos,
no máximo, é atenuar um pouco isso que aí está desde o princípio, tornando-o
menos perverso. Bem que gostaríamos (pelo menos alguns gostariam) que as coisas
fossem bem diferentes do que são. Que, no mínimo, a competição, já que existe e
que é uma espécie de lei da natureza, fosse menos feroz, mais justa, menos
implacável, mais equilibrada e racional.
Os poetas (alguns) são
hábeis em expressar esse desejo latente no coração dos bons, dos solidários e
dos piedosos, por uma nova realidade em que as pessoas competissem para saber
quem ama mais o próximo. Fico imaginando como o mundo seria melhor se um dia,
um poder superior baixasse um Ato Institucional Permanente, instaurando “Os
Estatutos do Homem”, como os idealizados por Thiago de Mello, em seu magistral
poema com esse título e que traz, logo no seu Artigo I, o seguinte:
“Fica
decretado que agora vale a verdade
agora
vale a vida,
e
de mãos dadas,
marchemos
todos pela vida verdadeira (...)”
Bem, a realidade,
óbvio, não é esta. Temos que competir, até mesmo para nascermos. “Herdamos”
determinado status social da família em que nascemos. Caso desejemos posição
melhor, para nós e para deixarmos por herança à descendência, temos que ir à
luta. Temos que batalhar, sobretudo, por nossa sobrevivência. Somos compelidos
para tal pelo que temos de irracional em nossa essência, na estrutura do animal
que de fato somos (a despeito de contarmos com a razão, que nos diferencia dos
das demais espécies). Ou seja, nossos instintos, que nos impulsionam,
cegamente, à competição. Esse determinismo está em nosso âmago, em nossa
estrutura, em nossos genes.
Nessa corrida sem
trégua pela ascensão, certamente encontraremos obstáculos de todos os tipos e
naturezas, posto que de forma desigual. Os que “herdaram” status mais elevados,
provavelmente os terão menores. Já os que nasceram nos últimos degraus da
escala social, terão que enfrentar dificuldades imensas, para muitos intransponíveis,
se pretenderem ascender a patamar mesmo que só um pouquinho melhor. O
psicanalista alemão, Konrad Lorenz, observou a propósito: “O mais alto grau de
prazer só se atinge a certo preço: e cabe ao próprio homem manter em equilíbrio
seu processo. Nas sociedades ricas, a falta de obstáculos a superar é
excessivamente frustrante. Creio que a total ausência de obstáculos seja mais
perigosa que a existência de obstáculos insuperáveis”. Será? Tenho minhas
dúvidas.
Uma coisa é certa: a
necessidade é, por excelência, a principal (entendo que a única) mola
propulsora do progresso. Quanto mais precisarmos de algo, para viver melhor ou,
principalmente, para sobreviver, mais motivados estaremos para lutar, para
mobilizar forças que nem desconfiávamos que tínhamos, para superar obstáculos,
mesmo os que a princípio sejam tidos e havidos como intransponíveis. Entendo
que a melhor estratégia para isso é a cooperação e não a instintiva competição.
Mas... é esta que acaba prevalecendo.
Claro que o mundo ideal
seria o que fosse eventualmente regido pelo estatuto preconizado por Thiago de
Mello, que tem os seguintes artigos, além do que já citei:
“Artigo
II
Fica
decretado que todos os dias da semana,
inclusive
as terças-feiras mais cinzentas,
têm
direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica
decretado que, a partir deste instante,
haverá
girassóis em todas as janelas,
que
os girassóis terão direito
a
abrir-se dentro da sombra;
e
que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas
para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica
decretado que o homem
não
precisará nunca mais
duvidar
do homem.
Que
o homem confiará no homem
como
a palmeira confia no vento,
como
o vento confia no ar,
como
o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O
homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica
decretado que os homens
estão
livres do jugo da mentira.
Nunca
mais será preciso usar
a
couraça do silêncio
nem
a armadura de palavras.
O
homem se sentará à mesa
com
seu olhar limpo
porque
a verdade passará a ser servida
antes
da sobremesa.
Artigo VI
Fica
estabelecida, durante dez séculos,
a
prática sonhada pelo profeta Isaías,
e
o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e
a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por
decreto irrevogável fica estabelecido
o
reinado permanente da justiça e da claridade,
e
a alegria será uma bandeira generosa
para
sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica
decretado que a maior dor
sempre
foi e será sempre
não
poder dar-se amor a quem se ama
e
saber que é a água
que
dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica
permitido que o pão de cada dia
tenha
no homem o sinal de seu suor.
Mas
que sobretudo tenha
sempre
o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica
permitido a qualquer pessoa,
qualquer
hora da vida,
uso
do traje branco.
Artigo XI
Fica
decretado, por definição,
que
o homem é um animal que ama
e
que por isso é belo,
muito
mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se
que nada será obrigado
nem
proibido,
tudo
será permitido,
inclusive
brincar com os rinocerontes
e
caminhar pelas tardes
com
uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só
uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica
decretado que o dinheiro
não
poderá nunca mais comprar
o
sol das manhãs vindouras.
Expulso
do grande baú do medo,
o
dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para
defender o direito de cantar
e
a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica
proibido o uso da palavra liberdade,
a
qual será suprimida dos dicionários
e
do pântano enganoso das bocas.
A
partir deste instante
a
liberdade será algo vivo e transparente
como
um fogo ou um rio,
e
a sua morada será sempre
o
coração do homem”.
Mas... infelizmente não
são os poetas que determinam as leis da vida. Antes fossem. Essa competição,
selvagem e impiedosa, todavia, está fadada ao fracasso. Nada indica que a
solidariedade, a piedade e o espírito de cooperação venham a prevalecer sobre
os instintos. O filósofo argentino, Carlos Bernardo Gonzalez Pecoche (criador
da Logosofia), apontou a principal razão do provável insucesso, ao observar:
“Todo processo de melhoramento social haverá de fracassar inevitavelmente, se
antes não se encarar o problema do indivíduo, isto é, se não se lhe der uma
formação à base de uma disciplina interna e educá-lo psicologicamente no
sentido de prestar serviços à sociedade, sem ser absorvido por ela, evitando,
assim, o truncamento de sua dependência de juízo, caracterizada em sua
liberdade moral e espiritual”.
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