Conversa objetiva
Pedro J. Bondaczuk
O
presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido
Comunista soviético, Mikhail Gorbachev, deram, ontem, em Genebra (pelo menos
aparentemente) uma demonstração de que têm o desejo de negociar com seriedade
problemas que antagonizam as superpotências. Uma providência que ambos adotaram
vai impedir, "a priori", que a reunião de alto nível que ambos
protagonizam se transforme naquilo que os observadores previam que ela fosse.
Ou seja, um enorme show de estrelismo, destinado às câmeras de televisão do
mundo todo. Sabiamente, os dois resolveram separar o aspecto promocional do
encontro, destinado a seus respectivos públicos internos, do pragmático, aquele
que vai decidir concretamente se o mundo continuará equilibrado numa
"corda bamba" ou se, afinal, todos poderemos ver um pouco mais
afastado o sinistro espectro da destruição nuclear.
Tanto
o Cremlin, quanto a Casa Branca resolveram manter uma cortina de silêncio em
torno do que está sendo negociado. Isso não é, frise-se, nenhum sintoma
definitivo de entendimento. Talvez nem seja indicação segura de nada. Mas não
deixa de ser um indício de que a reunião, a despeito do pessimismo que a cerca
desde o início, está sendo mesmo para valer. Quando Reagan manifestou o desejo
de realizar este encontro (e essa providência deve ser sempre creditada ao
presidente norte-americano, que tomou a iniciativa), no dia exato da escolha de
Gorbachev para o cargo mais elevado de poder na União Soviética, quando o ex-dirigente
russo, Constantin Chernenko, estava sendo sepultado, ele deixou bastante claro
o que desejava. Afirmou, comentando a carta que mandou para o novo poderoso do
Cremlin, que se este aceitasse se reunir com ele, teria que haver uma pauta
previamente preparada. Brincou, inclusive, com os jornalistas, dizendo que não
tinha a mínima intenção de apenas "conhecer socialmente" a Mikhail
Gorbachev. E tudo leva a crer que está de fato cumprindo a palavra.
O
grande dia finalmente chegou. E os observadores internacionais podem apenas
especular, baseados em algumas pistas, sobre o andamento das conversações. É
mais do que lógico que tantas e tão profundas divergências, quanto as
existentes entre as superpotências, não sejam resolvidas em apenas duas
reuniões (se é que algum dia esse antagonismo terá solução), mesmo que essas
envolvam homens com real capacidade decisória, como é o presente caso. Talvez
nem mesmo se chegue a qualquer acordo nesta primeira instância. Mas só o fato
de adversários tão distantes um do outro (se não geograficamente, pelo menos
ideologicamente) poderem mais uma vez sentarem-se ao redor de uma mesa para
exporem suas divergências, não deixa de ser algo positivo, embora ainda seja
pouco, muito pouco, um quase nada.
A
melhor definição sobre a expectativa gerada pela corrida armamentista, questão
maior em discussão e que interessa a toda a humanidade que seja equacionada,
foi manifestada há seis anos, nas Nações Unidas, na Trigésima-Quarta Assembléia
Geral, pelo papa João Paulo II. O Sumo Pontífice advertiu, na oportunidade:
"Me perturbam as informações sobre o desenvolvimento dos armamentos, que
ultrapassam os meios e dimensões de luta e de destruição jamais conhecidos até
agora. Também neste campo quero alentar às decisões e os acordos que tendem a
deter esta corrida. No entanto, a ameaça de destruição, o risco que aflora
inclusive na aceitação de certas informações tranqüilizadoras, pesam gravemente
sobre a vida da humanidade atual. Também o resistir a propostas concretas e
efetivas de um desarmamento real --- como as que esta Assembléia pediu no ano
passado, numa sessão especial --- testemunha que, junto ao desejo de paz
declarado por todos e desejado pela maioria, coexiste, quem sabe, escondido,
quem sabe, hipotético, mas real, o contrário e sua negação. Os contínuos
preparativos para a guerra, como demonstra a produção cada vez mais numerosa de
armas, mais potentes e mais sofisticadas em vários países, testemunham o desejo
de estar preparado para a guerra, e estar preparados quer dizer estar em
condições de provocá-la. Quer dizer, também, correr o risco que em qualquer
momento, em qualquer parte, de qualquer modo, possa pôr em movimento o terrível
mecanismo de destruição geral".
É
a essa armadilha que Reagan e Gorbachev devem fazer o possível para desmontar.
Com silêncio ou sem ele...
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 20 de novembro de
1985)
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