Informação
e sabedoria
Pedro J. Bondaczuk
A sociedade contemporânea – o
mundo globalizado deste início de terceiro milênio da Era Cristã – dadas as
facilidades e a instantaneidade das comunicações, gera, diariamente, um volume
de informações que não faz muito levava anos, quando não décadas para se
acumular. Uma quantidade monstruosamente alta de livros, revistas, jornais,
panfletos etc. é editada por ano e consumida avidamente por um número
relativamente pequeno de pessoas. A tecnologia evolui em todos os campos,
tornando a vida mais fácil e confortável para os que podem pagar por esses
benefícios. Nem todos evidentemente podem. Aliás, a imensa maioria não pode. A
impressão que se tem, a princípio, é a de que o homem contemporâneo é muito
mais sábio e lúcido do que seus ancestrais. Certo? Errado!
Poderia até ser, mas (ainda?) não
é. É muito comum a confusão entre conhecimento, ou seja, a mera informação, e
sabedoria, que é o aproveitamento prático e útil que se lhe dá. São duas
condições absolutamente distintas. Para ser sábio, sequer é preciso que se seja
hiper informado. É necessário, isso sim, que se “entenda” quem se é, onde se
está e qual a finalidade da sua vida. Ou seja, a pessoa deve ser “inteligente”,
na verdadeira acepção do termo. O escritor francês André Malraux, foi sumamente
feliz ao observar que “a sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo".
De que me vale, por exemplo, conhecer nomes de borboletas, de flores ou de
pássaros, a classificação de seus grupos e famílias, saber de seus hábitos e
distinguir sua morfologia, se eu for incapaz de identificá-los quando vir um
desses espécimes?
E mais, que valia me trará esse
conhecimento enciclopédico se, em contrapartida, eu não souber me relacionar
com as pessoas com as quais convivo, ou com que entro em contato (no trabalho,
na rua, na escola etc.?) E mais ainda, se for incapaz de chegar ao coração do
meu próprio filho, se não puder, por não saber como, lhe dar os conselhos de
que ele precisa e se desconhecer a forma de conquistar sua afeição e amizade? A
maioria não sabe nem mesmo como se fazer respeitar, a não ser por meios
violentos, que geram medo, mas nunca respeito. Com as informações que obtiver
serei considerado culto, sem dúvida. Mas estarei muito longe de ser sábio, se
depender somente delas. Com a simples aptidão humana da empatia, por seu turno,
poderei nem estar revelando cultura. Mas exercitarei a sabedoria.
O acúmulo de conhecimentos e
informações, ou seja, o mero saber, não implica, pois, necessariamente, em ser
sábio. Ajuda, mas sozinho não é suficiente. A sabedoria, insisto,
caracteriza-se, entre outras coisas, pelo uso que fizermos do acervo de dados
acumulado desde os primórdios da civilização (o patrimônio comum de toda a
humanidade) que nos for transmitido mediante a educação formal. É a
multiplicação desse conhecimento e sua utilização de forma a enriquecer a
espécie. Conheço pessoas que sequer sabem ler, mas que são fontes inesgotáveis
de bom-senso e sabedoria. Em contrapartida, sei de inúmeros doutores, com uma
infinidade de diplomas, que são arrogantes e obtusos e não enxergam um palmo à
frente do nariz no que diz respeito à ciência do bem-viver.
É comum confundir-se o sábio com
o apenas erudito, ou com o que se diz "inteligente". São conceitos diferentes, reitero, embora a
diferença seja sutil para que os despreparados, dados a generalizações (para as
quais foram treinados no lar, na escola e na sociedade), a percebam. Sabedoria
só se obtém com experiência, com o agir, errar, aprender com os erros, voltar a
agir, errar de novo, dar meia volta outra vez, mas sempre aprendendo, sempre
crescendo, sempre evoluindo. Ela é o clímax da racionalidade. É criativa,
dinâmica e, sobretudo, participativa. Inteligência, por sua vez, é a mera
capacidade de uma pessoa entender conceitos abstratos e as coisas que a rodeiam
(do latim "inteligere"). Se não aplicada, pouco ou de nada valerá
para o indivíduo e para a coletividade.
