Plebiscito espontâneo
Pedro J.
Bondaczuk
A presença do papa João Paulo II no Chile ressaltou um
aspecto que os especialistas de todo o mundo já sabiam sobejamente, mas que
raramente expressavam em seus respectivos órgãos de imprensa. O de repúdio
praticamente generalizado da população desse país ao atual regime, que a ferro
e fogo vem se sustentando no poder, com uma resistência incrível e uma fúria de
causar terror até aos que estão mais distantes dali, há treze anos e meio.
Em todo esse tempo, ele só
conseguiu reprimir frustrações no coração desse povo, a poder de instrumentos
de exceção, até desconhecidos de outras ditaduras, e de uma feroz repressão, de
causar revolta em todo o mundo.
Nestes três dias em que
permaneceu no Chile, o Papa pôde assistir a manifestações de repúdio de toda a
espécie ao atual governo. Através de faixas, de cartazes, de “slogans”, de
cartas a ele encaminhadas por pessoas de diversas tendências ideológicas e das
mais variadas categorias sociais e em conversas que ele manteve com a
população.
Foram manifestações para não
deixar dúvida alguma em quem porventura ainda a possuísse, acreditando no que o
presidente Augusto Pinochet procura, a todo o custo, passar à opinião pública
internacional, de que ele e seu regime não são mais do que vítimas da União
Soviética e de seus “prepostos”. De que os chilenos o amam e apenas uma
“minoria de terroristas” deseja ver o truculento general fora do poder.
Órgãos de imprensa sérios, nos
Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, por incrível que possa
parecer, já deram guarida a essa versão. E o atual mandatário chileno, de uma
maneira ou de outra, tem conseguido o apoio de vários governantes para se
manter, embora condenado em todos os foros onde se debate sobre violações de
direitos humanos, por práticas inomináveis, como torturas, prisões arbitrárias,
assassinatos de políticos, padres, jornalistas, professores e de todos os que
não se conformam em viver de joelhos.
Não pode haver melhor plebiscito
do que este, quando em três dias, 2,5 milhões de cidadãos, enfrentando todos os
riscos que sua atitude possa envolver, foram às ruas para, sob o coro (talvez
profético, quem sabe), de “vai cair, vai cair”, mostrar para o mundo as suas
aflições. E nem tudo o que se está passando ali vem sendo divulgado. Não, pelo
menos, com a presteza que se poderia esperar.
Os dois mil jornalistas, que
cobrem a presente visita do Papa, devem estar enfrentando uma série de
constrangimentos para cumprir a sua nobre missão de bem informar. Ontem, por
exemplo, a Rádio Caracol de Bogotá foi forçada a suspender as suas transmissões
do Chile. Como coisa que isso adiantasse.
Esses profissionais de imprensa,
assim como o Papa, regressarão a seus países, segunda-feira, com uma visão mais
clara da aflição e da luta do povo chileno. E principalmente do seu heroísmo e
da sua força moral. Doravante, com certeza, não darão mais ouvidos às
afirmações de Pinochet, que de verdugo de seus compatriotas, tenta se passar
por vítima de um complô internacional, como nos casos, muito mal explicados,
das localizações de arsenais clandestinos no Norte do país, atribuídos pelo seu
governo a interferências estrangeiras no Estado chileno.
Ou como o atentado de que ele foi
vítima, em setembro de 1986, em que escapou “milagrosamente” ileso, enquanto
seus guarda-costas foram mortos ou feridos. A única coisa que chocou, e que a
imprensa européia destacou em manchetes nesta visita do Papa, foi que, enquanto
a polícia do regime, num desrespeito aos visitantes, agredia, prendia e até
matava manifestantes, o Pontífice tenha ido rezar, na capela do Palácio de La
Moneda (de triste lembrança para os chilenos), na companhia de Pinochet. No
mais, foi uma oportunidade rara para que o mundo soubesse, em sua forma mais
crua possível, o que o povo do Chile pensa do seu governante.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 4
de abril de 1987).
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