Fazendo do inimigo
aliado
Pedro
J. Bondaczuk
Os vírus, causadores de
inúmeras doenças e que podem originar devastadoras pandemias, incontroláveis e
de conseqüências catastróficas, têm, também, digamos, “defensores”. Bem, talvez
esse não seja o termo adequado. Têm, na verdade, cientistas que fazem deles
objetos de estudo na tentativa de explicar, entre outras coisas, a origem da
vida. São os biólogos moleculares que acreditam que eles sejam instrumentos de
fundamental importância para a compreensão do funcionamento e evolução das
células. Especulam que os vírus podem ter desempenhado papel fundamental no
desenvolvimento e consolidação da vida, até seu estágio atual.
Nem todos os
pesquisadores, óbvio, concordam com isso ou adotam essa postura. A maioria
estuda formas de eliminar essa forma intermediária entre seres vivos e matéria,
virtualmente desconhecidos quanto à sua origem e natureza, pela ameaça que
representam para o homem. Justificam (como se isso fosse necessário) seu
empenho citando as várias pandemias, causadoras da morte de milhões de pessoas,
como as da varíola, da gripe espanhola e da Aids. O novelista espanhol,
Fernando Sanchez Dragó, em entrevista concedida em 1993 ao jornal El País,
talvez por não ter formação científica, foi ainda mais enfático ao destacar os
perigos que estes agentes patogênicos representam.
Dragó, a certa altura,
respondendo pergunta do repórter, observou: “Estamos ante uma crise ecológica
irreversível e digo, com conhecimento de causa: estamos sendo invadidos por
vírus, por todas as partes, e isso vai provocar uma convulsão terrível,
provocará mortes em cadeia. Daqui aos próximos 15 anos vão morrer sete décimas
partes da humanidade e isso vai nos obrigar a voltar às origens, em certo
sentido ao tempo das cavernas, como ocorreu com a Atlântida e com outras
catástrofes mitológicas, como, segundo a tradição esotérica, já ocorreu dez ou
doze vezes ao longo da história deste Planeta”. A sombria previsão do escritor
espanhol, obvio, felizmente não se concretizou (ainda). Mas não se pode ignorar
o risco potencial disso vir a ocorrer.
Muitos biólogos
celulares, no entanto, estão convictos da existência de vírus inofensivos ao
homem ou até mesmo benéficos a ele, como é o caso de muitas bactérias. Defendem
que, em vez de eliminar todos eles, a atitude mais sensata (além de prevenir a
ação dos notoriamente causadores de doenças), é estudá-los meticulosamente e
identificar esses possíveis “aliados”, colocando-os a serviço do homem.
Argumentam que a Virologia está praticamente engatinhando (no que estão
cobertos de razão) e se encontra no mesmo estágio em que estava o estudo das
bactérias em meados do século XIX. Um desses “defensores” sempre foi o micro
biologista norte-americano Hyman Hartman, da Universidade da Califórnia, em Berkeley,
que publicou instigante livro a propósito. Esse cientista é mais conhecido
pelos seus estudos sobre a origem e a evolução da vida.
“No século XIX, as
bactérias conhecidas eram aquelas que causavam doenças. Todas as associações
simbióticas que as coisas vivas têm com elas, inclusive o grau com que
impulsionam os grandes ciclos geoquímicos do Planeta, eram desconhecidos. Hoje,
os vírus realmente conhecidos por nós são aqueles que causam problemas. Mas é
por isso que esse é o único meio que temos até agora para encontrá-los. Pode
ser que a nossa vulnerabilidade aos vírus patogênicos seja justamente o preço a
ser pago para que continuemos a aceitar outros benefícios, menos visíveis”,
afirmou Hartman, em entrevista que concedeu em 1993.
Sete anos depois dessa
declaração, o ilustre pesquisador publicou um livro, de grande repercussão e
sucesso nos meios acadêmicos, em que não só defende sua tese, como a reforça
com importantes pesquisas referentes à origem da vida e à possível participação
dos vírus na formação e funcionamento das células. Em certo trecho da citada
obra, Hyman Hartman observa: “Os vírus sempre foram controversos, uma vez que
parecem preencher a lacuna entre o mundo vivo e o não-vivo. De um lado, eles
são capazes de autoduplicação e mutação e, de outro, podem ser cristalizados. O
vírus parece ser uma parte do aparato genético celular que pode ser passada de
célula a célula”.
O livro que citei é:
“Vírus: evolução e origem da vida”. Em outro trecho, o autor escreve: “Nas
bactérias, um extenso sistema de recombinação ou troca de genes por meio de
infecção se desenvolveu. A transdução e a troca de plasmídios são sistemas de
recombinação por infecção. Vírus bacterianos são apenas a ponta do iceberg,
quando consideramos os vírus principalmente como agentes da troca de genes
entre células. Um caso recente é a difusão da resistência a antibióticos nas
bactérias graças à difusão de um plasmídio que carrega genes de resistência a
antibióticos. Desse modo, a transferência horizontal (isto é, numa mesma geração)
de genes por meio de infecção está agora bem caracterizada nas bactérias. A
questão que atualmente está sob intensa investigação é se os vírus que nos
infectam são, em sua maioria, virulentos ou estão envolvidos na transferência
de genes entre organismos”.
Hyman Hartman não é o
único a defender essa tese, embora seja um dos mais ilustres pesquisadores
dessa linha. Conta com inúmeros seguidores. A esse propósito li, recentemente,
em determinado espaço da internet, a seguinte afirmação, cujo autor, infelizmente,
não anotei, mas que enfatiza a importância dessa e de tantas outras pesquisas
biológicas: “Para muitos pensadores e cientistas, a biologia será para o século
XXI o que a física foi para o século XX. São dos seus avanços que se esperam os
grandes saltos científicos que virão transformar radicalmente... a vida. A
decifração do genoma humano, alimentos transgênicos, vida artificial,
replicação do DNA, cura de doenças até então invencíveis, a vida em outros
planetas, os radicais livres, novos conceitos desafiando antigas teorias são
algumas das novidades que já começam a ser anunciadas incessantemente,
inclusive com a presença na mídia de líderes mundiais como Bill Clinton e Tony
Blair”. Voltarei, oportunamente, ao tema.
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