Thursday, March 26, 2015

Tema para um dia sem lucidez

Pedro J. Bondaczuk


A escolha de bom tema para desenvolver constitui-se em enorme chateação para quem tem a obrigação – por contrato ou por mero compromisso verbal assumido com algum jornal, revista, blog ou mesmo site da internet – de produzir um texto (pior quando tem que redigir vários) e isso não se deve necessariamente á falta de assunto. Bem, ás vezes, deve-se, embora eles abundem. Há dias em que acordamos com a cabeça vazia (é o meu caso, hoje), sem vontade alguma de escrever. Mas... temos compromisso a cumprir. Precisamos forçar a barra. Temos que produzir e não pode ser qualquer coisa. Não podemos descuidar da qualidade da nossa produção, por motivo óbvio. O leitor não quer nem saber do nosso drama. É coisa que não lhe compete.

Curiosamente (pelo menos é meu caso), é justamente nesses dias, quando o que queremos é ouvir música, passear preguiçosamente pelo jardim de casa, ou da praça pública, que acabamos escrevendo os melhores textos. Não raro eles saem a “fórceps”, num parto sumamente doloroso. Mas saem. Nada como a necessidade para mexer conosco. Hoje, como ia dizendo, acordei assim. Para complicar, um escritor, meu amigo (desses que classifico de “pau para toda obra”), ligou-me logo cedo, pedindo sugestão de tema. Meu ímpeto inicial foi o de brindá-lo com sonoro palavrão, se não com uma enxurrada deles. Como sugerir-lhe assunto se nem encontrei o meu, para abordar, e se o tempo continua passando, implacável e se não posso atrasar o texto que ainda tenho que escrever?! Bem, controlei-me, disse que lhe ligaria mais tarde, na esperança de que ele esquecesse o que me pediu.

Um assunto para abordar? Megalópoles... Está aí, amigo escritor, bom tema, mais atual do que nunca, para você explorar. Você nem precisará pensar muito. Basta relatar seu dia a dia, com sinceridade e com verdade, tratar de seu drama cotidiano nessa babel paulistana (ele mora em São Paulo, cuja região metropolitana é a terceira mais populosa do mundo). Garanto que milhões de pessoas têm experiências idênticas às suas e, por isso, se interessarão pelo que você escrever. É assim que as coisas funcionam. E veja como estou sendo bonzinho. Você pode explorar o tema quer ficcionalmente, quer em textos de não-ficção. Escreva um ensaio, desses caudalosos e bem detalhados, por exemplo. Ah, não tem tempo para isso? Que tal redigir uma crônica, dessas mais leves do que uma pluma, sobre essa absurda e insensata concentração urbana, que teve início no século XIX e que parece não ter prazo para parar?

Estou sendo mais generoso com você do que sou comigo. Afinal, ainda não tenho a mais remota ideia sobre o que escrever, o tempo continua passando e não estou com a mínima vontade de redigir coisa alguma. Aliás, de uns dias para cá, estou enfrentando uma situação que é um terror para qualquer escritor: uma severíssima crise de criatividade. Tudo o que escrevo me parece chocho, óbvio, tolo e totalmente sem graça. Sei que isso vai passar (sempre passa), mas pergunto: quando?! Não pode demorar muito, pois tenho “n” compromissos a cumprir.

Vou facilitar-lhe um pouco mais as coisas.  Deixo-lhe, como subsídio, para reflexão, este trecho de uma das minhas crônicas a propósito (e você a conhece, pois leu-a antes que a divulgasse e a aprovou), na qual escrevi: “O arquiteto Paulo Archias Mendes da Rocha, em seu livro ‘Memórias’, faz uma observação, que nós, moradores das grandes cidades, deveríamos levar muito a sério: ‘A cidade é uma idéia, ela não existe. É uma invenção do homem. Se não gostamos dela, temos de fazer uma outra. A esperança é essa. Saber que sabemos fazer desta uma outra’. Compete-nos, portanto, fazer uma ‘outra’ cidade, que de fato nos pertença, e não aos violentos, aos bandidos, aos marginais, aos ladrões e aos seqüestradores. Desta, que está aí, perigosa e violenta, certamente não gostamos! Como seria bom podermos voltar a caminhar tranqüilos pelas ruas da nossa cidade, a qualquer hora do dia ou da noite, como em passado ainda relativamente recente, sem riscos de assaltos ou de atropelamentos! Ou pelo menos sem aborrecimentos. Como seria bom poder apreciar o céu, as nuvens, as árvores, os monumentos, os tipos humanos... Enfim...” Como seria bom, não é mesmo?”

Eu ainda consigo perambular pelas ruas de Campinas, mas, confesso, não me sinto nada, nada seguro, mesmo em pleno dia. A violência já chegou por aqui e não poupa ninguém. Passear à noite? Nem pensar! Tenho amor à vida! E olhe que minha cidade é vinte vezes menor e menos populosa do que a sua caótica e alucinante Paulicéia. Viu quanta coisa você pode escrever sobre megalópoles? E nem precisa ser sobre São Paulo. Você pode tratar do Rio de Janeiro, por exemplo. Ou deixar o Brasil de lado e focalizar Londres, Tóquio, Xangai, Nova York etc.etc.etc. Opções é que não lhe faltam. Que tal escrever sobre a Cidade do México, a maior das megalópoles do Planeta?!! É ótima pedida. 

Não retornarei sua ligação, como prometi, pois tenho muito que escrever e estou sem vontade e sem assunto. Como sei que você vai ler este texto, por ser freqüentador assíduo deste espaço, optei por me valer dele para dar-lhe a sugestão que me pediu. Com isso, matei dois coelhos com uma única cajadada. Atendi sua solicitação, como sempre faço, e, de quebra... livrei-me de uma obrigação diária que me preocupava. Se isso vai interessar os leitores? Ah, vai!  Octávio Paz escreveu em certa ocasião: "Talvez a literatura tenha apenas dois temas: um o homem com os homens, seus semelhantes e seus adversários, outro, o homem só frente ao universo e frente a si mesmo”. E não é o que fiz? Não tratei do homem (no caso eu) frente a si mesmo?!! Pois então, fiz Literatura (agora, se boa ou má, são outros quinhentos).


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