Desarmar
o espírito
Pedro J. Bondaczuk
O Brasil,
embora esteja muito longe da situação dos Estados Unidos no que diz
respeito à venda e posse de armas de fogo – é um país armado e, por
conseqüência, violento. As pessoas têm ainda uma idéia errônea acerca da
questão da segurança pessoal. Acreditam que, mesmo sem o devido preparo para se
defender por conta própria de assaltantes ou seqüestradores, estão mais seguras
pelo simples fato de andarem armadas. O que ocorre é exatamente o inverso.
O pior é que com sua atitude ingênua, a de se armar, esses
indivíduos conseguem apenas suprir os marginais e, muitas vezes, jogar a vida
fora, ou matando alguém num momento impensado de explosão de raiva (o que lhes
acarreta alguns anos de prisão, com a conseqüente morte social) ou sendo mortas
nas mesmas circunstâncias.
Agora, a jornalista Regina Lemos – viúva do publicitário Antonio Carlos Valério,
assassinado a tiros, em junho de 1994, quando tentava apartar uma briga numa
lanchonete paulistana – está iniciando uma
campanha, com o apoio de agências publicitárias e da mídia, para desarmar o
brasileiro. E não apenas a sua mão, mas, sobretudo, o seu espírito. Trata-se de
atitude sensata, de defesa da vida, vinda em boa hora, embora haja insensatos
que não entendam dessa maneira. Claro que acompanhando esse desarmamento, devem
vir providências práticas, efetivas, reais das autoridades encarregadas de
garantir a segurança e o patrimônio dos cidadãos. Trata-se de um direito
inalienável das pessoas.
Estimativas bastante subestimadas projetam que haja
18,5 milhões de armas de fogo circulando em mãos da população em todo o País.
Entendo que o número real deva ser pelo menos o dobro. Mesmo que não o seja, a
cifra já é bastante assustadora, quase que caracterizando um estado de guerra
civil nas ruas das grandes cidades, em especial as duas maiores, São Paulo e
Rio de Janeiro. Desse armamento em mãos indevidas e imperitas, só 6,5 milhões
estão cadastrados; ou seja, os seus proprietários dispõem do devido porte.
Aos que duvidam que o simples desarmamento vá
reduzir a criminalidade, há dados bastante precisos que dão razão aos mentores
da campanha. O Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo
apurou, numa pesquisa, que 90% dos homicídios praticados na capital paulista
não são, como se pensa, de responsabilidade de assaltantes.
Ocorrem em "explosões momentâneas de
raiva" de cidadãos em geral pacatos, que certamente não cometeriam os
crimes se não dispusessem da arma. Aliás, esse resultado coincide com
levantamentos similares realizados nos Estados Unidos.
Por isso, é uma questão de prudência apoiar e
participar ativamente da campanha encabeçada por Regina Lemos, que teve uma
atitude inteligente e positiva como reação pela morte do marido. Ao invés de
nutrir sentimentos de rancor e vingança contra o matador – um jovem de 19 anos, que fugiu para a Bolívia
– compreendeu onde reside a raiz do problema e se dispôs a fazer algo para
corrigir essa distorção social, ao invés de se limitar a criticar a situação ou
o Estado.
A vida, seja de quem for, é preciosa demais para ser
arriscada de maneira tão estúpida, como fazem os que se julgam verdadeiros
Rambos e que de "mocinhos", acabam por se tornar em
"vilões" ou, o que é pior, nas vítimas da própria insensatez.
(Artigo publicado na página 2, de Opinião, do
Correio Popular, em 30 de janeiro de 1995)
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