Grandeza e efemeridade
Pedro
J. Bondaczuk
A Ciência, que
propiciou miraculosas descobertas ao longo dos séculos, conseguiu tornar
concretos praticamente todos os sonhos e fantasias humanos, acalentados desde
as remotas eras das cavernas por bilhões de indivíduos que já habitaram o
Planeta desde a origem desse animal, misto de divindade e de fera. Dotou o
homem, fisicamente frágil e desvalido, até mesmo de asas, posto que de metal,
permitindo-lhe voar. Criou máquinas, que o tornaram velocíssimo, capaz de ir a
locais mais distantes em questão de horas, quando antes levava dias, semanas ou
até mesmo meses para chegar lá. Ampliou sua voz, permitindo-lhe falar com quem
quisesse ou precisasse, mesmo que o interlocutor se encontre no outro lado do
mundo, através do rádio e do telefone, e não mais apenas daquele fixo e
limitante (que já era incrível avanço), mas do portátil: do celular, cada vez
mais diminuto, prático, multimídia e universalizado.
Fosse só isso, já seria
avanço inacreditável para quem não o testemunhou e nem usufruiu dele, mas que
nós, da atual geração, sequer damos o devido valor, já que, quando grande parte
nasceu, tudo isso já existia. As pessoas do nosso tempo, portanto, não concebem
a vida sem estas facilidades, que assombrariam os antepassados. Aliás, sequer
pensam nelas. Utilizam-nas! E os avanços tecnológicos não são, apenas, os que
citei, claro.
A ciência fez, por
exemplo, com que a visão humana, biologicamente tão limitada, superasse à dos
animais mais aptos nesse aspecto, como linces, águias, gatos etc. Foi ampliada
para alcançar os limites dos dois extremos do infinito: o microscópico (através
de microscópios eletrônicos que permitem a visualização até de vírus e de
átomos e seus componentes), e o macroscópico, por meio de telescópios orbitais,
que lhe trazem as imagens de recantos tão distantes do universo que as luzes
das remotíssimas estrelas que enxerga foram emitidas há bilhões de anos e elas
já nem existem mais por esse mesmo tempo. Tudo isso foi criado por alguém, por
homens, por indivíduos como eu, como você, como fulano, sicrano ou beltrano, e
não por alguma eventual criatura superpoderosa, por um titã ou coisa que o
valha. Não é admirável?
E o que dizer da
televisão, do cinema, do computador, da internet, dos foguetes, dos satélites,
da fotografia etc.etc.etc.? Vocês já imaginaram qual seria a reação dos
ancestrais – e nem digo dos primitivos homens das cavernas, mas, digamos, de um
indivíduo que vivesse no início do século XIX – face tudo isso que está ao
nosso dispor e que consideramos coisas triviais, comuns, normalíssimas? Eu já
pensei!! O poder da mente desse ser frágil, mas inteligente, praticamente não
tem limites. É impossível delimitar seu potencial de criatividade, tão grande
que é. O homem hoje corre à velocidade do vento, voa com mais segurança que o
mais hábil dos pássaros, viaja para além dos limites do Planeta, gera imagens,
perpetua pessoas (que o tempo e as circunstâncias se encarregaram de matar,
além de ações instantâneas, que congela) em celulóide e tem em suas mãos até a
possibilidade de destruir tudo e todos que aí estão mediante a arma das armas:
a bomba nuclear.
Mas o que ciência
alguma conseguiu, ainda, foi reproduzir, artificialmente, a vida. Felizmente,
isso foge do seu talento e criatividade. É só pensar um pouco para concluir que
essa impossibilidade é uma bênção, jamais maldição. Em decorrência disso, o
homem não pôde, também, perpetuar a existência, embora tenha melhorado, e
muito, sua duração e qualidade. Já imaginaram se fôssemos imortais? Sem sermos,
o Planeta já está para lá de superpovoado, abrigando 7,2 bilhões de habitantes.
E se ninguém morresse? Dá para imaginar quantos seríamos? Por maior que seja a
força, o vigor, a sabedoria e a habilidade humanos, por mais soma de poder que
o homem detenha, por mais beleza que possua, por mais miraculoso que seja seu
engenho, ele não descobriu maneira de se livrar da auto-anulação. É incapaz de
escapar da morte ou sequer prever, com razoável margem de acerto, como, onde e
quando ela irá destruí-lo, apodrecê-lo e reduzi-lo a pó. Isso é um bem? É um
mal? É possível defender ambas teses e com argumentos plausíveis nos dois
casos.
Aliás, no que se refere
à própria extinção, o homem só conseguiu piorar as coisas. Salvo uma ou outra
exceção, não conseguimos, mais, nos despedir da vida com dignidade. Esse
instante derradeiro causa muito medo nas pessoas, inclusive nas que optam, por
razões que só quem faz essa terrível opção sabe, embora haja quem negue que
tema tal momento. Por que? Sobretudo pela incerteza do que “virá depois”, se é
que virá mesmo alguma coisa. Até há somente um século, se tanto, esse instante
fatal era revestido de certa privacidade. O moribundo reunia a família ao seu
redor e, caso não perdesse a consciência, deixava até derradeira mensagem aos
entes queridos ou mesmo à humanidade, momentos antes de expirar. E hoje? Hoje, em boa parte dos casos, esse processo
de extinção é público, é quase burocrático.
Boa parte das mortes
ocorre em hospitais. Ou seja, as pessoas não têm, sequer, a possibilidade de
escolher o lugar em que estejam familiarizadas para se despedir do mundo.
Terminam sua jornada em leitos hospitalares, não raro em unidades de terapia
intensiva, cheias de tubos, de sondas e de agulhas de soro por todo o corpo,
dopadas, doloridas, aterrorizadas e solitárias, embora tendo a agonia
testemunhada por médicos e enfermeiros empenhados na tentativa de salvá-las.
Estou exagerando? É só observarem um pouquinho para concluírem que não. Boa
parte das pessoas morre sozinha e distante dos entes queridos. “Sic transit
gloria mundi...”, diria a respeito algum sábio romano.
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