Sunday, March 08, 2015

Senhora do destino

 Pedro J. Bondaczuk


O Magistério, o Jornalismo e a Literatura de Campinas, portanto sua cultura, perderam, neste 7 de março de 2015, sua figura mais exemplar, paradigma de persistência, dedicação e amor ao próximo. Faleceu, nesta data, aos 98 anos de idade, a professora, jornalista e escritora (minha colega na Academia Campinense de Letras) Célia Siqueira Farjallat. Não farei propriamente um necrológio, pois, conhecendo-a como a conheci (fomos colegas de redação no Correio Popular por quase vinte anos), sei que ela não aprovaria isso. Farei, sim, algumas considerações para exaltar algumas de suas virtudes que o público, certamente, desconhece;

O ser humano nasce, cresce, amadurece, envelhece e morre. É óbvio, e tão evidente, que nem mesmo aquele personagem do romance “O primo Basílio”, de Eça de Queiroz, o Conselheiro Acácio, que vivia dizendo obviedades, diria esta. Atrevo-me, porém, sob o risco de ácidas críticas e de descambar para o ridículo, a dizê-la, face à constatação de que há milhões de pessoas no mundo (com muitas das quais cruzamos a todo o momento no dia-a-dia) que parecem não entender isso, por elementar que seja. Julgam (ou pelo menos dão a entender, por suas atitudes) que serão capazes de manter a eterna juventude, fórmula buscada, em vão, por tanta gente (Ponce de Leon garantia que a havia encontrado na Flórida) e por tanto tempo. Não foi encontrada, simplesmente, porque não existe, e nunca existiu. Quem sabe, um dia, pode vir a existir, graças aos avanços da ciência.

Essas pessoas acreditam que jamais irão envelhecer e não se previnem para esse futuro, que hoje é assustador por causa do nosso próprio comportamento. Houve tempo em que fazer parte da Terceira Idade, ou ser velho (ou idoso, termo politicamente correto) era símbolo de status. Hoje, é claro, não é mais.

Nas civilizações mais evoluídas do passado (nem tão remoto assim), os de mais idade ocupavam lugares vitalícios nos conselhos de Estado, graças à sua experiência, reputada como muito preciosa. Hoje, essa condição é insensatamente desprezada. E o pior é que quem age assim vai, também (isto, é claro, se alguma doença, acidente ou ato de violência não o eliminar antes) envelhecer.

O salutar e prudente costume de respeito ao idoso, que o jovem de hoje não contribui para implantar e tornar rotineiro; as leis de proteção à Terceira Idade, que não se empenha para que sejam cumpridas; e o pouco caso que demonstra em relação à defasagem das aposentadorias, entre outras tantas coisas, são circunstâncias que vão se refletir, um dia, sobre ele mesmo. Quem se importa, todavia, com isso? A imprensa, pelo menos, parece não se importar. A Terceira Idade é tema quase sempre ausente das páginas dos jornais diários, como estão cada vez mais ausentes das redações os jornalistas veteranos, com sessenta anos ou mais, “banidos” precocemente da atividade. Há exceções, lógico, mas a regra é confundir juventude com genialidade, o que é absurdo, evidentemente.

Os anos parecem passar com tamanha rapidez, depois de certa idade, que não percebemos o início do inexorável processo de envelhecimento. Quando nos damos conta, todavia... lá estamos nós vivendo a mesmíssima situação de fragilidade que criticávamos em nossos avós ou em outras pessoas idosas.

Há, contudo, uma forma racional da pessoa não sentir o impacto dessa fase da sua vida. Há um modo prático e eficaz de não cair na armadilha da solidão, que é o que de pior acontece a quem já passou a barreira dos 60 anos (depois das doenças, é claro). E qual é? Simples: trata-se de não abrir mão dos ideais e dos objetivos que sempre nortearam a sua conduta. E, quanto mais inalcançáveis eles forem, tanto melhor. Sempre existirá uma meta a ser perseguida.
Tempos atrás, o portal Comunique-se nos apresentou, na sua então nova seção Perfil, uma “jovem” jornalista de cem anos, que sequer cogitava de aposentadoria. Era Elsie Dubugras, que permanecia firme e forte, como uma rocha, na redação da Revista Planeta, esbanjando inteligência, disposição, talento e criatividade. Não sei se ainda permanece. Mas... O fato é que não abriu mão de seus ideais e sobrevivia, com dignidade, ao tempo e aos desgastes que este causa no corpo e na mente.

