Porque o aqüífero não é
solução
Pedro
J. Bondaczuk
O Aquífero Guarani é,
invariavelmente, citado como a grande alternativa de abastecimento para futuro
não muito distante, sempre que a questão da crescente escassez de água potável
é citada. Seus defensores argumentam, sobretudo, com suas supostamente
gigantescas reservas, estimadas em 45 mil quilômetros cúbicos de líquido.
Apegam-se, em especial, a algumas projeções feitas por especialistas que dão
conta que tal volume poderia abastecer toda a humanidade, ou seja, todos os 7,2
bilhões de habitantes do Planeta, por pelo menos 200 anos. Poderiam? Bem, as
coisas não são bem assim. Se fossem tão fáceis, essas reservas naturais já
estariam, há muitos anos, sendo normalmente exploradas. Ninguém é tão ignorante
a ponto de desprezar uma solução dessas, caso, claro, ela fosse, mesmo, tão
simples, quando não viável.
Quem lança mão desse
argumento, achando que o Aquífero Guarani, o segundo maior do mundo, e outros
tantos que há por aí, são a solução, pelo menos emergencial, para a escassez de
água potável no mundo, é leigo no assunto. Conhece alguma coisa a propósito,
mas é um conhecimento apenas enciclopédico, ou seja, superficial, de mera
leitura, aqui e ali, de textos a respeito. Essa reserva não poderia, jamais,
abastecer “toda a humanidade” sequer por um único dia, quanto mais por 200
anos. E não se trata de falta de iniciativa política, mas de razão muito mais
simples: a logística. Como transportar a água extraída dali para locais
distantes, de outros continentes, inclusive do outro lado do Planeta?
Impossível, vocês não acham? Não há como! Nem é preciso ser especialista na
matéria para saber disso. Portanto, esse potencial para abastecer a humanidade
por 200 anos não passa de mera projeção estatística, ótima para ilustrar
conversas de botequim, mas sem nada de prático ou verdadeiro.
Talvez (e notem bem,
apenas “talvez”), a reserva pudesse ser aproveitada pelas populações do
território em cujo subsolo o aquífero se situa.
Isso se fosse possível superar, e a um custo razoavelmente acessível, os
obstáculos que sua exploração em algumas áreas (a maioria) impõe. Aliás, as
águas desse vasto lençol subterrâneo já vêm abastecendo uma população
razoavelmente elevada, no noroeste do Estado de São Paulo, e, há muito tempo
(há pelo menos um século), sem que o problema do abastecimento paulista esteja
equacionado, sobretudo em épocas de estiagem, como a atual. O verdadeiro volume
do Aquífero Guarani sequer é conhecido, de fato; É somente estimado, com
razoável margem de erro.
Para algumas cidades
paulistas, ele já é imprescindível. É o caso, por exemplo, de Ribeirão Preto,
importante metrópole do interior do Estado, com população estimada em 650.955
habitantes. Todo esse contingente de pessoas é abastecido por água subterrânea
extraída do Aquífero Guarani. Desconhece-se, porém, qual o volume do líquido
que a reserva contém e desse, a que é potável. A potabilidade varia de região
para região. Sabe-se que em Santa Catarina e no Paraná, em extensas áreas do
aqüífero, as águas contêm excesso de sais. São, portanto, impróprias para o
consumo e inadequadas para o abastecimento da população. Há Estados onde ainda
não se tem certeza da possibilidade de aproveitamento ou não das reservas. São
os casos de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Pesquisas preliminares indicaram
que a tendência é a das águas serem de boa qualidade. Mas... elas requerem mais
estudos para uma conclusão definitiva.
Outra dificuldade, e
não das menores, para a exploração do Aquífero Guarani como alternativa de
abastecimento, é a profundidade em que se situa, que varia de 200 a 1.500
metros. O custo de perfuração dos poços, pois, é relativamente alto. Em alguns
casos é igual ou até superior aos investimentos que se fazem na prospecção de
petróleo. Ademais, corre-se o risco de, feita a perfuração, chegar-se a águas
impróprias para o consumo. Aliás, isso é até bastante freqüente e em várias das
regiões. Para que o leitor tenha uma
idéia dessa possibilidade, informo que na província argentina de Entre Rios, a
salinidade do líquido do aqüífero é tão elevada, que chega a ser três vezes
maior do que a das águas do mar.
Além das dificuldades
que citei para a exploração dessas reservas que a natureza formou por 220
milhões de anos, desde o Período Triássico, e que são apenas algumas de muitas
outras, pesquisadores constataram que essa tão antiga reserva, que poderia ser
providencial caso sua utilização fosse viável, vem sofrendo, também, como o
restante do Planeta, os efeitos da poluição, notadamente por herbicidas e
pesticidas. Esses venenosos agentes químicos são levados pelas chuvas das
várias lavouras dos arredores e se infiltram no solo, indo parar, diretos, no
aqüífero. Como se vê, nem essas águas, tão escondidas e por tanto tempo, são
poupadas da imprudência e da estupidez humana.
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