Friday, March 20, 2015

Apesar dos tropeções, a democracia avança


Pedro J. Bondaczuk


O esquema de segurança montado no Peru para a posse, que ocorre amanhã, do seu novo presidente, o jovem Alan Garcia Perez, diz, por si só, da situação desse extenso e populoso país sul-americano. Nem mesmo a visita do papa João Paulo II, em fevereiro passado, mobilizou tanta gente para a proteção de uma autoridade estrangeira. No presente caso, serão seis as que terão que ser protegidas. E nenhuma delas é muito popular aos olhos dos guerrilheiros ultra-esquerdistas.

O presidente argentino, Raul Alfonsin, mais precavido (afinal, quando de sua última visita a Lima testemunhou um atentado bem próximo do palácio presidencial), está levando com ele até um carro blindado, para ficar a salvo de surpresas.

Num mundo violento, como o de hoje, e especialmente em um país onde a guerrilha desafia as forças de manutenção da ordem, atacando o seu mais protegido reduto, que é o Ministério do Interior, conforme fez anteontem, nunca se sabe o que pode acontecer.

Além desse aspecto de violência, a posse de Alan Garcia Perez chama a atenção por diversos outros motivos. Por exemplo, com apenas 36 anos de idade, completados em maio passado, ele é o mais jovem presidente de toda a história peruana.

Em 1949, quando nasceu, os diversos convidados que se farão presentes à sua investidura já tinham longos retrospectos na vida pública. É, portanto, um dos raros exemplos de renovação de quadros políticos, não apenas na América Latina, mas em todo o mundo, onde cargos dessa natureza, geralmente, são entregues a pessoas com idades provectas, sob o pretexto de que possuem maior experiência.

Com Alan Garcia, o partido mais bem organizado do continente, a antiga “Alianza Popular Revolucionária Americana”, conhecido pela sigla PARA, assume, finalmente, o poder, após ter sido vetado por longos 53 anos pelos militares.

E isto porque, em 1932, pegou em armas para se opor a uma tentativa de golpe, num levante do povo ocorrido na cidade de Trujillo. Seu fundador, Haya de La Torre, bem que gostaria de ver este momento de consagração. Afinal, teve que viver, por doze anos, na clandestinidade em seu próprio país.

Durante um período de meia década, foi forçado a permanecer asilado no interior de uma embaixada em Lima. Sacrificou sua vida pessoal pela organização política, que hoje é chamada de Partido Aprista Peruano0, tendo, inclusive, permanecido solteiro até a morte.

De la Torre preparou Alan Garcia Perez pessoalmente (ele era seu secretário particular) para a liderança da PARA. Mas morreu seis anos antes de ver concretizado o seu grande sonho, em 1979. Os idealistas sempre têm este tipo de risco.

Outro aspecto a destacar é quanto ao processo democrático peruano. Pela primeira vez, em quatro décadas, um presidente eleito pelo voto popular naquele país passa a presidência para outro escolhido pelo mesmo processo. Esse, aliás, é o maior feito do homem que passa, amanhã, a faixa presidencial ao sucessor, Fernando Belaunde Terry.

Seu mandato foi extremamente atribulado. Teve que lançar mão, em várias ocasiões, de instrumentos de exceção, para poder governar. Vasta região do Peru permanece ainda sob estado de emergência, diante da ameaça da guerrilha, especialmente dos grupos “Sendero Luminoso” e Movimento Revolucionário Tupac Amaru. A economia está em ruínas, a população descontente e os problemas avolumam-se a cada dia que passa.

Mas, com tudo isso, Belaunde chega ao cabo de cinco anos de mandato com a condição de empossar o preferido do povo, sem tramóias continuístas, sem fraudes eleitorais e sem insinuações golpistas.

E somente isso já se constitui numa grande virtude, num continente não muito acostumado às práticas democráticas. E a democracia, que renasceu na Argentina, em 1983; contaminou o Uruguai, no ano passado; alcançou o Brasil, através de Tancredo Neves, soma mais um ponto a seu favor em terras que já abrigaram um dos mais antigos e poderosos impérios da Terra: o dos incas. Mesmo aos tropeções, portanto, ela vai caminhando, finalmente, em nossa to9rmentosa América Latina.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 27 de julho de 1985).

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