Apesar dos tropeções, a democracia avança
Pedro J.
Bondaczuk
O esquema de segurança montado no Peru para a posse, que
ocorre amanhã, do seu novo presidente, o jovem Alan Garcia Perez, diz, por si
só, da situação desse extenso e populoso país sul-americano. Nem mesmo a visita
do papa João Paulo II, em fevereiro passado, mobilizou tanta gente para a
proteção de uma autoridade estrangeira. No presente caso, serão seis as que
terão que ser protegidas. E nenhuma delas é muito popular aos olhos dos
guerrilheiros ultra-esquerdistas.
O presidente argentino, Raul Alfonsin, mais precavido
(afinal, quando de sua última visita a Lima testemunhou um atentado bem próximo
do palácio presidencial), está levando com ele até um carro blindado, para
ficar a salvo de surpresas.
Num mundo violento, como o de hoje, e especialmente em um
país onde a guerrilha desafia as forças de manutenção da ordem, atacando o seu
mais protegido reduto, que é o Ministério do Interior, conforme fez anteontem,
nunca se sabe o que pode acontecer.
Além desse aspecto de violência, a posse de Alan Garcia
Perez chama a atenção por diversos outros motivos. Por exemplo, com apenas 36
anos de idade, completados em maio passado, ele é o mais jovem presidente de
toda a história peruana.
Em 1949, quando nasceu, os diversos convidados que se
farão presentes à sua investidura já tinham longos retrospectos na vida
pública. É, portanto, um dos raros exemplos de renovação de quadros políticos,
não apenas na América Latina, mas em todo o mundo, onde cargos dessa natureza,
geralmente, são entregues a pessoas com idades provectas, sob o pretexto de que
possuem maior experiência.
Com Alan Garcia, o partido mais bem organizado do
continente, a antiga “Alianza Popular Revolucionária Americana”, conhecido pela
sigla PARA, assume, finalmente, o poder, após ter sido vetado por longos 53
anos pelos militares.
E isto porque, em 1932, pegou em armas para se opor a uma
tentativa de golpe, num levante do povo ocorrido na cidade de Trujillo. Seu
fundador, Haya de La Torre, bem que gostaria de ver este momento de
consagração. Afinal, teve que viver, por doze anos, na clandestinidade em seu
próprio país.
Durante um período de meia década, foi forçado a
permanecer asilado no interior de uma embaixada em Lima. Sacrificou sua vida
pessoal pela organização política, que hoje é chamada de Partido Aprista
Peruano0, tendo, inclusive, permanecido solteiro até a morte.
De la Torre preparou Alan Garcia Perez pessoalmente (ele
era seu secretário particular) para a liderança da PARA. Mas morreu seis anos
antes de ver concretizado o seu grande sonho, em 1979. Os idealistas sempre têm
este tipo de risco.
Outro aspecto a destacar é quanto ao processo democrático
peruano. Pela primeira vez, em quatro décadas, um presidente eleito pelo voto
popular naquele país passa a presidência para outro escolhido pelo mesmo
processo. Esse, aliás, é o maior feito do homem que passa, amanhã, a faixa
presidencial ao sucessor, Fernando Belaunde Terry.
Seu mandato foi extremamente atribulado. Teve que lançar
mão, em várias ocasiões, de instrumentos de exceção, para poder governar. Vasta
região do Peru permanece ainda sob estado de emergência, diante da ameaça da
guerrilha, especialmente dos grupos “Sendero Luminoso” e Movimento
Revolucionário Tupac Amaru. A economia está em ruínas, a população descontente
e os problemas avolumam-se a cada dia que passa.
Mas, com tudo isso, Belaunde chega ao cabo de cinco anos
de mandato com a condição de empossar o preferido do povo, sem tramóias
continuístas, sem fraudes eleitorais e sem insinuações golpistas.
E somente isso já se constitui numa grande virtude, num
continente não muito acostumado às práticas democráticas. E a democracia, que
renasceu na Argentina, em 1983; contaminou o Uruguai, no ano passado; alcançou
o Brasil, através de Tancredo Neves, soma mais um ponto a seu favor em terras
que já abrigaram um dos mais antigos e poderosos impérios da Terra: o dos
incas. Mesmo aos tropeções, portanto, ela vai caminhando, finalmente, em nossa
to9rmentosa América Latina.
(Artigo publicado
na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 27 de julho de 1985).
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