Sunday, March 22, 2015

O que nos sobreviverá?

Pedro J. Bondaczuk

A comunicação, quer através da palavra – falada ou escrita –, quer por meio de imagens – possibilidade relativamente recente, mas que já se impõe – é uma das mais refinadas, complexas  e fundamentais manifestações de inteligência do homem. Para que se tornasse possível, foram necessárias milhares de invenções, desde a criação da primeira linguagem (alguém a criou), aos símbolos gráficos, (no caso as letras dos vários alfabetos) e até os modernos recursos tecnológicos que nos permitem manter contato com qualquer pessoa, esteja onde estiver, mesmo fora da Terra, em outro planeta, caso isso seja um dia possível, como em Marte, por exemplo. Infelizmente, a imensa maioria desses inventores foi esquecida e jamais foi reverenciada como mereceria.

Quem inventou o primeiro idioma falado por nossos primitivos ancestrais? Qual foi essa linguagem? Como ela se impôs e se popularizou? Estão vendo? Ninguém sabe! Mesmo os inventores dos meios de comunicação atuais são desconhecidos do grande público, que se utiliza deles com naturalidade, como se sempre tivessem existido e houvessem surgido simultaneamente com o homem. Óbvio que não surgiram. Bem, pelo menos neste caso, seus nomes estão registrados em livros, em enciclopédias, em arquivos etc. Mas sem consultar estes meios de informação, se nos perguntarem, de chofre, por exemplo, quem inventou a televisão, ou o computador, ou o telefone celular etc.etc.etc. duvido que saibamos responder (eu não sei), que tenhamos seus nomes na ponta da língua e que conheçamos, pelo menos, sua nacionalidade ou o tempo em que viveram ou o que mais fizeram além dessas invenções e vai por aí afora. Bem que mereceriam ser lembrados; Mas não são.

A vida é assim. Batalhamos para inventar e construir coisas úteis, para gerar idéias, para descobrir leis e princípios. Vez ou outra, até auferimos benefícios materiais do que fizemos com tanto esforço e dedicação (embora nem sempre). Contudo, depois que nossa criação se impõe, se consolida e se populariza, somos esquecidos por todos, até por nossos parentes mais chegados e, para todos os efeitos, não deixamos o mínimo vestígio da nossa identidade para a posteridade. Isso, quando o que inventamos, descobrimos ou criamos não fica ultrapassado, superado por invenções, descobertas ou criações mais recentes, modernas, úteis e acessíveis. O mesmo ocorre com o que comunicamos.

Nossos livros tanto podem sobreviver ao tempo e ao esquecimento – como as obras dos filósofos, poetas, historiadores e escritores clássicos do passado distante (gregos ou romanos, por exemplo) – quanto “nascerem mortos”, ou seja, encalharem nas prateleiras das livrarias e acabarem sendo destruídos para não ocuparem lugar. Sua sobrevivência sequer depende de qualidade, embora esta ajude (ou possa ajudar). O que conta, ao final e ao cabo, são as circunstâncias. É o fortuito. É o acaso.      .

Ainda assim, esse tipo de comunicação implica em imensa responsabilidade. Nossos textos podem mudar, sem que sequer venhamos a nos aperceber, para melhor ou para pior, a vida tanto de uma única pessoa, quanto a de milhares, milhões, quiçá bilhões delas, conforme seu teor, condições, circunstâncias e meios de difusão utilizados. Claro, caso sobrevivam. Podem tanto adquirir a permanência que almejamos, e vencer o tempo e o esquecimento,  quanto se esgotar em segundos. A linguagem escrita, a despeito de sua diversidade e ambigüidade, tem essa possibilidade de atravessar gerações e de produzir efeitos profundos e duradouros não raro milênios após nossa extinção. Podem permanecer perdidos por centenas de séculos ou mais. Porém, caso não sejam destruídos, lá um belo dia serão encontrados por algum arqueólogo teimoso, mesmo que acidentalmente (o que ocorre na maioria dos casos) e virão, de novo, gloriosamente, à luz.

Pode ocorrer que esses textos de passado tão remoto sejam, num primeiro momento, absolutamente incompreensíveis caso sejam escritos em algum idioma “morto”, como no caso de inúmeros rolos de papiros, grafados em hieróglifos, do Egito antigo. Não terão, nesse caso, nenhuma serventia. Não terão, frise-se, caso não surja algum persistente e curioso Champolion (Jean-François) da vida, que descubra uma “Pedra de Rosetta” específica, localizada por puríssimo acaso, e que decifre, afinal, o que um escriba nascido em 2.000 ou 3.000 antes de Cristo escreveu, provavelmente sem se preocupar com a posteridade. Esses textos de passado tão remoto podem ser mais antigos ainda, datados de 3.500 antes de Cristo, escritos em tabletes de barro cozido, como eram os “livros” dos sumérios, utilizando escrita cuneiforme, dos quais a biblioteca assíria de Nínive, achada por arqueólogos, era fartíssima.

Esses testemunhos de era tão remota poderiam ter sido destruídos pela mesma razão que os textos egípcios correram risco de ser. Ou seja, por serem incompreensíveis. Não foram. Apareceram, providencialmente, sábios, como o alemão Georg Friedrich Grotefend e o francês Jules Oppend, entre outros, que os compreenderam, interpretaram, traduziram e nos desvendaram, dessa forma, as crônicas sumérias sobre feitos dos governantes e dos deuses, além de seus hinos, fábulas, poemas e anotações de comerciantes.

Dos cerca de 50 milhões de livros publicados anualmente no mundo, na atualidade, quantos chegarão às mãos, digamos, de estudiosos do ano 3.500 da nossa era? Chegará algum? De que forma? Em qual dos mais de 20 mil idiomas existentes? Haverá estudiosos de História então? Haverá civilização nessa época? Haverá humanidade? Haverá planeta Terra, minimamente habitável? Se houver, qual língua existirá (ou quais existirão) para tão distantes descendentes se comunicarem? Em caso positivo para todas essas questões, qual a “Pedra de Rosetta” será utilizada para que os textos que hoje produzimos sejam então minimamente compreendidos? São perguntas e mais perguntas que não me canso de fazer, cujas respostas nem eu e nem ninguém pode responder com alguma credibilidade e sobre as quais se pode somente especular.          


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