Sinceridade e prudência
Pedro
J. Bondaczuk
A sinceridade é uma
virtude, certo? Em termos. Nem sempre é. Aliás, quase nunca. Por estranho que
possa parecer, depende com quem e no que expressemos sinceridade. O leitor
estranhou essa minha postura, digamos, nem um pouco “politicamente correta”?
Provavelmente sim. Se o fez, todavia, não foi rigorosamente sincero consigo e
não pensou em determinadas situações e circunstâncias em que teve que ser
dissimulado. O que aconteceria se saíssemos por aí opinando a torto e a
direito, sobre tudo e sobre todos, exprimindo rigorosamente o que sentimos e
pensamos? Arranjaríamos encrencas mil, faríamos tantos inimigos que não
teríamos condições de sequer sair de casa. E teríamos que viver absolutamente
sozinhos. Quem, por exemplo, nunca teve opinião desfavorável em algum aspecto,
não importa qual, sobre pessoa que ama, cônjuge ou outro parente qualquer com
os quais resida? Nesses casos expressa, sem papas na língua, com absoluta
sinceridade, o que pensa? Duvido. Se o fizer, o relacionamento, seja conjugal,
de amizade ou de qualquer natureza, certamente irá para as cucuias.
Não sou o único que
pensa dessa maneira. Advirto que não estou recomendando a ninguém que seja
falso, hipócrita ou bajulador, longe disso. Manda a prudência, todavia, que
expressemos nossa opinião (quando esta for desabonadora), apenas a quem a
pedir. E que, assim mesmo, sejamos diplomáticos, prudentes e gentis, opinando
sim, mas sem ofender? Como? Cada um que pense numa estratégia. É isso ou
arranjar um inimigo (ou um mundão deles), não raro feroz e implacável. Não sou
o único que pensa dessa maneira (longe disso), reitero, e estou em ótima
companhia. Tive o capricho de pesquisar textos de alguns escritores e topei com
opiniões bastante sensatas e pertinentes a respeito.
Um deles, por exemplo,
é o inglês Oscar Wilde, que escreveu: "Um pouco de sinceridade pode ser
bem perigoso, muita sinceridade é absolutamente fatal”. Viram? Expressou o
mesmo que eu, embora sem justificar sua opinião. Querem outro exemplo? O
Marquês de Maricá, em suas “Máximas”, faz esta pitoresca comparação: "A
sinceridade imprudente é uma espécie de nudez que nos torna indecentes e
desprezíveis". O poeta português Miguel Torga foi ainda mais longe.
Escreveu, em seu livro “Diário (1948)”:
"Arte sincera, política sincera, amor sincero... E o que isto é,
explicado por um dicionário? O sábio que disse que os músculos da laringe é que
pensavam, disse bem. São eles, na verdade, que pensam e articulam as palavras.
O pior é o que permanece inexprimível na alma de cada um”. E Torga não tem
razão? Ora, ora, ora...
Fernando Pessoa fez
esta observação a respeito: "Custa tanto ser sincero quando se é
inteligente! É como ser honesto quando se é ambicioso”. Em outro texto,
publicado no “Livro do Desassossego”, o poeta dos heterônimos observou:
"Nunca sabemos quando somos sinceros. Talvez nunca o sejamos. E mesmo que
sejamos sinceros hoje, amanhã podemos sê-lo por coisa contrária". Você,
por exemplo, caro leitor, que ficou escandalizado com essas opiniões (minhas e
dos autores que citei), adota a sinceridade como regra constante, permanente e
absoluta em tudo, em rigorosa e estritamente tudo o que fala e faz? Duvido.
Caso a resposta seja afirmativa, deve estar encerrado em um bunker
indevassável, impedido de sair de onde está para não ser linchado.
Há vinte anos escrevi
uma crônica na qual narro um episódio em que fui (imprudentemente)
absolutamente sincero, mas em hora errada e com pessoa que não devia. Em certo
trecho desse texto relatei: “(...) Tempos atrás, quando morava em São Caetano
do Sul, estava à procura de emprego para suplementar o salário que recebia como
radialista. Como trabalhava na madrugada, tinha todo o período da tarde livre e
achava um desperdício não preencher esse tempo com uma atividade remunerada.
Conversando com o pessoal da Turma do Rapa --- sobre a qual já escrevi em uma
das crônicas anteriores --- o Zé Gordo disse que tinha um conhecido que ocupava
um alto cargo em uma empresa, que me poderia arranjar o trabalho que eu estava
procurando.
Conversa vai, conversa
vem, meu amigo descreveu-me o sujeito com o qual eu deveria falar. Disse, entre
outras coisas, que o tal conhecido seu tinha os dentes saltados para fora e que
se sentia complexado por isso. Era chamado pelas costas de ‘Dentinho’, apelido
que abominava e o tirava do sério. Lembro-me que o Zé Gordo ainda me
recomendou: ‘Vê se não o chama dessa forma, pois além de não conseguir o
emprego, é capaz de você receber ainda algumas bolachas’.
‘Claro que não! Não sou
burro!’, respondi-lhe irritado. No dia combinado, apareci na firma, um
escritório de representações, à procura do tal sujeito. O guarda encaminhou-me
diretamente à sua sala. Entrei, sentei-me, esperei que desligasse o telefone e
me desse atenção. Assim que isso aconteceu, entreguei-lhe o bilhete do Zé
Gordo. Mas não conseguia tirar os olhos da sua boca. Mais especificamente de
seus dentes saltados. Seu nome era Dirceu. Não me lembrava na hora do
sobrenome, mas não importava. O sujeito fez-me uma série de perguntas sobre o
que eu sabia fazer, além de locução de rádio, quanto queria ganhar e coisas
desse tipo. Saiu por duas vezes da sala com meus documentos e, por fim, disse
que eu estava admitido.
Recomendou que passasse
naquele mesmo dia – era uma quarta-feira – no Departamento Pessoal e começasse
a trabalhar já na segunda-feira. Fiquei eufórico. Precisava daquele trabalho
como ninguém, embora não quisesse largar o rádio. O horário combinado era o
ideal. Permitia-me conciliar as duas atividades. Um tanto quanto emocionado por
haver conseguido o que queria, levantei-me, todo sorridente, estendi-lhe a mão
e sapequei: ‘Muito obrigado senhor Dentinho'. E saí de imediato. Quando percebi
o que havia dito, já era tarde. Ainda pude ouvir, à distância, já na portaria
da empresa: ‘Dentinho é a p...q...p...’...Isto é o que se chama ‘ato falho’”.
Fui sincero, posto que por incontrolável (e subconsciente) impulso, mas na hora
inadequada e com a pessoa errada. Deu no que deu.; Não consegui o emprego.
No comments:
Post a Comment