Sunday, March 15, 2015

Dramático alerta olimpicamente ignorado

Pedro J. Bondaczuk

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), lançou dramático alerta, em fevereiro de 1994 (há mais de vinte anos, portanto), sobre a crescente escassez de água potável mundo afora, olimpicamente ignorado pela comunidade internacional. Na oportunidade, apelou a governos e pessoas por prudência na utilização desse indispensável recurso, no sentido da racionalização do seu consumo, para que se evitassem, não somente o desperdício (que é enorme), mas sua inutilização, representada pela poluição de rios, lagos e mananciais hídricos. Naquela ocasião, eu era editor de noticiário Internacional do jornal Correio Popular de Campinas. Dei a notícia com o devido destaque e fui mais longe. Publiquei extenso comentário a respeito e, posteriormente, redigi matéria especial, de página inteira, publicada em 6 de março de 1994.

Na época, reitero, esse alerta não repercutiu na imprensa. A maioria dos jornais (pelo menos dos jornalões brasileiros) sequer publicou a matéria. Em âmbito interno, cheguei a ser sutilmente advertido pelos meus superiores hierárquicos a pretexto de estar fazendo “sensacionalismo” por algo que, no entender deles, não merecia importância. Disseram-me que o assunto merecia, quando muito, nota de pé de página, assim mesmo com muito favor. Quem estava errado? Eu, que me sensibilizei com a advertência da FAO, ou os que acharam que eu dera importância excessiva ao assunto? Será que hoje, com a gritante escassez de água potável na região Sudeste do Brasil e, principalmente no Estado de São Paulo, fariam a mesma avaliação? Duvido!

É isso, amigo. As reservas mundiais de água potável são escassas e já insuficientes para atenderem os hoje mais de sete bilhões de habitantes do Planeta. E a cada ano (talvez mês ou mesmo dia) diminuem, sem que a imensa maioria sequer se dê conta. Santa alienação! Este é um tema que não temo em ser repetitivo. Trouxe-o à baila diversas vezes neste ano e o farei, com certeza, muitas outras vezes. A ONU previa, há vinte anos, que no futuro essa escassez seria fonte de conflitos regionais e, possivelmente mundial, inclusive de guerras generalizadas, com todas as conseqüências desastrosas e imprevisíveis que elas causam. E não é preciso ser nenhum gênio, nenhum vidente, nenhum profeta para fazer esse tipo de previsão. Afinal, o que é mais importante do que a água para a sobrevivência, não somente humana, mas de todos os seres vivos? Petróleo? Carvão? Metais preciosos? Ora, ora, ora.

A FAO documentou as reservas hídricas mundiais há vinte anos no livro “O estado mundial da agricultura”, reservando à questão todo um extenso capítulo, com 70 páginas. Os compêndios de geografia nos ensinam que o Planeta que nos acolhe é constituído por quatro quintos de água e apenas um quinto de terra. Diante dessa constatação, muito leitor deve estar se perguntando, abismado: “Como falar em escassez?!!!” Ocorre que 98% desse total é inaproveitável para beber, ou para a irrigação na agricultura, ou para a indústria etc.etc.etc. Trata-se de água salgada. A dessalinização é possível, mas o processo é sumamente dispendioso e complicado. É acessível, apenas, a países muito ricos ou que disponham de farta fonte de renda, como é o caso da Arábia Saudita com suas imensas reservas de petróleo. E, mesmo assim... o custo do processo é proibitivo.

Dos 2% de reservas de água potável, a maior parte situa-se nas calotas polares e nas geleiras dos arredores. E mesmo essa começa a ser perdida, com o acelerado degelo causado pelo aquecimento global, com o líquido aproveitável misturando-se ao dos oceanos. Somente 0,14% da água doce, própria para o consumo humano, para a irrigação e para a indústria, provêm de rios, lagos e mananciais. A poluição, todavia, está aniquilando essas valiosíssimas reservas hídricas, que deveriam, óbvio, ser preservadas ciosamente, como o que a humanidade tem de mais precioso (o que logicamente é), até pela facilidade de sua captação e utilização. Responda, esclarecido leitor: é o que vem acontecendo?

A FAO lembra que a agricultura é o setor que mais consome água (e potável, destaque-se) no mundo. Mais de dois terços do líquido extraído de rios, lagos, poços artesianos e mananciais são utilizados de forma descontrolada. Quase metade da humanidade, cerca de três bilhões de pessoas, depende do cultivo de irrigação, para seu trabalho, alimentação e renda. Portanto, a água não é essencial, apenas, ao organismo humano, dos animais e das plantas (o que é fundamental), mas importante fator econômico. Sem ela, as indústrias não podem funcionar. Parte considerável delas seria forçada a fechar as portas, gerando absurdo desemprego. E as conseqüências dessas demissões em massa sequer é preciso lembrar, por serem óbvias. Teriam custo social, e humano, absurdo. Ameaçariam, inclusive, a própria civilização, tal como a concebemos.

Mas a imprensa (e refiro-me, aqui, exclusivamente à nossa) prioriza o que em seu noticiário? Os riscos de ficarmos, todos, privados de água potável no médio prazo (ou quem sabe até mesmo no curtíssimo)? Está claríssimo que não! Raramente dedica algum espaço ao assunto, a despeito da crise hídrica enfrentada pelo Estado de São Paulo. O tema prioritário nos noticiários são os casos (concretos ou apenas insinuados, não ponho a mão no fogo) de corrupção política. É o desvirtuamento de sua missão informativa, assumindo papel, que nunca deveria lhe caber, por não ser o seu, de uma espécie de partido de oposição. É a violência que se acelera à medida que a população cresce e que se aprofunda o abismo que separa os muito ricos dos paupérrimos. Todos esses assuntos têm lá (ou podem ter, não sei) sua importância. Mas... são minimamente, infimamente, miseravelmente mais importantes do que a garantia de existência e de fornecimento de água potável à população?!!! É preciso responder a isso?


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