Wednesday, March 25, 2015

A lei natural da vida

Pedro J. Bondaczuk

A competição é uma espécie de “lei natural” da vida, gostemos ou não, concordemos ou discordemos, idealizemos alternativas – em que o forte, o sábio e o dinâmico amparem e protejam o fraco, o tolo e o indolente, em vez de subjugá-los – ou nos submetamos, passivamente, à realidade que encontramos ao nascer. O que podemos, no máximo, é atenuar um pouco isso que aí está desde o princípio, tornando-o menos perverso. Bem que gostaríamos (pelo menos alguns gostariam) que as coisas fossem bem diferentes do que são. Que, no mínimo, a competição, já que existe e que é uma espécie de lei da natureza, fosse menos feroz, mais justa, menos implacável, mais equilibrada e racional.

Os poetas (alguns) são hábeis em expressar esse desejo latente no coração dos bons, dos solidários e dos piedosos, por uma nova realidade em que as pessoas competissem para saber quem ama mais o próximo. Fico imaginando como o mundo seria melhor se um dia, um poder superior baixasse um Ato Institucional Permanente, instaurando “Os Estatutos do Homem”, como os idealizados por Thiago de Mello, em seu magistral poema com esse título e que traz, logo no seu Artigo I, o seguinte:

“Fica decretado que agora vale a verdade
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marchemos todos pela vida verdadeira (...)”

Bem, a realidade, óbvio, não é esta. Temos que competir, até mesmo para nascermos. “Herdamos” determinado status social da família em que nascemos. Caso desejemos posição melhor, para nós e para deixarmos por herança à descendência, temos que ir à luta. Temos que batalhar, sobretudo, por nossa sobrevivência. Somos compelidos para tal pelo que temos de irracional em nossa essência, na estrutura do animal que de fato somos (a despeito de contarmos com a razão, que nos diferencia dos das demais espécies). Ou seja, nossos instintos, que nos impulsionam, cegamente, à competição. Esse determinismo está em nosso âmago, em nossa estrutura, em nossos genes.

Nessa corrida sem trégua pela ascensão, certamente encontraremos obstáculos de todos os tipos e naturezas, posto que de forma desigual. Os que “herdaram” status mais elevados, provavelmente os terão menores. Já os que nasceram nos últimos degraus da escala social, terão que enfrentar dificuldades imensas, para muitos intransponíveis, se pretenderem ascender a patamar mesmo que só um pouquinho melhor. O psicanalista alemão, Konrad Lorenz, observou a propósito: “O mais alto grau de prazer só se atinge a certo preço: e cabe ao próprio homem manter em equilíbrio seu processo. Nas sociedades ricas, a falta de obstáculos a superar é excessivamente frustrante. Creio que a total ausência de obstáculos seja mais perigosa que a existência de obstáculos insuperáveis”. Será? Tenho minhas dúvidas.

Uma coisa é certa: a necessidade é, por excelência, a principal (entendo que a única) mola propulsora do progresso. Quanto mais precisarmos de algo, para viver melhor ou, principalmente, para sobreviver, mais motivados estaremos para lutar, para mobilizar forças que nem desconfiávamos que tínhamos, para superar obstáculos, mesmo os que a princípio sejam tidos e havidos como intransponíveis. Entendo que a melhor estratégia para isso é a cooperação e não a instintiva competição. Mas... é esta que acaba prevalecendo.

Claro que o mundo ideal seria o que fosse eventualmente regido pelo estatuto preconizado por Thiago de Mello, que tem os seguintes artigos, além do que já citei:

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III 
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV  
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

        Parágrafo único: 
        O homem, confiará no homem
        como um menino confia em outro menino.

Artigo V 
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI 
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII 
Por decreto irrevogável fica estabelecido 
o reinado permanente da justiça e da claridade, 
e a alegria será uma bandeira generosa 
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII  
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX  
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.  
Mas que sobretudo tenha 
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X 
Fica permitido a qualquer  pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI  
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama 
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII  
Decreta-se que nada será obrigado 
nem proibido,
tudo será permitido, 
inclusive brincar com os rinocerontes 
e caminhar pelas tardes 
com uma imensa begônia na lapela.

        Parágrafo único: 
        Só uma coisa fica proibida:
        amar sem amor.

Artigo XIII  
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.  
Fica proibido o uso da palavra liberdade, 
a qual será suprimida dos dicionários 
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre 
o coração do homem”.

Mas... infelizmente não são os poetas que determinam as leis da vida. Antes fossem. Essa competição, selvagem e impiedosa, todavia, está fadada ao fracasso. Nada indica que a solidariedade, a piedade e o espírito de cooperação venham a prevalecer sobre os instintos. O filósofo argentino, Carlos Bernardo Gonzalez Pecoche (criador da Logosofia), apontou a principal razão do provável insucesso, ao observar: “Todo processo de melhoramento social haverá de fracassar inevitavelmente, se antes não se encarar o problema do indivíduo, isto é, se não se lhe der uma formação à base de uma disciplina interna e educá-lo psicologicamente no sentido de prestar serviços à sociedade, sem ser absorvido por ela, evitando, assim, o truncamento de sua dependência de juízo, caracterizada em sua liberdade moral e espiritual”.


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