Monday, March 16, 2015

Escassez de água já ameaça agricultura

Pedro J. Bondaczuk

A crescente escassez de água potável, não levada a sério por quem não é diretamente afetado por ela – e até por quem é, mas que considera, sem nenhuma base em fatos, que se trata só de problema sazonal – tende, caso venha a se acentuar (e tudo indica que virá), a provocar situação muito mais grave, na verdade catastrófica em todo o mundo: a da fome generalizada. “Mas como?!”, perguntarão tanto o cético quanto o alienado, “você não está se referindo a alimentos”, observarão. Ocorre que quer a agricultura, quer a pecuária, ambas não podem prescindir de água e não é prudente depender exclusivamente de caprichos climáticos, no caso, das chuvas. São atividades que requerem fornecimento contínuo, para serem viáveis. Sem água suficiente, portanto, não haverá alimentos. E sem estes... é melhor deixar apenas nas reticências as conseqüências óbvias que adviriam caso isso acontecesse.

Há quem entenda que culturas irrigadas são minoria, são pontuais, são restritas a determinadas regiões ou países. Ledo engano! A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), desfez essa impressão, em meticuloso e extenso informe publicado em fevereiro de 1994, há, portanto, vinte anos. O documento, em forma de livro, previu que em 2024 (portanto, em apenas uma década), 80% dos alimentos suplementares, necessários para alimentar o acréscimo de população havido em 30 anos, procederão de lavouras dependentes de irrigação. Todavia, projeções indicam que há risco de faltar o precioso líquido para esse fim. Aliás, já está faltando.

O aumento de consumo na indústria e no abastecimento das grandes aglomerações urbanas, para atender as necessidades do cada vez maior número de habitantes, tende a acentuar a escassez e levá-la a níveis dramáticos, insustentáveis, catastróficos. A FAO recomendou, no livro “O estado mundial da agricultura”, que os países se esforçassem para por em prática inovações tecnológicas que possibilitassem economia no uso das reservas hídricas existentes. Não tenho notícia de nenhum que esteja agindo assim. Pelo contrário, o problema parece não preocupar governo algum. Entre as propostas contidas no documento, estavam: estabelecimento de estruturas de incentivos de preços, regulamentações, permissões, restrições e sanções para incentivar o uso eficaz da água.

As recomendações, válidas para todos, são particularmente importantes para países em desenvolvimento. Para eles, a agricultura de irrigação é vital, pois é por meio dessa atividade que podem aumentar seus recursos, melhorar a produtividade e por conseqüência a produção e garantir a segurança alimentar ao longo deste século e novo milênio. Dados concretos, colhidos por pesquisadores de comprovada competência e credibilidade, apontam que as plantas, entre os seres vivos, consomem mais água que os homens e demais animais. Constatei isso em várias publicações especializadas e até nas mais populares, como a enciclopédia de ciência e tecnologia “Tecnirama”, publicada em fascículos, lançada em meados da década de 60.

Nas cidades, inclusive nas de menor porte, em decorrência da evolução dos hábitos de higiene, essenciais para a saúde, o consumo médio diário, por habitante, oscila, caso não haja desperdício, entre 500 e mil litros. Todavia, as megalópoles elas não param de crescer. Destaque-se que as grandes obras, como a construção de casas e de prédios etc., demandam consumo muito alto e que é, no entanto, imprescindível. As grandes aglomerações urbanas, todavia, como as regiões metropolitanas de São Paulo, de Campinas e da Baixada Santista, que, somadas, abrigam população de cerca de 27 milhões de pessoas, enfrentam crescente problema de captação em períodos de normalidade no ciclo de chuvas. Imaginem em situações de estiagem, como a atual, que as afeta desde o verão de 2013!

O homem e os animais domésticos bebem, anualmente, dez vezes seu próprio peso. Destaque-se que 80%  do organismo humano é constituído de água, que tem que ser reposta a cada instante, sob o risco de um colapso orgânico que leve as pessoas à morte. Nos processos industriais, o gasto depende do produto a ser fabricado. Na produção de tijolos, por exemplo, o dobro do peso é quase excessivo. Para o papel, o coeficiente é de 250. Para a fabricação de adubos nitrificados, fundamentais para a agricultura, o consumo é altíssimo. É preciso multiplicar o peso final por 600. E nas culturas agrícolas, há como apurar as quantidades requeridas? A resposta é: sim. Uma lavoura de milho, por exemplo, exige mil vezes o peso do produto colhido em água. Outros produtos agrícolas demandam quantidades do precioso líquido bem maiores. São os casos do trigo, que requer 1.500 vezes; do arroz, 4 mil vezes e da fibra de algodão, 10 mil vezes. A maior parte da água, necessária para o cultivo agrícola, provém das chuvas e de sistemas rudimentares de irrigação.

O potencial hídrico dos rios é aproveitado em quantidades ínfimas. A maior parte do seu caudal deságua no mar e se perde. O consumo agrícola, estimado em 1,8 bilhão de toneladas por ano, é irrisório se comparado com o volume total dos grandes rios. Não chega, nem mesmo, a 4%¨. A superfície cultivada de terra, do Planeta, é da ordem de apenas 1,2%. Nas zonas irrigadas, de cultivo intensivo e de poucas chuvas, as reservas subterrâneas se esgotam. As camadas de água disponíveis são cada vez mais profundas  e de difícil acesso. Os métodos de extração tornam-se caros e, em muitos casos, chegam a inviabilizar, economicamente, a atividade agrícola.

Por outro lado, as chuvas e a evaporação distribuem-se mal: os bosques tropicais, que recebem e convertem em vapor elevada quantidade de água circulante, são pouco importantes para a humanidade. Mas o maior problema é a falta de técnica para o aproveitamento desse montante imenso, que não é aproveitado, mas poderia ser. Enfim..


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