Thursday, March 12, 2015

Quando o perigo é considerado salvador


Pedro J. Bondaczuk


A política de blocos na Europa, responsável por duas guerras mundiais neste século, continua inibindo sociedades bastante evoluídas, do ponto de vista civilizatório, a tomarem importantes decisões referentes ao seu próprio futuro e ao de toda a humanidade.

A proposta de eliminação das armas nucleares do continente, feita no mês passado pelo líder soviético Mikhail Gorbachev, quando da visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, George Shultz, é um exemplo disso. Ela continua sendo encarada com desconfiança pelos europeus. E não tardou praticamente nada para que a propalada unidade continental se fragmentasse em três facções.

Uma delas apóia totalmente a medida, sem quaisquer outras considerações de caráter estratégico. Outra está na chamada coluna do meio. Ou seja, vai pender para o lado que tiver o maior número de adeptos. E há uma terceira corrente, encabeçada pela Grã-Bretanha, que se opõe à eliminação dos mísseis nucleares e prega uma simples redução da sua quantidade, o que não terá significado maior do que um mero símbolo de entendimento entre o Oriente e o Ocidente. E não é disso o que o mundo precisa. Necessita de atitudes concretas, coerentes e corajosas.

Mesmo eliminando-se a totalidade dos balísticos da Europa, os arsenais atômicos continuarão sendo de porte monstruoso, capazes de causar a destruição de algumas dezenas de planetas do tamanho da Terra. Mas terá sido um passo histórico rumo a futuros avanços.

A tranca que mantém todas as portas do entendimento fechadas hermeticamente terá sido quebrada. Poucas vezes, desde 1945, dois sistemas ideológicos, tão antagônicos, como os encabeçados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, estiveram tão próximos de um mínimo de compreensão mútua. Mas a política internacional é extremamente dinâmica. É movida pelos acontecimentos, que se deflagram ao acaso.

É com essas tintas do fortuito, do imprevisível, do aleatório que toda a história das civilizações vem sendo escrita. E as oportunidades não podem ser jogadas fora. Por mais irônico que possa parecer, as mais sangrentas conflagrações mundiais se desencadearam, salvo raríssimas exceções, em períodos considerados de paz.

O encadeamento de fatos tendentes a exacerbar ânimos e levar multidões aos suicidas campos de batalha sempre ocorreu com uma vertiginosa rapidez. Incidentes tolos, como o do ataque de domingo a uma fragata norte-americana no Golfo Pérsico, por parte de aviões iraquianos, podem pôr fogo no mundo em questão de horas.

Felizmente, nesta oportunidade, houve cabeça fria suficiente para não se levar longe demais uma questão relativamente pequena. Mas será que sempre é possível que isto aconteça? É claro que não!

A simples existência de arsenais superdimensionados faz com que a humanidade viva em permanente sobressalto, torcendo para que questiúnculas bobas não venham a colocar todo o penoso trabalho de diplomatas incansáveis a perder.

Não foi uma e nem foram duas as guerras travadas por bobagens. Por causa da fuga de um bezerro de um país para outro, ou porque alguma beldade de um dos lados foi raptada por algum jovem fogoso do outro. E, convenhamos, nosso presente, nosso passado e, principalmente, nosso futuro, não podem ficar, para sempre, na dependência de fatores tão vagos, tão incontroláveis e tão banais.

É hora dos líderes nacionais ouvirem um pouco mais seus liderados, pelo menos em questões que sejam de fundamental importância para todos, como a do desarmamento nuclear. Que os europeus, que dão exemplos seguidos de democracia aos povos que ainda estão em estágios menos evoluídos de civilização, levem o problema desarmamentista para as praças e avenidas.

Que façam plebiscitos em todo o continente e que se atenda à vontade da maioria. Mas que não se fique nessa enorme letargia e, principalmente, que não se invertam os valores, como se faz atualmente, quando a maior ameaça que a humanidade tem diante de si (as armas nucleares) é considerada, justamente, um instrumento de salvação. É o cúmulo de todas as distorções!!!

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 21 de maio de 1987).



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