Sunday, March 22, 2015

Conversa objetiva


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, e o secretário-geral do Partido Comunista soviético, Mikhail Gorbachev, deram, ontem, em Genebra (pelo menos aparentemente) uma demonstração de que têm o desejo de negociar com seriedade problemas que antagonizam as superpotências. Uma providência que ambos adotaram vai impedir, "a priori", que a reunião de alto nível que ambos protagonizam se transforme naquilo que os observadores previam que ela fosse. Ou seja, um enorme show de estrelismo, destinado às câmeras de televisão do mundo todo. Sabiamente, os dois resolveram separar o aspecto promocional do encontro, destinado a seus respectivos públicos internos, do pragmático, aquele que vai decidir concretamente se o mundo continuará equilibrado numa "corda bamba" ou se, afinal, todos poderemos ver um pouco mais afastado o sinistro espectro da destruição nuclear.

Tanto o Cremlin, quanto a Casa Branca resolveram manter uma cortina de silêncio em torno do que está sendo negociado. Isso não é, frise-se, nenhum sintoma definitivo de entendimento. Talvez nem seja indicação segura de nada. Mas não deixa de ser um indício de que a reunião, a despeito do pessimismo que a cerca desde o início, está sendo mesmo para valer. Quando Reagan manifestou o desejo de realizar este encontro (e essa providência deve ser sempre creditada ao presidente norte-americano, que tomou a iniciativa), no dia exato da escolha de Gorbachev para o cargo mais elevado de poder na União Soviética, quando o ex-dirigente russo, Constantin Chernenko, estava sendo sepultado, ele deixou bastante claro o que desejava. Afirmou, comentando a carta que mandou para o novo poderoso do Cremlin, que se este aceitasse se reunir com ele, teria que haver uma pauta previamente preparada. Brincou, inclusive, com os jornalistas, dizendo que não tinha a mínima intenção de apenas "conhecer socialmente" a Mikhail Gorbachev. E tudo leva a crer que está de fato cumprindo a palavra.

O grande dia finalmente chegou. E os observadores internacionais podem apenas especular, baseados em algumas pistas, sobre o andamento das conversações. É mais do que lógico que tantas e tão profundas divergências, quanto as existentes entre as superpotências, não sejam resolvidas em apenas duas reuniões (se é que algum dia esse antagonismo terá solução), mesmo que essas envolvam homens com real capacidade decisória, como é o presente caso. Talvez nem mesmo se chegue a qualquer acordo nesta primeira instância. Mas só o fato de adversários tão distantes um do outro (se não geograficamente, pelo menos ideologicamente) poderem mais uma vez sentarem-se ao redor de uma mesa para exporem suas divergências, não deixa de ser algo positivo, embora ainda seja pouco, muito pouco, um quase nada.

A melhor definição sobre a expectativa gerada pela corrida armamentista, questão maior em discussão e que interessa a toda a humanidade que seja equacionada, foi manifestada há seis anos, nas Nações Unidas, na Trigésima-Quarta Assembléia Geral, pelo papa João Paulo II. O Sumo Pontífice advertiu, na oportunidade: "Me perturbam as informações sobre o desenvolvimento dos armamentos, que ultrapassam os meios e dimensões de luta e de destruição jamais conhecidos até agora. Também neste campo quero alentar às decisões e os acordos que tendem a deter esta corrida. No entanto, a ameaça de destruição, o risco que aflora inclusive na aceitação de certas informações tranqüilizadoras, pesam gravemente sobre a vida da humanidade atual. Também o resistir a propostas concretas e efetivas de um desarmamento real --- como as que esta Assembléia pediu no ano passado, numa sessão especial --- testemunha que, junto ao desejo de paz declarado por todos e desejado pela maioria, coexiste, quem sabe, escondido, quem sabe, hipotético, mas real, o contrário e sua negação. Os contínuos preparativos para a guerra, como demonstra a produção cada vez mais numerosa de armas, mais potentes e mais sofisticadas em vários países, testemunham o desejo de estar preparado para a guerra, e estar preparados quer dizer estar em condições de provocá-la. Quer dizer, também, correr o risco que em qualquer momento, em qualquer parte, de qualquer modo, possa pôr em movimento o terrível mecanismo de destruição geral".

É a essa armadilha que Reagan e Gorbachev devem fazer o possível para desmontar. Com silêncio ou sem ele...

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 20 de novembro de 1985)


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