Tema
para um dia sem lucidez
Pedro J. Bondaczuk
A
escolha de bom tema para desenvolver constitui-se em enorme chateação para quem
tem a obrigação – por contrato ou por mero compromisso verbal assumido com
algum jornal, revista, blog ou mesmo site da internet – de produzir um texto
(pior quando tem que redigir vários) e isso não se deve necessariamente á falta
de assunto. Bem, ás vezes, deve-se, embora eles abundem. Há dias em que
acordamos com a cabeça vazia (é o meu caso, hoje), sem vontade alguma de
escrever. Mas... temos compromisso a cumprir. Precisamos forçar a barra. Temos
que produzir e não pode ser qualquer coisa. Não podemos descuidar da qualidade
da nossa produção, por motivo óbvio. O leitor não quer nem saber do nosso
drama. É coisa que não lhe compete.
Curiosamente
(pelo menos é meu caso), é justamente nesses dias, quando o que queremos é
ouvir música, passear preguiçosamente pelo jardim de casa, ou da praça pública,
que acabamos escrevendo os melhores textos. Não raro eles saem a “fórceps”, num
parto sumamente doloroso. Mas saem. Nada como a necessidade para mexer conosco.
Hoje, como ia dizendo, acordei assim. Para complicar, um escritor, meu amigo
(desses que classifico de “pau para toda obra”), ligou-me logo cedo, pedindo
sugestão de tema. Meu ímpeto inicial foi o de brindá-lo com sonoro palavrão, se
não com uma enxurrada deles. Como sugerir-lhe assunto se nem encontrei o meu,
para abordar, e se o tempo continua passando, implacável e se não posso atrasar
o texto que ainda tenho que escrever?! Bem, controlei-me, disse que lhe ligaria
mais tarde, na esperança de que ele esquecesse o que me pediu.
Um
assunto para abordar? Megalópoles... Está aí, amigo escritor, bom tema, mais
atual do que nunca, para você explorar. Você nem precisará pensar muito. Basta
relatar seu dia a dia, com sinceridade e com verdade, tratar de seu drama
cotidiano nessa babel paulistana (ele mora em São Paulo, cuja região
metropolitana é a terceira mais populosa do mundo). Garanto que milhões de
pessoas têm experiências idênticas às suas e, por isso, se interessarão pelo que
você escrever. É assim que as coisas funcionam. E veja como estou sendo
bonzinho. Você pode explorar o tema quer ficcionalmente, quer em textos de
não-ficção. Escreva um ensaio, desses caudalosos e bem detalhados, por exemplo.
Ah, não tem tempo para isso? Que tal redigir uma crônica, dessas mais leves do
que uma pluma, sobre essa absurda e insensata concentração urbana, que teve
início no século XIX e que parece não ter prazo para parar?
Estou
sendo mais generoso com você do que sou comigo. Afinal, ainda não tenho a mais
remota ideia sobre o que escrever, o tempo continua passando e não estou com a
mínima vontade de redigir coisa alguma. Aliás, de uns dias para cá, estou
enfrentando uma situação que é um terror para qualquer escritor: uma
severíssima crise de criatividade. Tudo o que escrevo me parece chocho, óbvio,
tolo e totalmente sem graça. Sei que isso vai passar (sempre passa), mas
pergunto: quando?! Não pode demorar muito, pois tenho “n” compromissos a
cumprir.
Vou
facilitar-lhe um pouco mais as coisas.
Deixo-lhe, como subsídio, para reflexão, este trecho de uma das minhas
crônicas a propósito (e você a conhece, pois leu-a antes que a divulgasse e a
aprovou), na qual escrevi: “O arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha, em seu
livro ‘Memórias’, faz uma observação, que nós, moradores das grandes cidades,
deveríamos levar muito a sério: ‘A cidade é uma idéia, ela não existe. É uma
invenção do homem. Se não gostamos dela, temos de fazer uma outra. A esperança
é essa. Saber que sabemos fazer desta uma outra’. Compete-nos, portanto, fazer
uma ‘outra’ cidade, que de fato nos pertença, e não aos violentos, aos
bandidos, aos marginais, aos ladrões e aos seqüestradores. Desta, que está aí,
perigosa e violenta, certamente não gostamos! Como seria bom podermos voltar a
caminhar tranqüilos pelas ruas da nossa cidade, a qualquer hora do dia ou da
noite, como em passado ainda relativamente recente, sem riscos de assaltos ou
de atropelamentos! Ou pelo menos sem aborrecimentos. Como seria bom poder
apreciar o céu, as nuvens, as árvores, os monumentos, os tipos humanos...
Enfim...” Como seria bom, não é mesmo?”
Eu
ainda consigo perambular pelas ruas de Campinas, mas, confesso, não me sinto
nada, nada seguro, mesmo em pleno dia. A violência já chegou por aqui e não
poupa ninguém. Passear à noite? Nem pensar! Tenho amor à vida! E olhe que minha
cidade é vinte vezes menor e menos populosa do que a sua caótica e alucinante
Paulicéia. Viu quanta coisa você pode escrever sobre megalópoles? E nem precisa
ser sobre São Paulo. Você pode tratar do Rio de Janeiro, por exemplo. Ou deixar
o Brasil de lado e focalizar Londres, Tóquio, Xangai, Nova York etc.etc.etc.
Opções é que não lhe faltam. Que tal escrever sobre a Cidade do México, a maior
das megalópoles do Planeta?!! É ótima pedida.
Não
retornarei sua ligação, como prometi, pois tenho muito que escrever e estou sem
vontade e sem assunto. Como sei que você vai ler este texto, por ser
freqüentador assíduo deste espaço, optei por me valer dele para dar-lhe a
sugestão que me pediu. Com isso, matei dois coelhos com uma única cajadada.
Atendi sua solicitação, como sempre faço, e, de quebra... livrei-me de uma
obrigação diária que me preocupava. Se isso vai interessar os leitores? Ah,
vai! Octávio Paz escreveu em certa
ocasião: "Talvez a literatura tenha apenas dois temas: um o homem com os
homens, seus semelhantes e seus adversários, outro, o homem só frente ao
universo e frente a si mesmo”. E não é o que fiz? Não tratei do homem (no caso
eu) frente a si mesmo?!! Pois então, fiz Literatura (agora, se boa ou má, são
outros quinhentos).
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