Wednesday, March 25, 2015

Criação de feras


Pedro J. Bondaczuk


O terrorismo é uma rara arma de ação política dos desesperados e, de acordo com um estudo divulgado nesta semana, feito por psicólogos e sociólogos, apresenta duas grandes vertentes. A primeira é a dos anarquistas, que se opõem a qualquer tipo de sociedade organizada e desejam destruir as estruturas sociais existentes.

Esse grupo teve grande atuação no passado, notadamente da parte dos niilistas espanhóis e seus congêneres russos, do período czarista. O assassinato do czar Alexandre II, em 1º de março de 1881, cometido por Ignaty Grinevitsky que, portando uma bomba, cometeu um atentado-suicida, segurando o artefato explosivo nas mãos, para que não explodisse em lugar errado, é um desses inúmeros exemplos.

Outro é o da morte do presidente norte-americano William McKinley, atingido, a bala, pelo terrorista Leon Czolgosz, em 6 de setembro de 1901 e que veio a falecer, em conseqüência dos ferimentos recebidos, oito dias depois.

Como se vê, o terrorismo está longe de ser um fenômeno recente. Podem ser classificadas na categoria dos anarquistas as mortes de Mahatma Gandhi, na Índia, e do arquiduque da Áustria, Francisco Ferdinando, na Bósnia. Seus respectivos matadores, Nathuram Godse e Gavrilo Princip eram notórios niilistas.

A segunda categoria dos terroristas é a dos que lutam por uma pátria. São os casos de grupos como a OLP, o IRA, o ETA e outros menos conhecidos. Estes, geralmente, atacam, apenas, objetivos dos países que desejam atingir diretamente, embora, não raro, atinjam, também, pessoas inocentes, que nada têm a ver com política.

A ser verdadeira (e não há motivos para duvidar da veracidade) a reportagem publicada, ontem, pelo jornal norte-americano “Los Angeles Times”, foi com esse tipo de terroristas que os governos da França e da Itália teriam estabelecido um “pacto de não-agressão” na década de 70.

Negociar acordos dessa espécie, entretanto, é o mesmo que confiar numa serpente venenosa, que tenhamos criado em casa, com o máximo de desvelo e de carinho. Nem por isso podemos (ou devemos) esperar qualquer espécie de lealdade do ofídio. Mesmo que inicialmente não nos ataque, não podemos, jamais, confiar que nunca nos atacará. Um dia, até por questão de instinto natural, acabaremos picados e envenenados pela cobra de estimação. O ataque faz parte da sua natureza.

É mais ou menos isso que vem ocorrendo com franceses e italianos em relação a líbios e palestinos. Se o pacto (que teria sido selado na década de 70) realmente existiu, foi para o espaço, com o seqüestro do transatlântico italiano Achile Lauro, em outubro do ano passado. Teve o atestado de óbito assinado com o julgamento, condenação e prisão dos autores dessa ação terrorista. E foi solenemente sepultado, principalmente, com o ataque ao Aeroporto Leonardo da Vinci, em 27 de dezembro de 1985, feito, simultaneamente, a um outro, em Schwehart, na Áustria. Isso, em relação à Itália.

Quanto à França, muitas das várias explosões registradas nos últimos dias, em Paris, foram atribuídas aos palestinos. E esses ataques mostram que o instinto do terrorista sobrepuja algum eventual sentimento de honra no cumprimento da palavra empenhada. É a cobra de estimação atacando o criador.

É claro que denúncias dessa espécie são virtualmente impossíveis de se comprovar, principalmente passados tantos anos da suposta ocorrência. Mas se os acordos realmente existiram, constituíram-se na mais grosseira e estúpida irresponsabilidade de quem os firmou.

A impunidade e a vista grossa aos atos criminosos alimentaram de sangue as feras. Permitiram que os monstros ficassem ainda mais perigosos e letais e desenvolvessem diversas cabeças, como a mitológica Hidra de Lerna. E determinaram, por conseqüência, que as monstruosas criaturas se voltassem, finalmente, contra os protetores.
 
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 5 de abril de 1986)


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