Sunday, March 01, 2015

Fazendo do inimigo aliado

Pedro J. Bondaczuk

Os vírus, causadores de inúmeras doenças e que podem originar devastadoras pandemias, incontroláveis e de conseqüências catastróficas, têm, também, digamos, “defensores”. Bem, talvez esse não seja o termo adequado. Têm, na verdade, cientistas que fazem deles objetos de estudo na tentativa de explicar, entre outras coisas, a origem da vida. São os biólogos moleculares que acreditam que eles sejam instrumentos de fundamental importância para a compreensão do funcionamento e evolução das células. Especulam que os vírus podem ter desempenhado papel fundamental no desenvolvimento e consolidação da vida, até seu estágio atual.

Nem todos os pesquisadores, óbvio, concordam com isso ou adotam essa postura. A maioria estuda formas de eliminar essa forma intermediária entre seres vivos e matéria, virtualmente desconhecidos quanto à sua origem e natureza, pela ameaça que representam para o homem. Justificam (como se isso fosse necessário) seu empenho citando as várias pandemias, causadoras da morte de milhões de pessoas, como as da varíola, da gripe espanhola e da Aids. O novelista espanhol, Fernando Sanchez Dragó, em entrevista concedida em 1993 ao jornal El País, talvez por não ter formação científica, foi ainda mais enfático ao destacar os perigos que estes agentes patogênicos representam.

Dragó, a certa altura, respondendo pergunta do repórter, observou: “Estamos ante uma crise ecológica irreversível e digo, com conhecimento de causa: estamos sendo invadidos por vírus, por todas as partes, e isso vai provocar uma convulsão terrível, provocará mortes em cadeia. Daqui aos próximos 15 anos vão morrer sete décimas partes da humanidade e isso vai nos obrigar a voltar às origens, em certo sentido ao tempo das cavernas, como ocorreu com a Atlântida e com outras catástrofes mitológicas, como, segundo a tradição esotérica, já ocorreu dez ou doze vezes ao longo da história deste Planeta”. A sombria previsão do escritor espanhol, obvio, felizmente não se concretizou (ainda). Mas não se pode ignorar o risco potencial disso vir a ocorrer.

Muitos biólogos celulares, no entanto, estão convictos da existência de vírus inofensivos ao homem ou até mesmo benéficos a ele, como é o caso de muitas bactérias. Defendem que, em vez de eliminar todos eles, a atitude mais sensata (além de prevenir a ação dos notoriamente causadores de doenças), é estudá-los meticulosamente e identificar esses possíveis “aliados”, colocando-os a serviço do homem. Argumentam que a Virologia está praticamente engatinhando (no que estão cobertos de razão) e se encontra no mesmo estágio em que estava o estudo das bactérias em meados do século XIX. Um desses “defensores” sempre foi o micro biologista norte-americano Hyman Hartman, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que publicou instigante livro a propósito. Esse cientista é mais conhecido pelos seus estudos sobre a origem e a evolução da vida.

“No século XIX, as bactérias conhecidas eram aquelas que causavam doenças. Todas as associações simbióticas que as coisas vivas têm com elas, inclusive o grau com que impulsionam os grandes ciclos geoquímicos do Planeta, eram desconhecidos. Hoje, os vírus realmente conhecidos por nós são aqueles que causam problemas. Mas é por isso que esse é o único meio que temos até agora para encontrá-los. Pode ser que a nossa vulnerabilidade aos vírus patogênicos seja justamente o preço a ser pago para que continuemos a aceitar outros benefícios, menos visíveis”, afirmou Hartman, em entrevista que concedeu em 1993.

Sete anos depois dessa declaração, o ilustre pesquisador publicou um livro, de grande repercussão e sucesso nos meios acadêmicos, em que não só defende sua tese, como a reforça com importantes pesquisas referentes à origem da vida e à possível participação dos vírus na formação e funcionamento das células. Em certo trecho da citada obra, Hyman Hartman observa: “Os vírus sempre foram controversos, uma vez que parecem preencher a lacuna entre o mundo vivo e o não-vivo. De um lado, eles são capazes de autoduplicação e mutação e, de outro, podem ser cristalizados. O vírus parece ser uma parte do aparato genético celular que pode ser passada de célula a célula”.

O livro que citei é: “Vírus: evolução e origem da vida”. Em outro trecho, o autor escreve: “Nas bactérias, um extenso sistema de recombinação ou troca de genes por meio de infecção se desenvolveu. A transdução e a troca de plasmídios são sistemas de recombinação por infecção. Vírus bacterianos são apenas a ponta do iceberg, quando consideramos os vírus principalmente como agentes da troca de genes entre células. Um caso recente é a difusão da resistência a antibióticos nas bactérias graças à difusão de um plasmídio que carrega genes de resistência a antibióticos. Desse modo, a transferência horizontal (isto é, numa mesma geração) de genes por meio de infecção está agora bem caracterizada nas bactérias. A questão que atualmente está sob intensa investigação é se os vírus que nos infectam são, em sua maioria, virulentos ou estão envolvidos na transferência de genes entre organismos”.

Hyman Hartman não é o único a defender essa tese, embora seja um dos mais ilustres pesquisadores dessa linha. Conta com inúmeros seguidores. A esse propósito li, recentemente, em determinado espaço da internet, a seguinte afirmação, cujo autor, infelizmente, não anotei, mas que enfatiza a importância dessa e de tantas outras pesquisas biológicas: “Para muitos pensadores e cientistas, a biologia será para o século XXI o que a física foi para o século XX. São dos seus avanços que se esperam os grandes saltos científicos que virão transformar radicalmente... a vida. A decifração do genoma humano, alimentos transgênicos, vida artificial, replicação do DNA, cura de doenças até então invencíveis, a vida em outros planetas, os radicais livres, novos conceitos desafiando antigas teorias são algumas das novidades que já começam a ser anunciadas incessantemente, inclusive com a presença na mídia de líderes mundiais como Bill Clinton e Tony Blair”. Voltarei, oportunamente, ao tema.


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