Tuesday, March 24, 2015

Cruzada contra a fome



Pedro J. Bondaczuk


A prolongada e dura crise que se abate sobre o País, causada por vários fatores, entre os quais um modelo econômico equivocado, incompetência administrativa, corrupção generalizada, egoísmo exacerbado de determinados setores e influência das transformações ocorridas nas últimas duas décadas no mundo – como os dois choques do petróleo – trouxe, como indesejável seqüela, a miserabilidade de um quinto da população brasileira.

Hoje, 34,2 milhões de pessoas vegetam na indigência e sofrem os efeitos de uma fome endêmica. Daí a necessidade e a relevância da campanha encabeçada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que resgate o verdadeiro sentido da palavra “patriotismo”.

O padre Antônio Vieira, num brilhante sermão intitulado “O fim a que mira o trabalho do homem”, acentuou: “A maior pensão com que Deus criou o homem é o comer. Lançai os olhos por todo o mundo e vereis que todo ele se vem resolver em buscar o pão para a boca. Que faz o lavrador na terra, cortando-a com o arado, cavando, regando, semeando? Busca pão. Que faz o soldado na campanha carregado de ferro, vigiando, pelejando, derramando o sangue? Busca pão. Que faz o navegante no mar, içando, amainando, sondando, lutando com as ondas e com os ventos? Busca pão. O mercador nas casas de contratação, passando letras, ajustando contas, formando companhias? O estudante nas universidades tomando apostilas, revolvendo livros, queimando as pestanas? O requerente nos tribunais, pedindo, alegando, replicando, dando, prometendo, anulando? Buscam pão”.

Parodiando Vieira, perguntaríamos: “Que faz Betinho em sua cruzada nacional, varando o Brasil em incansável jornada?”. E responderíamos: “Busca pão”. Mas a nobreza do seu ato é que ele não o procura para si, mas para esses milhões de brasileiros desamparados, as verdadeiras vítimas desse festival de cinismo em que se transformou a política neste País.

Daí entendermos como de rara justiça e oportunidade o lançamento da candidatura do sociólogo Herbert de Souza para o Prêmio Nobel da Paz do próximo ano, já que as postulações de 1993 estão encerradas desde fevereiro.

A iniciativa partiu do vereador petista de Belo Horizonte, Betinho Duarte, que está fazendo uma solicitação formal ao presidente Itamar Franco nesse sentido. A campanha contra a fome tem recebido algumas críticas, posto que sutis e disfarçadas, de alguns setores, provavelmente incomodados pela consciência em virtude de sua própria inércia.

Há os que afirmam se tratar de paternalismo a distribuição de alimentos àqueles que não têm condições de adquirir o indispensável à sobrevivência. Outros argumentam que a tarefa compete ao governo, ao qual caberia implantar um modelo econômico coerente e racional que não excluísse tanta gente do direito inalienável à vida.

Suponhamos que os críticos tenham razão. O que fazer, então, enquanto as autoridades se restringem a planos, estudos e criações de comissões? Deixar estes homens, mulheres e crianças, brasileiros como nós, morrerem de fome?

Sem solidariedade, não há sociedade, nação, pátria. Não estamos no mundo meramente em busca de glórias, riquezas, prazeres e outros objetivos pessoais que são, sobretudo, efêmeros. Há um poema de Longfellow que diz: “Os heróis que em tua mente divinizas/mostram-te que a vida é nobre e bela/e eles te ensinam a deixar a tua própria pegada/mesmo que com o tempo desapareça nas areias”.

Deixemos, pois, o rastro de nossos passos nesta fase da vida nacional, unindo-nos numa grande cruzada de solidariedade para acabar com a fome no País. Como, aliás, vem fazendo Herbert de Souza!       

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 7 de julho de 1993)


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