Cruzada
contra a fome
Pedro J. Bondaczuk
A prolongada e dura crise que se abate sobre o País,
causada por vários fatores, entre os quais um modelo econômico equivocado,
incompetência administrativa, corrupção generalizada, egoísmo exacerbado de
determinados setores e influência das transformações ocorridas nas últimas duas
décadas no mundo – como os dois choques do petróleo – trouxe, como indesejável
seqüela, a miserabilidade de um quinto da população brasileira.
Hoje, 34,2 milhões de pessoas vegetam na indigência
e sofrem os efeitos de uma fome endêmica. Daí a necessidade e a relevância da
campanha encabeçada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que resgate o
verdadeiro sentido da palavra “patriotismo”.
O padre Antônio Vieira, num brilhante sermão
intitulado “O fim a que mira o trabalho do homem”, acentuou: “A maior pensão
com que Deus criou o homem é o comer. Lançai os olhos por todo o mundo e vereis
que todo ele se vem resolver em buscar o pão para a boca. Que faz o lavrador na
terra, cortando-a com o arado, cavando, regando, semeando? Busca pão. Que faz o
soldado na campanha carregado de ferro, vigiando, pelejando, derramando o
sangue? Busca pão. Que faz o navegante no mar, içando, amainando, sondando,
lutando com as ondas e com os ventos? Busca pão. O mercador nas casas de
contratação, passando letras, ajustando contas, formando companhias? O
estudante nas universidades tomando apostilas, revolvendo livros, queimando as
pestanas? O requerente nos tribunais, pedindo, alegando, replicando, dando, prometendo,
anulando? Buscam pão”.
Parodiando Vieira, perguntaríamos: “Que faz Betinho
em sua cruzada nacional, varando o Brasil em incansável jornada?”. E
responderíamos: “Busca pão”. Mas a nobreza do seu ato é que ele não o procura
para si, mas para esses milhões de brasileiros desamparados, as verdadeiras
vítimas desse festival de cinismo em que se transformou a política neste País.
Daí entendermos como de rara justiça e oportunidade
o lançamento da candidatura do sociólogo Herbert de Souza para o Prêmio Nobel
da Paz do próximo ano, já que as postulações de 1993 estão encerradas desde
fevereiro.
A iniciativa partiu do vereador petista de Belo
Horizonte, Betinho Duarte, que está fazendo uma solicitação formal ao
presidente Itamar Franco nesse sentido. A campanha contra a fome tem recebido
algumas críticas, posto que sutis e disfarçadas, de alguns setores,
provavelmente incomodados pela consciência em virtude de sua própria inércia.
Há os que afirmam se tratar de paternalismo a
distribuição de alimentos àqueles que não têm condições de adquirir o
indispensável à sobrevivência. Outros argumentam que a tarefa compete ao
governo, ao qual caberia implantar um modelo econômico coerente e racional que
não excluísse tanta gente do direito inalienável à vida.
Suponhamos que os críticos tenham razão. O que
fazer, então, enquanto as autoridades se restringem a planos, estudos e
criações de comissões? Deixar estes homens, mulheres e crianças, brasileiros
como nós, morrerem de fome?
Sem solidariedade, não há sociedade, nação, pátria.
Não estamos no mundo meramente em busca de glórias, riquezas, prazeres e outros
objetivos pessoais que são, sobretudo, efêmeros. Há um poema de Longfellow que
diz: “Os heróis que em tua mente divinizas/mostram-te que a vida é nobre e
bela/e eles te ensinam a deixar a tua própria pegada/mesmo que com o tempo
desapareça nas areias”.
Deixemos, pois, o rastro de nossos passos nesta fase
da vida nacional, unindo-nos numa grande cruzada de solidariedade para acabar
com a fome no País. Como, aliás, vem fazendo Herbert de Souza!
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 7 de julho de 1993)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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