Rio em pé de guerra
Pedro J. Bondaczuk
O presidente eleito,
Fernando Henrique Cardoso, ficou indignado ao ler, em Praga, na República Checa
– uma das escalas de seu giro pós-eleitoral pelo Leste europeu – recortes de
jornais brasileiros dando conta sobre a violência no Rio de Janeiro.
Sua
reação foi mais enérgica diante da notícia de que as quadrilhas das favelas da
Ilha do Governador haviam imposto “toque de recolher” aos alunos da
Universidade Federal. Este atrevimento arrancou-lhe um desabafo: “Isso já é
demais!” É mesmo.
Como
também são intoleráveis as ameaças contra as igrejas, o terror espalhado entre
os cidadãos e os freqüentes ataques contra as delegacias, que montam barricadas
para a proteção de seus policiais. A situação na ex-capital federal chegou a um
ponto insustentável, em que duras e eficientes providências têm que ser tomadas
já!
Provavelmente
a medida mais adequada é mesmo a decretação do Estado de Defesa, permitindo que
as Forças Armadas possam agir contra o crime organizado. O que está ocorrendo
no Rio de Janeiro é fruto de anos de omissão. Não é de hoje que se fala em
violência na cidade, na “indústria dos seqüestros”, nos “arrastões” e nos
feudos criados pelos narcotraficantes nas principais favelas cariocas.
As
providências tomadas foram apenas paliativas. Os atingidos foram sempre os
“peixinhos”, sem que os “tubarões” fossem molestados em momento algum. Estes
valem-se, na maior parte das vezes, do expediente da corrupção, do suborno, da
ganância alheia, para “comprar” autoridades, sabe-se lá até qual escalão.
Quando essa estratégia não funciona, diante de algum policial mais honesto e
zeloso, a violência “resolve”. E os “chefões” do narcotráfico escapam, via de
regra, absolutamente impunes.
Há
tempos a opinião pública vem denunciando, em vão, esse estado de coisas. Há um
ano, por exemplo, o humorista Tom Cavalcante, em entrevista ao “Jornal do
Brasil”, publicada em 17 de outubro de 1993, disse algo que todos sabiam, mas
que os políticos preferiam ignorar: “No Rio de Janeiro existe um cartel de
tráfico tão brabo como em Medellin. Não aceito que certas correntes tentem
atenuar ou esconder a realidade. É preciso dizer que o Rio de Janeiro está
acabando”. Fernando Henrique Cardoso disse quase a mesma coisa, em Praga.
Somente ao invés de “acabar” usou o verbo “desmilingüir”.
A violência, que toma conta da ex-Cidade
Maravilhosa, até aqui, não vinha sendo avaliada no seu devido enfoque. Muito
intelectual buscou (e ainda há quem busque) reduzir toda a questão à crise
sócio-econômica, atribuindo os tiroteios, assassinatos e arrastões apenas à
miséria da população favelada.
No
seu entender, a solução só pode ser obtida mediante melhor distribuição de
renda. De fato, a pobreza contribui para agravar o problema, mas não está em
sua raiz. Não há dúvida que o País tem que saldar sua imensa dívida social e
dar acesso à cidadania à maioria da sua população.
Mas
os responsáveis pela violência não são os pobres. Pelo contrário, eles são as
suas vítimas. Atualmente, entre 1,5 milhão a 2 milhões de favelados do Rio são
virtuais reféns de narcotraficantes. As quadrilhas enriqueceram com seu nojento
comércio. Têm tantos recursos, que conseguem comprar armamentos mais
sofisticados do que os da polícia.
O
antropólogo Roberto da Matta argumentou, em um artigo que publicou em 1992, que
se a miséria fosse a responsável pela violência, “a Índia seria o país mais
violento do mundo”. Mas não é. O Brasil, a décima maior economia mundial,
infelizmente, está chegando lá!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 28 de outubro de 1994).
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