A formiguinha e o
elefante
Pedro
J. Bondaczuk
A atual crise hídrica
que castiga a região Sudeste do Brasil, em especial o Estado de São Paulo,
enfatiza, de maneira tão convincente que palavra alguma conseguiria enfatizar
com idêntica força, a necessidade que temos de preservar o bem mais precioso de
que o homem dispõe (sem o qual, não é segredo para ninguém, a vida é
impossível): a água potável. Desde criança ouço falar nisso, mas ao longo de
todo esse tempo, que ascende a algumas décadas, nunca vi ninguém se preocupar
de fato – não com retórica, o que é fácil, contudo ineficaz, mas com ações –
com a preservação desse recurso escasso e que, ademais, depende, e muito, dos
imprevisíveis caprichos do clima. Bastou um ano de inusitada seca na região
para que o abastecimento à população se visse, se não ameaçado (e de fato
está), pelo menos comprometido.
A preocupação
generalizada é a de procurar culpados pelo que vem acontecendo, em vez de se
buscarem soluções imediatas para o problema, além de providências de longo
prazo, para prevenir futuras situações semelhantes, ou mais catastróficas, que
certamente virão. Se formos raciocinar em termos de culpa, esta tem que ser
repartida por alguns milhões de pessoas. Políticos das várias esferas do poder,
técnicos aos quais cabe a tarefa de planejar e assegurar o abastecimento de
água à população, os meios de comunicação que foram lerdos em detectar o que
está acontecendo, estão, certamente (ou prioritariamente) entre os
responsáveis, que esbanjaram irresponsabilidade, para que as coisas chegassem
ao pé que estão. Mas só eles são culpados? Ora, ora, ora. Claro que não! A
culpa tem que ser, necessariamente, compartilhada com cada um de nós e não
adianta nos fazermos de vítimas. Somos cúmplices.
E por que chego a essa
constatação? Simples e óbvio. O que fizemos ou estamos fazendo para a
preservação da água? Utilizamo-la racionalmente, pensando na possibilidade dela
faltar? Preocupamo-nos em não poluir rios, córregos e lagos, preciosíssimas
fontes potenciais de abastecimento? Preservamos os mananciais, evitando
estúpidos e irracionais desmatamentos, semeando desertos? Não lhes causa
estranheza, por exemplo, no caso de São Paulo, se falar em escassez hídrica com
dois caudalosos rios, o Tietê e o Pinheiros, cortando a cidade? Ah, não dá para
utilizar suas águas, pois ambos, hoje, são meros esgotos a céu aberto? Mas quem
os poluiu? Quem os envenenou? Foram perversos extraterrestres, ávidos por matar
os habitantes da segunda ou terceira maior megalópole do Planeta de sede? Óbvio
que não.
Atribui-se a atual
crise hídrica a uma inusitada estiagem que certas fontes de informação garantem
que é a maior dos últimos 84 anos. Quem afirma isso, ostentando segurança que
sequer tem, está certo disso? Nunca houve em São Paulo outro período de seca
igual ou até pior que este? Claro que houve, e vários, muitos dos quais ainda
recentes. A memória das pessoas é que é frágil. Pesquisadores sérios, dos
serviços meteorológicos, têm dados não apenas de um, cinco ou dez, mas de
muitos outros casos como o atual. E isso desde quando esse tipo de controle
passou a ser feito. A “culpa” não é, pois, da natureza, cujos ciclos são
inexoráveis e inflexíveis. É de todos nós, humanos, que não sabemos cuidar,
sequer, do que nos é indispensável para a sobrevivência.
Escrevo estas reflexões
não para criticar ou condenar quem quer que seja. Como escritor que me
considero, sou testemunha do tempo que estou vivendo. Registro, pois, essa
importante ocorrência na esperança (espero que não seja vã) de que este texto
caia em mãos de algum leitor do futuro (caso ambos existam, ou seja, leitores e
futuro, claro) para que saiba que tudo isso aconteceu e como nos saímos para
escapar dessa enrascada. É como aqueles bilhetes que alguém escreve, coloca em
uma garrafa lacrada e a lança ao mar, que nunca sabe quando, como e onde
chegará e em que mãos irá parar. Só que o oceano, neste caso, é metafórico. É o
do tempo.
Neste início da segunda
década do século XXI ocorre algo que poderia ser comparado a alguém que esteja
preocupado com uma formiguinha, mas que não atente para a presença de um
elefante perto de si. Por isso, acaba abalroado pelo gigantesco animal. O mundo
está aflito com o futuro esgotamento do petróleo (e tomara que se esgote
logo!), cujas reservas são estimadas num volume suficiente para garantir o
consumo (desde que este se mantenha) de cerca de 50 anos ou no máximo um
século. Todavia, os homens estão expostos a risco real e iminente de ficarem
sem algo estritamente indispensável à vida, que não pode ser substituído por
nada, e não dão a mínima para isso. Olham com terror para a minúscula e frágil
formiguinha e ignoram o elefantão.
Essa estúpida
inconsciência deve-se não à falta de alertas a propósito (não propriamente da
imprensa), mas à teimosia em não lhes dar crédito e nem mesmo ouvidos. A
Organização das Nações Unidas para as Agricultura e Alimentação (FAO), por
exemplo, lançou, em fevereiro de 1994 (há exatos vinte anos!) dramático apelo
ao mundo para que a água potável fosse tratada como deveria ser: como o recurso
mais precioso que existe, por ser escasso. O que aconteceu? Nada!!!! A imensa
maioria das pessoas sequer tomou ciência desse dramático pedido. O alerta da
FAO não gerou manchetes, não motivou editoriais, não provocou acalorados
debates a propósito e muito menos induziu multidões a se manifestarem nas ruas.
Naquela época, há duas décadas, 232 milhões de pessoas, de 26 países,
enfrentavam o drama da escassez de água potável. Hoje, essas cifras quase que
dobraram. E o que aconteceu? Nada! O que vem acontecendo? Nada elevado à décima
potência! O homem segue incomodado pela formiguinha, que tanto teme e, com toda
a certeza... será esmagado pelo elefante.
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