Saturday, March 14, 2015

A formiguinha e o elefante

Pedro J. Bondaczuk

A atual crise hídrica que castiga a região Sudeste do Brasil, em especial o Estado de São Paulo, enfatiza, de maneira tão convincente que palavra alguma conseguiria enfatizar com idêntica força, a necessidade que temos de preservar o bem mais precioso de que o homem dispõe (sem o qual, não é segredo para ninguém, a vida é impossível): a água potável. Desde criança ouço falar nisso, mas ao longo de todo esse tempo, que ascende a algumas décadas, nunca vi ninguém se preocupar de fato – não com retórica, o que é fácil, contudo ineficaz, mas com ações – com a preservação desse recurso escasso e que, ademais, depende, e muito, dos imprevisíveis caprichos do clima. Bastou um ano de inusitada seca na região para que o abastecimento à população se visse, se não ameaçado (e de fato está), pelo menos comprometido.

A preocupação generalizada é a de procurar culpados pelo que vem acontecendo, em vez de se buscarem soluções imediatas para o problema, além de providências de longo prazo, para prevenir futuras situações semelhantes, ou mais catastróficas, que certamente virão. Se formos raciocinar em termos de culpa, esta tem que ser repartida por alguns milhões de pessoas. Políticos das várias esferas do poder, técnicos aos quais cabe a tarefa de planejar e assegurar o abastecimento de água à população, os meios de comunicação que foram lerdos em detectar o que está acontecendo, estão, certamente (ou prioritariamente) entre os responsáveis, que esbanjaram irresponsabilidade, para que as coisas chegassem ao pé que estão. Mas só eles são culpados? Ora, ora, ora. Claro que não! A culpa tem que ser, necessariamente, compartilhada com cada um de nós e não adianta nos fazermos de vítimas. Somos cúmplices.

E por que chego a essa constatação? Simples e óbvio. O que fizemos ou estamos fazendo para a preservação da água? Utilizamo-la racionalmente, pensando na possibilidade dela faltar? Preocupamo-nos em não poluir rios, córregos e lagos, preciosíssimas fontes potenciais de abastecimento? Preservamos os mananciais, evitando estúpidos e irracionais desmatamentos, semeando desertos? Não lhes causa estranheza, por exemplo, no caso de São Paulo, se falar em escassez hídrica com dois caudalosos rios, o Tietê e o Pinheiros, cortando a cidade? Ah, não dá para utilizar suas águas, pois ambos, hoje, são meros esgotos a céu aberto? Mas quem os poluiu? Quem os envenenou? Foram perversos extraterrestres, ávidos por matar os habitantes da segunda ou terceira maior megalópole do Planeta de sede? Óbvio que não.

Atribui-se a atual crise hídrica a uma inusitada estiagem que certas fontes de informação garantem que é a maior dos últimos 84 anos. Quem afirma isso, ostentando segurança que sequer tem, está certo disso? Nunca houve em São Paulo outro período de seca igual ou até pior que este? Claro que houve, e vários, muitos dos quais ainda recentes. A memória das pessoas é que é frágil. Pesquisadores sérios, dos serviços meteorológicos, têm dados não apenas de um, cinco ou dez, mas de muitos outros casos como o atual. E isso desde quando esse tipo de controle passou a ser feito. A “culpa” não é, pois, da natureza, cujos ciclos são inexoráveis e inflexíveis. É de todos nós, humanos, que não sabemos cuidar, sequer, do que nos é indispensável para a sobrevivência.

Escrevo estas reflexões não para criticar ou condenar quem quer que seja. Como escritor que me considero, sou testemunha do tempo que estou vivendo. Registro, pois, essa importante ocorrência na esperança (espero que não seja vã) de que este texto caia em mãos de algum leitor do futuro (caso ambos existam, ou seja, leitores e futuro, claro) para que saiba que tudo isso aconteceu e como nos saímos para escapar dessa enrascada. É como aqueles bilhetes que alguém escreve, coloca em uma garrafa lacrada e a lança ao mar, que nunca sabe quando, como e onde chegará e em que mãos irá parar. Só que o oceano, neste caso, é metafórico. É o do tempo.

Neste início da segunda década do século XXI ocorre algo que poderia ser comparado a alguém que esteja preocupado com uma formiguinha, mas que não atente para a presença de um elefante perto de si. Por isso, acaba abalroado pelo gigantesco animal. O mundo está aflito com o futuro esgotamento do petróleo (e tomara que se esgote logo!), cujas reservas são estimadas num volume suficiente para garantir o consumo (desde que este se mantenha) de cerca de 50 anos ou no máximo um século. Todavia, os homens estão expostos a risco real e iminente de ficarem sem algo estritamente indispensável à vida, que não pode ser substituído por nada, e não dão a mínima para isso. Olham com terror para a minúscula e frágil formiguinha e ignoram o elefantão.

Essa estúpida inconsciência deve-se não à falta de alertas a propósito (não propriamente da imprensa), mas à teimosia em não lhes dar crédito e nem mesmo ouvidos. A Organização das Nações Unidas para as Agricultura e Alimentação (FAO), por exemplo, lançou, em fevereiro de 1994 (há exatos vinte anos!) dramático apelo ao mundo para que a água potável fosse tratada como deveria ser: como o recurso mais precioso que existe, por ser escasso. O que aconteceu? Nada!!!! A imensa maioria das pessoas sequer tomou ciência desse dramático pedido. O alerta da FAO não gerou manchetes, não motivou editoriais, não provocou acalorados debates a propósito e muito menos induziu multidões a se manifestarem nas ruas. Naquela época, há duas décadas, 232 milhões de pessoas, de 26 países, enfrentavam o drama da escassez de água potável. Hoje, essas cifras quase que dobraram. E o que aconteceu? Nada! O que vem acontecendo? Nada elevado à décima potência! O homem segue incomodado pela formiguinha, que tanto teme e, com toda a certeza... será esmagado pelo elefante.


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