O
que nos sobreviverá?
Pedro J. Bondaczuk
A comunicação, quer através da
palavra – falada ou escrita –, quer por meio de imagens – possibilidade
relativamente recente, mas que já se impõe – é uma das mais refinadas,
complexas e fundamentais manifestações
de inteligência do homem. Para que se tornasse possível, foram necessárias
milhares de invenções, desde a criação da primeira linguagem (alguém a criou),
aos símbolos gráficos, (no caso as letras dos vários alfabetos) e até os
modernos recursos tecnológicos que nos permitem manter contato com qualquer
pessoa, esteja onde estiver, mesmo fora da Terra, em outro planeta, caso isso
seja um dia possível, como em Marte, por exemplo. Infelizmente, a imensa
maioria desses inventores foi esquecida e jamais foi reverenciada como
mereceria.
Quem inventou o primeiro idioma
falado por nossos primitivos ancestrais? Qual foi essa linguagem? Como ela se
impôs e se popularizou? Estão vendo? Ninguém sabe! Mesmo os inventores dos
meios de comunicação atuais são desconhecidos do grande público, que se utiliza
deles com naturalidade, como se sempre tivessem existido e houvessem surgido
simultaneamente com o homem. Óbvio que não surgiram. Bem, pelo menos neste
caso, seus nomes estão registrados em livros, em enciclopédias, em arquivos
etc. Mas sem consultar estes meios de informação, se nos perguntarem, de
chofre, por exemplo, quem inventou a televisão, ou o computador, ou o telefone
celular etc.etc.etc. duvido que saibamos responder (eu não sei), que tenhamos
seus nomes na ponta da língua e que conheçamos, pelo menos, sua nacionalidade ou
o tempo em que viveram ou o que mais fizeram além dessas invenções e vai por aí
afora. Bem que mereceriam ser lembrados; Mas não são.
A vida é assim. Batalhamos para
inventar e construir coisas úteis, para gerar idéias, para descobrir leis e
princípios. Vez ou outra, até auferimos benefícios materiais do que fizemos com
tanto esforço e dedicação (embora nem sempre). Contudo, depois que nossa
criação se impõe, se consolida e se populariza, somos esquecidos por todos, até
por nossos parentes mais chegados e, para todos os efeitos, não deixamos o
mínimo vestígio da nossa identidade para a posteridade. Isso, quando o que
inventamos, descobrimos ou criamos não fica ultrapassado, superado por
invenções, descobertas ou criações mais recentes, modernas, úteis e acessíveis.
O mesmo ocorre com o que comunicamos.
Nossos livros tanto podem
sobreviver ao tempo e ao esquecimento – como as obras dos filósofos, poetas,
historiadores e escritores clássicos do passado distante (gregos ou romanos,
por exemplo) – quanto “nascerem mortos”, ou seja, encalharem nas prateleiras
das livrarias e acabarem sendo destruídos para não ocuparem lugar. Sua
sobrevivência sequer depende de qualidade, embora esta ajude (ou possa ajudar).
O que conta, ao final e ao cabo, são as circunstâncias. É o fortuito. É o
acaso. .
Ainda assim, esse tipo de
comunicação implica em imensa responsabilidade. Nossos textos podem mudar, sem
que sequer venhamos a nos aperceber, para melhor ou para pior, a vida tanto de
uma única pessoa, quanto a de milhares, milhões, quiçá bilhões delas, conforme
seu teor, condições, circunstâncias e meios de difusão utilizados. Claro, caso
sobrevivam. Podem tanto adquirir a permanência que almejamos, e vencer o tempo
e o esquecimento, quanto se esgotar em segundos. A linguagem
escrita, a despeito de sua diversidade e ambigüidade, tem essa possibilidade de
atravessar gerações e de produzir efeitos profundos e duradouros não raro
milênios após nossa extinção. Podem permanecer perdidos por centenas de séculos
ou mais. Porém, caso não sejam destruídos, lá um belo dia serão encontrados por
algum arqueólogo teimoso, mesmo que acidentalmente (o que ocorre na maioria dos
casos) e virão, de novo, gloriosamente, à luz.
Pode ocorrer que esses textos de
passado tão remoto sejam, num primeiro momento, absolutamente incompreensíveis
caso sejam escritos em algum idioma “morto”, como no caso de inúmeros rolos de
papiros, grafados em hieróglifos, do Egito antigo. Não terão, nesse caso,
nenhuma serventia. Não terão, frise-se, caso não surja algum persistente e
curioso Champolion (Jean-François) da vida, que descubra uma “Pedra de Rosetta”
específica, localizada por puríssimo acaso, e que decifre, afinal, o que um
escriba nascido em 2.000 ou 3.000 antes de Cristo escreveu, provavelmente sem
se preocupar com a posteridade. Esses textos de passado tão remoto podem ser
mais antigos ainda, datados de 3.500 antes de Cristo, escritos em tabletes de
barro cozido, como eram os “livros” dos sumérios, utilizando escrita
cuneiforme, dos quais a biblioteca assíria de Nínive, achada por arqueólogos,
era fartíssima.
Esses testemunhos de era tão
remota poderiam ter sido destruídos pela mesma razão que os textos egípcios
correram risco de ser. Ou seja, por serem incompreensíveis. Não foram.
Apareceram, providencialmente, sábios, como o alemão Georg Friedrich Grotefend
e o francês Jules Oppend, entre outros, que os compreenderam, interpretaram,
traduziram e nos desvendaram, dessa forma, as crônicas sumérias sobre feitos
dos governantes e dos deuses, além de seus hinos, fábulas, poemas e anotações
de comerciantes.
Dos cerca de 50 milhões de livros
publicados anualmente no mundo, na atualidade, quantos chegarão às mãos,
digamos, de estudiosos do ano 3.500 da nossa era? Chegará algum? De que forma?
Em qual dos mais de 20 mil idiomas existentes? Haverá estudiosos de História
então? Haverá civilização nessa época? Haverá humanidade? Haverá planeta Terra,
minimamente habitável? Se houver, qual língua existirá (ou quais existirão)
para tão distantes descendentes se comunicarem? Em caso positivo para todas
essas questões, qual a “Pedra de Rosetta” será utilizada para que os textos que
hoje produzimos sejam então minimamente compreendidos? São perguntas e mais
perguntas que não me canso de fazer, cujas respostas nem eu e nem ninguém pode
responder com alguma credibilidade e sobre as quais se pode somente
especular.
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