É aqui que entra a figura da professora, jornalista e escritora campineira Célia Siqueira Farjallat. Em 2006, aos 89 anos de idade, e 65 de jornalismo (começou em 1940 no Correio Popular, onde, até então era colunista e das mais lidas e apreciadas), sequer lhe passava remotamente pela cabeça a possibilidade de parar. Fez bem! Mantinha viva a chama do ideal que sempre a moveu, o verdadeiro elixir da eterna juventude. Quem lia seus textos, e não a conhecesse, os atribuiria, certamente, a algum jornalista na faixa dos 30 anos, tamanha era sua identificação com os tempos de hoje e sua atualidade em termos dos temas que abordava, linguagem que utilizava, mentalidade que tinha etc. Não posso precisar quando se afastou do jornal. Mas deve ser algo bastante recente, bem depois que me aposentei e me desliguei da empresa.

Professora, dedicou 41 anos ao magistério na Escola Normal de Campinas, onde formou mais de 20 mil jovens. Ao contrário de muitos jornalistas, hoje na faixa dos 50 a 60 anos, adaptou-se, de imediato, ao computador, ferramenta da qual não abria mão e que dominava com incrível facilidade. O apresentador da EPTV e coordenador da TV Local em Campinas, Fernando Kassab, que foi seu companheiro de redação no Correio Popular, confidenciou, em artigo intitulado “Renovar ou morrer – vamos renovar”: “Célia tinha mais de 70 anos quando me ensinou a usar o computador na redação do jornal, e que segue escrevendo muitíssimo bem sobre assuntos de grande importância”. Seguia mesmo.
     
É indispensável, contudo, que mesmo tendo consciência de que o alvo perseguido é muito difícil, senão impossível de ser atingido, que não se pare de lutar, de tentar, com todas as forças, tornar concreta essa utopia.

O renomado clínico norte-americano, Northcote Parkinson, escreveu, há cerca de trinta anos, no “Medical Affairs”: “Fiz uma descoberta importantíssima para a medicina clínica: as pessoas mais ocupadas não têm tempo para ficar doentes”. E não têm mesmo... Se você já passou dos 60, experimente fazer isso. O que você terá a perder?!

É indispensável, por outro lado, que jamais nos deixemos vencer pela tentação da autopiedade. Não podemos assumir a postura de “coitadinhos”. Se o fizermos, seremos, com toda a certeza, por maior que seja o nosso potencial, de fato dignos apenas de piedade.

James W. Kennedy dizia, com muita sabedoria, que “o que realmente importa é o que acontece em nós, e não a nós”. É esta integridade de espírito, esta riqueza interior, que devemos cultivar, para nos servir nos anos mais difíceis da nossa existência.

Estas têm que ser as armas ao nosso dispor para quando nossos músculos já não obedecerem, com prontidão, as ordens emanadas pelo cérebro; para quando nossos olhos não enxergarem com a mesma acuidade da juventude; para quando nossos ouvidos já não captarem os sons com a mesma nitidez dos bons tempos e quando o nosso raciocínio levar um tempo enorme para “esquentar”.

Envelheçamos, sim, pois esta é uma fatalidade biológica. Mas o façamos com tranqüilidade, com picardia e, sobretudo, com dignidade, como Elsie Dubugras, como Célia Siqueira Farjallat e como Barbosa Lima Sobrinho, entre tantos, fazem ou fizeram, mesmo que isso nos custe um esforço sobre-humano. Sejamos, até o derradeiro segundo de vida, senhores, de fato, do nosso destino! Adeus, exemplar companheira! Você mais do que cumpriu, com competência e galhardia, a missão que a vida lhe impôs. E foi, além de exemplo para todos nós, legítima senhora do seu destino!     


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