Dramático alerta
olimpicamente ignorado
Pedro
J. Bondaczuk
A Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), lançou dramático
alerta, em fevereiro de 1994 (há mais de vinte anos, portanto), sobre a
crescente escassez de água potável mundo afora, olimpicamente ignorado pela
comunidade internacional. Na oportunidade, apelou a governos e pessoas por
prudência na utilização desse indispensável recurso, no sentido da
racionalização do seu consumo, para que se evitassem, não somente o desperdício
(que é enorme), mas sua inutilização, representada pela poluição de rios, lagos
e mananciais hídricos. Naquela ocasião, eu era editor de noticiário
Internacional do jornal Correio Popular de Campinas. Dei a notícia com o devido
destaque e fui mais longe. Publiquei extenso comentário a respeito e,
posteriormente, redigi matéria especial, de página inteira, publicada em 6 de
março de 1994.
Na época, reitero, esse
alerta não repercutiu na imprensa. A maioria dos jornais (pelo menos dos
jornalões brasileiros) sequer publicou a matéria. Em âmbito interno, cheguei a
ser sutilmente advertido pelos meus superiores hierárquicos a pretexto de estar
fazendo “sensacionalismo” por algo que, no entender deles, não merecia
importância. Disseram-me que o assunto merecia, quando muito, nota de pé de
página, assim mesmo com muito favor. Quem estava errado? Eu, que me
sensibilizei com a advertência da FAO, ou os que acharam que eu dera
importância excessiva ao assunto? Será que hoje, com a gritante escassez de
água potável na região Sudeste do Brasil e, principalmente no Estado de São
Paulo, fariam a mesma avaliação? Duvido!
É isso, amigo. As
reservas mundiais de água potável são escassas e já insuficientes para
atenderem os hoje mais de sete bilhões de habitantes do Planeta. E a cada ano
(talvez mês ou mesmo dia) diminuem, sem que a imensa maioria sequer se dê
conta. Santa alienação! Este é um tema que não temo em ser repetitivo. Trouxe-o
à baila diversas vezes neste ano e o farei, com certeza, muitas outras vezes. A
ONU previa, há vinte anos, que no futuro essa escassez seria fonte de conflitos
regionais e, possivelmente mundial, inclusive de guerras generalizadas, com
todas as conseqüências desastrosas e imprevisíveis que elas causam. E não é
preciso ser nenhum gênio, nenhum vidente, nenhum profeta para fazer esse tipo
de previsão. Afinal, o que é mais importante do que a água para a
sobrevivência, não somente humana, mas de todos os seres vivos? Petróleo?
Carvão? Metais preciosos? Ora, ora, ora.
A FAO documentou as
reservas hídricas mundiais há vinte anos no livro “O estado mundial da
agricultura”, reservando à questão todo um extenso capítulo, com 70 páginas. Os
compêndios de geografia nos ensinam que o Planeta que nos acolhe é constituído
por quatro quintos de água e apenas um quinto de terra. Diante dessa
constatação, muito leitor deve estar se perguntando, abismado: “Como falar em
escassez?!!!” Ocorre que 98% desse total é inaproveitável para beber, ou para a
irrigação na agricultura, ou para a indústria etc.etc.etc. Trata-se de água
salgada. A dessalinização é possível, mas o processo é sumamente dispendioso e
complicado. É acessível, apenas, a países muito ricos ou que disponham de farta
fonte de renda, como é o caso da Arábia Saudita com suas imensas reservas de
petróleo. E, mesmo assim... o custo do processo é proibitivo.
Dos 2% de reservas de
água potável, a maior parte situa-se nas calotas polares e nas geleiras dos
arredores. E mesmo essa começa a ser perdida, com o acelerado degelo causado
pelo aquecimento global, com o líquido aproveitável misturando-se ao dos
oceanos. Somente 0,14% da água doce, própria para o consumo humano, para a
irrigação e para a indústria, provêm de rios, lagos e mananciais. A poluição,
todavia, está aniquilando essas valiosíssimas reservas hídricas, que deveriam,
óbvio, ser preservadas ciosamente, como o que a humanidade tem de mais precioso
(o que logicamente é), até pela facilidade de sua captação e utilização.
Responda, esclarecido leitor: é o que vem acontecendo?
A FAO lembra que a
agricultura é o setor que mais consome água (e potável, destaque-se) no mundo.
Mais de dois terços do líquido extraído de rios, lagos, poços artesianos e
mananciais são utilizados de forma descontrolada. Quase metade da humanidade,
cerca de três bilhões de pessoas, depende do cultivo de irrigação, para seu
trabalho, alimentação e renda. Portanto, a água não é essencial, apenas, ao
organismo humano, dos animais e das plantas (o que é fundamental), mas
importante fator econômico. Sem ela, as indústrias não podem funcionar. Parte
considerável delas seria forçada a fechar as portas, gerando absurdo
desemprego. E as conseqüências dessas demissões em massa sequer é preciso
lembrar, por serem óbvias. Teriam custo social, e humano, absurdo. Ameaçariam,
inclusive, a própria civilização, tal como a concebemos.
Mas a imprensa (e refiro-me,
aqui, exclusivamente à nossa) prioriza o que em seu noticiário? Os riscos de
ficarmos, todos, privados de água potável no médio prazo (ou quem sabe até
mesmo no curtíssimo)? Está claríssimo que não! Raramente dedica algum espaço ao
assunto, a despeito da crise hídrica enfrentada pelo Estado de São Paulo. O
tema prioritário nos noticiários são os casos (concretos ou apenas insinuados,
não ponho a mão no fogo) de corrupção política. É o desvirtuamento de sua
missão informativa, assumindo papel, que nunca deveria lhe caber, por não ser o
seu, de uma espécie de partido de oposição. É a violência que se acelera à
medida que a população cresce e que se aprofunda o abismo que separa os muito
ricos dos paupérrimos. Todos esses assuntos têm lá (ou podem ter, não sei) sua
importância. Mas... são minimamente, infimamente, miseravelmente mais
importantes do que a garantia de existência e de fornecimento de água potável à
população?!!! É preciso responder a isso?
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