Quando o perigo é considerado salvador
Pedro J.
Bondaczuk
A política de blocos na Europa, responsável por duas
guerras mundiais neste século, continua inibindo sociedades bastante evoluídas,
do ponto de vista civilizatório, a tomarem importantes decisões referentes ao
seu próprio futuro e ao de toda a humanidade.
A proposta de eliminação das
armas nucleares do continente, feita no mês passado pelo líder soviético
Mikhail Gorbachev, quando da visita do secretário de Estado dos Estados Unidos,
George Shultz, é um exemplo disso. Ela continua sendo encarada com desconfiança
pelos europeus. E não tardou praticamente nada para que a propalada unidade
continental se fragmentasse em três facções.
Uma delas apóia totalmente a
medida, sem quaisquer outras considerações de caráter estratégico. Outra está
na chamada coluna do meio. Ou seja, vai pender para o lado que tiver o maior
número de adeptos. E há uma terceira corrente, encabeçada pela Grã-Bretanha,
que se opõe à eliminação dos mísseis nucleares e prega uma simples redução da
sua quantidade, o que não terá significado maior do que um mero símbolo de
entendimento entre o Oriente e o Ocidente. E não é disso o que o mundo precisa.
Necessita de atitudes concretas, coerentes e corajosas.
Mesmo eliminando-se a totalidade
dos balísticos da Europa, os arsenais atômicos continuarão sendo de porte
monstruoso, capazes de causar a destruição de algumas dezenas de planetas do
tamanho da Terra. Mas terá sido um passo histórico rumo a futuros avanços.
A tranca que mantém todas as
portas do entendimento fechadas hermeticamente terá sido quebrada. Poucas
vezes, desde 1945, dois sistemas ideológicos, tão antagônicos, como os
encabeçados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, estiveram tão próximos
de um mínimo de compreensão mútua. Mas a política internacional é extremamente
dinâmica. É movida pelos acontecimentos, que se deflagram ao acaso.
É com essas tintas do fortuito,
do imprevisível, do aleatório que toda a história das civilizações vem sendo
escrita. E as oportunidades não podem ser jogadas fora. Por mais irônico que
possa parecer, as mais sangrentas conflagrações mundiais se desencadearam,
salvo raríssimas exceções, em períodos considerados de paz.
O encadeamento de fatos tendentes
a exacerbar ânimos e levar multidões aos suicidas campos de batalha sempre
ocorreu com uma vertiginosa rapidez. Incidentes tolos, como o do ataque de
domingo a uma fragata norte-americana no Golfo Pérsico, por parte de aviões
iraquianos, podem pôr fogo no mundo em questão de horas.
Felizmente, nesta oportunidade,
houve cabeça fria suficiente para não se levar longe demais uma questão
relativamente pequena. Mas será que sempre é possível que isto aconteça? É
claro que não!
A simples existência de arsenais
superdimensionados faz com que a humanidade viva em permanente sobressalto,
torcendo para que questiúnculas bobas não venham a colocar todo o penoso
trabalho de diplomatas incansáveis a perder.
Não foi uma e nem foram duas as guerras travadas por
bobagens. Por causa da fuga de um bezerro de um país para outro, ou porque
alguma beldade de um dos lados foi raptada por algum jovem fogoso do outro. E,
convenhamos, nosso presente, nosso passado e, principalmente, nosso futuro, não
podem ficar, para sempre, na dependência de fatores tão vagos, tão incontroláveis
e tão banais.
É hora dos líderes nacionais
ouvirem um pouco mais seus liderados, pelo menos em questões que sejam de
fundamental importância para todos, como a do desarmamento nuclear. Que os
europeus, que dão exemplos seguidos de democracia aos povos que ainda estão em
estágios menos evoluídos de civilização, levem o problema desarmamentista para
as praças e avenidas.
Que façam plebiscitos em todo o
continente e que se atenda à vontade da maioria. Mas que não se fique nessa
enorme letargia e, principalmente, que não se invertam os valores, como se faz
atualmente, quando a maior ameaça que a humanidade tem diante de si (as armas
nucleares) é considerada, justamente, um instrumento de salvação. É o cúmulo de
todas as distorções!!!
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 21
de maio de 1987).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment