Operação de risco
Pedro J. Bondaczuk
A
decretação do Estado de Defesa no Rio de Janeiro, com a conseqüente intervenção
das Forças Armadas no combate ao crime organizado, que domina boa parte dos
morros e favelas da cidade, ganha mais adeptos, à medida que a violência
aumenta, embora esteja longe de um consenso.
Trata-se de uma operação de altíssimo risco, sobre a
qual é preciso fazer cuidadosas ponderações. A primeira refere-se a uma
informação, dada por oficiais do Comando Militar do Leste, ao presidente Itamar
Franco, sobre o poderio do adversário.
Um dos dados mais contundentes desse informe é a
constatação de que os narcotraficantes dispõem de um arsenal de armas leves –
fuzis e granadas, por exemplo – mais sofisticado e moderno do que o das Forças
Armadas. Mais uma razão para que a intervenção se concretize.
Se agora os criminosos estão tão poderosos, imaginem
como estarão se nenhuma medida for tomada para quebrar sua espinhas dorsal!
Soluções paliativas (ficou provado) não resolvem e apenas agravam a situação.
Outra dificuldade que precisa ser enfatizada é a da impossibilidade de
utilização de equipamentos pesados dos militares – carros-tanques, canhões,
helicópteros de combate e algumas metralhadoras – para que os moradores dos
morros (a maioria vítima dos bandidos) não sejam atingidos. Ainda assim, seja
qual for o tipo de operação a ser posto em prática, será quase inevitável a
morte de inocentes.
Aí entra um terceiro, e talvez mais grave problema.
O da reação da opinião pública. Por enquanto, esta é favorável a uma operação
militar, mas pode mudar a qualquer momento e de forma radical. Não seria a
primeira vez que isso ocorreria.
Diante das prováveis mortes, há risco, nada
desprezível, de uma gritaria geral. Afinal, há vidas em jogo a considerar,
tanto do lado dos militares, quanto dos moradores dos morros e favelas, muitos
deles cúmplices dos traficantes e outros forçados a colaborar, sob pena de
execução.
Há o respeito aos direitos humanos a ser levado em
conta. O perigo da deflagração de uma guerra de guerrilha urbana, por outro
lado, é bastante concreto. O crime organizado já mostrou ter ousadia (ou
atrevimento?) suficiente para isso.
Mas há outras questões. Tão graves quanto estas, que
precisam ser analisadas. Uma refere-se a onde colocar os bandidos que
certamente serão presos. Nas prisões comuns, seria uma temeridade, face à
corrupção existente na Polícia do Estado.
Não tardaria para que os chefões do narcotráfico
voltassem aos seus feudos, para recomeçar sua guerra contra a sociedade e,
provavelmente, com mais intensidade. Ou, como é mais freqüente, poderiam
comandar, do interior dos presídios, seu sórdido negócio e sua covarde luta,
passando instruções aos cúmplices que tenham conseguido escapar da detenção
para novas ações.
Como se observa, não se trata de um “piquenique” de
fim de semana, mas de uma operação de extrema complexidade logística e de
enorme risco político. Contudo, alguma coisa precisa ser feita para acabar com
um estado de coisas que raia ao absurdo, em que uma parte considerável da
segunda maior cidade do País, que já foi a capital federal (e hoje é estadual),
está nas mãos de criminosos, que ditam suas regras, fecham avenidas, escolas e
o comércio e se arrogam em autoridades, ignorando a vida alheia e os poderes
constituídos.
O tipo de providência e a forma de execução é que
precisam ser analisados com muita cautela, além de extrema urgência. O mal
precisa ser cortado pela raiz antes que se alastre e se torne irreversível.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 29 de outubro de 1994).
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