Senhora
do destino
O Magistério, o Jornalismo e a Literatura de Campinas,
portanto sua cultura, perderam, neste 7 de março de 2015, sua figura mais
exemplar, paradigma de persistência, dedicação e amor ao próximo. Faleceu,
nesta data, aos 98 anos de idade, a professora, jornalista e escritora (minha
colega na Academia Campinense de Letras) Célia Siqueira Farjallat. Não farei
propriamente um necrológio, pois, conhecendo-a como a conheci (fomos colegas de
redação no Correio Popular por quase vinte anos), sei que ela não aprovaria
isso. Farei, sim, algumas considerações para exaltar algumas de suas virtudes
que o público, certamente, desconhece;
O ser humano nasce, cresce, amadurece, envelhece e morre.
É óbvio, e tão evidente, que nem mesmo aquele personagem do romance “O primo
Basílio”, de Eça de Queiroz, o Conselheiro Acácio, que vivia dizendo
obviedades, diria esta. Atrevo-me, porém, sob o risco de ácidas críticas e de
descambar para o ridículo, a dizê-la, face à constatação de que há milhões de
pessoas no mundo (com muitas das quais cruzamos a todo o momento no dia-a-dia)
que parecem não entender isso, por elementar que seja. Julgam (ou pelo menos
dão a entender, por suas atitudes) que serão capazes de manter a eterna
juventude, fórmula buscada, em vão, por tanta gente (Ponce de Leon garantia que
a havia encontrado na Flórida) e por tanto tempo. Não foi encontrada, simplesmente,
porque não existe, e nunca existiu. Quem sabe, um dia, pode vir a existir,
graças aos avanços da ciência.
Essas pessoas acreditam que
jamais irão envelhecer e não se previnem para esse futuro, que hoje é
assustador por causa do nosso próprio comportamento. Houve tempo em que fazer
parte da Terceira Idade, ou ser velho (ou idoso, termo politicamente correto)
era símbolo de status. Hoje, é claro, não é mais.
Nas civilizações mais evoluídas
do passado (nem tão remoto assim), os de mais idade ocupavam lugares vitalícios
nos conselhos de Estado, graças à sua experiência, reputada como muito
preciosa. Hoje, essa condição é insensatamente desprezada. E o pior é que quem
age assim vai, também (isto, é claro, se alguma doença, acidente ou ato de
violência não o eliminar antes) envelhecer.
O salutar e prudente costume de
respeito ao idoso, que o jovem de hoje não contribui para implantar e tornar
rotineiro; as leis de proteção à Terceira Idade, que não se empenha para que
sejam cumpridas; e o pouco caso que demonstra em relação à defasagem das
aposentadorias, entre outras tantas coisas, são circunstâncias que vão se
refletir, um dia, sobre ele mesmo. Quem se importa, todavia, com isso? A
imprensa, pelo menos, parece não se importar. A Terceira Idade é tema quase
sempre ausente das páginas dos jornais diários, como estão cada vez mais
ausentes das redações os jornalistas veteranos, com sessenta anos ou mais,
“banidos” precocemente da atividade. Há exceções, lógico, mas a regra é
confundir juventude com genialidade, o que é absurdo, evidentemente.
Os anos parecem passar com
tamanha rapidez, depois de certa idade, que não percebemos o início do
inexorável processo de envelhecimento. Quando nos damos conta, todavia... lá
estamos nós vivendo a mesmíssima situação de fragilidade que criticávamos em
nossos avós ou em outras pessoas idosas.
Há, contudo, uma forma racional
da pessoa não sentir o impacto dessa fase da sua vida. Há um modo prático e
eficaz de não cair na armadilha da solidão, que é o que de pior acontece a quem
já passou a barreira dos 60 anos (depois das doenças, é claro). E qual é?
Simples: trata-se de não abrir mão dos ideais e dos objetivos que sempre
nortearam a sua conduta. E, quanto mais inalcançáveis eles forem, tanto melhor.
Sempre existirá uma meta a ser perseguida.
