Monday, March 09, 2015

Plebiscito espontâneo


Pedro J. Bondaczuk


A presença do papa João Paulo II no Chile ressaltou um aspecto que os especialistas de todo o mundo já sabiam sobejamente, mas que raramente expressavam em seus respectivos órgãos de imprensa. O de repúdio praticamente generalizado da população desse país ao atual regime, que a ferro e fogo vem se sustentando no poder, com uma resistência incrível e uma fúria de causar terror até aos que estão mais distantes dali, há treze anos e meio.

Em todo esse tempo, ele só conseguiu reprimir frustrações no coração desse povo, a poder de instrumentos de exceção, até desconhecidos de outras ditaduras, e de uma feroz repressão, de causar revolta em todo o mundo.

Nestes três dias em que permaneceu no Chile, o Papa pôde assistir a manifestações de repúdio de toda a espécie ao atual governo. Através de faixas, de cartazes, de “slogans”, de cartas a ele encaminhadas por pessoas de diversas tendências ideológicas e das mais variadas categorias sociais e em conversas que ele manteve com a população.

Foram manifestações para não deixar dúvida alguma em quem porventura ainda a possuísse, acreditando no que o presidente Augusto Pinochet procura, a todo o custo, passar à opinião pública internacional, de que ele e seu regime não são mais do que vítimas da União Soviética e de seus “prepostos”. De que os chilenos o amam e apenas uma “minoria de terroristas” deseja ver o truculento general fora do poder.

Órgãos de imprensa sérios, nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, por incrível que possa parecer, já deram guarida a essa versão. E o atual mandatário chileno, de uma maneira ou de outra, tem conseguido o apoio de vários governantes para se manter, embora condenado em todos os foros onde se debate sobre violações de direitos humanos, por práticas inomináveis, como torturas, prisões arbitrárias, assassinatos de políticos, padres, jornalistas, professores e de todos os que não se conformam em viver de joelhos.

Não pode haver melhor plebiscito do que este, quando em três dias, 2,5 milhões de cidadãos, enfrentando todos os riscos que sua atitude possa envolver, foram às ruas para, sob o coro (talvez profético, quem sabe), de “vai cair, vai cair”, mostrar para o mundo as suas aflições. E nem tudo o que se está passando ali vem sendo divulgado. Não, pelo menos, com a presteza que se poderia esperar.

Os dois mil jornalistas, que cobrem a presente visita do Papa, devem estar enfrentando uma série de constrangimentos para cumprir a sua nobre missão de bem informar. Ontem, por exemplo, a Rádio Caracol de Bogotá foi forçada a suspender as suas transmissões do Chile. Como coisa que isso adiantasse.

Esses profissionais de imprensa, assim como o Papa, regressarão a seus países, segunda-feira, com uma visão mais clara da aflição e da luta do povo chileno. E principalmente do seu heroísmo e da sua força moral. Doravante, com certeza, não darão mais ouvidos às afirmações de Pinochet, que de verdugo de seus compatriotas, tenta se passar por vítima de um complô internacional, como nos casos, muito mal explicados, das localizações de arsenais clandestinos no Norte do país, atribuídos pelo seu governo a interferências estrangeiras no Estado chileno.

Ou como o atentado de que ele foi vítima, em setembro de 1986, em que escapou “milagrosamente” ileso, enquanto seus guarda-costas foram mortos ou feridos. A única coisa que chocou, e que a imprensa européia destacou em manchetes nesta visita do Papa, foi que, enquanto a polícia do regime, num desrespeito aos visitantes, agredia, prendia e até matava manifestantes, o Pontífice tenha ido rezar, na capela do Palácio de La Moneda (de triste lembrança para os chilenos), na companhia de Pinochet. No mais, foi uma oportunidade rara para que o mundo soubesse, em sua forma mais crua possível, o que o povo do Chile pensa do seu governante.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).


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