Já o erudito é o que acumula
conhecimentos. Quase sempre, porém, esse acúmulo é apenas teórico. Se não
souber o que fazer com o que acumulou, pouca ou nenhuma valia lhe terá esse
acervo. É preciso acreditar no que aprendeu. E, mais do que isso, é
indispensável dar sentido prático a esse conhecimento. A fé, ao contrário do
que afirmam os céticos empedernidos, gera sabedoria. É preciso acreditar em
alguma coisa antes de procurar conhecê-la. Se sequer acreditarmos nela não
buscaremos, jamais, chegar às suas raízes e fundamentos. Claro que essa crença
tem que ser racional, posto que tudo no universo tem lógica e se prende a
inflexíveis leis naturais, pois este é fruto da criação da fonte máxima de
ciência e da sabedoria, da qual somos obra, imagem e semelhança: Deus (ou
dêem-Lhe o nome que quiserem).
Só indivíduos com
racionalidade desenvolvida entendem que essa sabedoria universal, que criou e
rege com leis simples e imutáveis galáxias, estrelas, planetas e tudo o que há
(vivente ou não); que fez a matéria e a energia e que mantém tudo funcionando
com a precisão de um relógio, é construtiva, positiva, paternal e protetora. É
amor e não rancor. É razão e não instinto. Não requer de nós sacrifícios ou
pavores. O que não se pode é explorar as angústias e falta de luz de mentes
simplórias e atrasadas para manipulá-las com um conjunto de superstições, a
pretexto de se tratar de verdades, de ser o que alguns denominam
eufemisticamente de “religião”. A verdadeira “religação” com Deus envolve
racionalidade, e não “magia”, já que não se pode adorar o suprassumo da
racionalidade e sabedoria com práticas, com dogmas e com ritos ilógicos e
irracionais. Não faz sentido.
Todo o
conhecimento que adquirirmos só terá lógica e razão de ser se revertido em
benefício da preservação e evolução da espécie. A pessoa apenas se realiza e
justifica sua existência quando vive em função do próximo. É o único caminho
sensato que conduz à realização pessoal e à felicidade. Ademais, o sábio não
aceita, a priori, tudo o que lhe dizem e que lê, nem se deixa levar pelas
aparências, para formar determinada opinião. Busca, antes de tudo, informar-se
o máximo que pode, sobre certas idéias ou assuntos, analisando todos seus
ângulos e pormenores, testando-os para só depois de absolutamente convencido,
formar juízo, fundamentado em fatos. Afinal,
"nem tudo o que reluz é ouro", diz conhecido adágio popular. E
não é mesmo.
Julgamentos
afoitos e precipitados são o caminho mais curto para conduzir o indivíduo ao
erro, por melhor preparado que esteja e por maior que seja a sua erudição.
Temos, todos, em determinados momentos de nossas vidas, com intensidades variáveis,
“lampejos” de sabedoria. Contudo, por negligência, falta de autoconfiança e/ou
até mesmo distração, não raro perdemos a oportunidade de nos tornarmos
verdadeiramente sábios e de compartilharmos essa desejável condição com o
mundo. Muitas vezes achamos que o conhecimento das coisas e das pessoas vem
sempre completo, acabado, prontinho para ser usufruído. Engano! Compete-nos
identificá-lo, expandi-lo, aperfeiçoá-lo, burilá-lo, detalhá-lo, dar-lhe nossa
indispensável contribuição, com a marca da nossa personalidade. Esse
detalhamento é, sobretudo, o que nos compete fazer, mediante muito estudo,
meditação, observação e autodisciplina. O resultado desse esforço, todavia, é
mais do que compensador. Tem que ser a nossa meta!
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