Tempos atrás, o portal
Comunique-se nos apresentou, na sua então nova seção Perfil, uma “jovem”
jornalista de cem anos, que sequer cogitava de aposentadoria. Era Elsie
Dubugras, que permanecia firme e forte, como uma rocha, na redação da Revista
Planeta, esbanjando inteligência, disposição, talento e criatividade. Não sei
se ainda permanece. Mas... O fato é que não abriu mão de seus ideais e sobrevivia,
com dignidade, ao tempo e aos desgastes que este causa no corpo e na mente.
É aqui que entra a figura da
professora, jornalista e escritora campineira Célia Siqueira Farjallat. Em
2006, aos 89 anos de idade, e 65 de jornalismo (começou em 1940 no Correio
Popular, onde, até então era colunista e das mais lidas e apreciadas), sequer lhe
passava remotamente pela cabeça a possibilidade de parar. Fez bem! Mantinha
viva a chama do ideal que sempre a moveu, o verdadeiro elixir da eterna
juventude. Quem lia seus textos, e não a conhecesse, os atribuiria, certamente,
a algum jornalista na faixa dos 30 anos, tamanha era sua identificação com os
tempos de hoje e sua atualidade em termos dos temas que abordava, linguagem que
utilizava, mentalidade que tinha etc. Não posso precisar quando se afastou do
jornal. Mas deve ser algo bastante recente, bem depois que me aposentei e me
desliguei da empresa.
Professora, dedicou 41 anos ao
magistério na Escola Normal de Campinas, onde formou mais de 20 mil jovens. Ao
contrário de muitos jornalistas, hoje na faixa dos 50 a 60 anos, adaptou-se, de
imediato, ao computador, ferramenta da qual não abria mão e que dominava com
incrível facilidade. O apresentador da EPTV e coordenador da TV Local em
Campinas, Fernando Kassab, que foi seu companheiro de redação no Correio
Popular, confidenciou, em artigo intitulado “Renovar ou morrer – vamos
renovar”: “Célia tinha mais de 70 anos quando me ensinou a usar o computador na
redação do jornal, e que segue escrevendo muitíssimo bem sobre assuntos de
grande importância”. Seguia mesmo.
É indispensável, contudo, que mesmo
tendo consciência de que o alvo perseguido é muito difícil, senão impossível de
ser atingido, que não se pare de lutar, de tentar, com todas as forças, tornar
concreta essa utopia.
O renomado clínico
norte-americano, Northcote Parkinson, escreveu, há cerca de trinta anos, no
“Medical Affairs”: “Fiz uma descoberta importantíssima para a medicina clínica:
as pessoas mais ocupadas não têm tempo para ficar doentes”. E não têm mesmo... Se
você já passou dos 60, experimente fazer isso. O que você terá a perder?!
É indispensável, por outro lado,
que jamais nos deixemos vencer pela tentação da autopiedade. Não podemos
assumir a postura de “coitadinhos”. Se o fizermos, seremos, com toda a certeza,
por maior que seja o nosso potencial, de fato dignos apenas de piedade.
James W. Kennedy dizia, com muita
sabedoria, que “o que realmente importa é o que acontece em nós, e não a nós”.
É esta integridade de espírito, esta riqueza interior, que devemos cultivar,
para nos servir nos anos mais difíceis da nossa existência.
Estas têm que ser as armas ao
nosso dispor para quando nossos músculos já não obedecerem, com prontidão, as
ordens emanadas pelo cérebro; para quando nossos olhos não enxergarem com a
mesma acuidade da juventude; para quando nossos ouvidos já não captarem os sons
com a mesma nitidez dos bons tempos e quando o nosso raciocínio levar um tempo
enorme para “esquentar”.
Envelheçamos, sim, pois esta é
uma fatalidade biológica. Mas o façamos com tranqüilidade, com picardia e,
sobretudo, com dignidade, como Elsie Dubugras, como Célia Siqueira Farjallat e
como Barbosa Lima Sobrinho, entre tantos, fazem ou fizeram, mesmo que isso nos
custe um esforço sobre-humano. Sejamos, até o derradeiro segundo de vida,
senhores, de fato, do nosso destino! Adeus, exemplar companheira! Você mais do
que cumpriu, com competência e galhardia, a missão que a vida lhe impôs. E foi,
além de exemplo para todos nós, legítima senhora do seu destino!
No comments:
Post a Comment