Apesar de tudo, há riscos
Pedro
J. Bondaczuk
O presidente soviético, Mikhail Gorbachev, encerrou,
ontem, com um discurso em que se mostrou estar na defensiva (o que até há bem
pouco tempo seria inconcebível para um líder do Cremlin), as duas semanas extraordinárias
de sessões do novo Congresso de Deputados do Povo do seu país.
Coisas surpreendentes foram
ouvidas no recinto do Parlamento, boa parte das quais televisionada ao vivo
para toda a União Soviética. Revelações que a população somente suspeitava
foram confirmadas em detalhes, com cifras e tudo.
Como, por exemplo, o montante do
orçamento militar da URSS, de cerca de US$ 123 bilhões anuais. Ou que o
programa espacial russo, cantado e decantado como totalmente voltado para a
paz, tem, na verdade, finalidades também bélicas. Ou que a União Soviética tem
uma dívida externa de US$ 53 bilhões (ou quase isso). Ou então que um sexto (40
milhões) dos habitantes do país vivem na miséria.
Esse procedimento, porém, poderá
evitar o que aconteceu na China, no fim de semana passado? A abertura
soviética, promovida por Mikhail Gorbachev, seria mesmo tão segura como ele deu
a entender em seu discurso de ontem? Não haveria, de fato, nenhuma
possibilidade de um golpe contra o mentor da “glasnost” e da “Perestroika”, que
o mandasse preso para a Sibéria ou então dele mudar de opinião quanto ao seu
projeto transformador, como aconteceu com o líder chinês, Deng Xiaoping? Claro
que há!
O grande defeito, nos dois
projetos ditos democratizantes, levados a cabo por Moscou e Pequim, é que as
autoridades que os deflagraram querem reservar para si o ritmo do processo.
Desejam determinar o grau e o tempo em que tais mudanças devem se dar, não
levando em conta o represamento das angústias, temores e frustrações populares.
Os povos soviético e chinês têm
pressa para readquirir (ou conquistar pela primeira vez) a liberdade. Nos dois
países, a rigor, seus cidadãos (pelo menos a maioria deles) não conheceram
nunca, ou tiveram poucas chances de conhecer, o prazer de serem livres.
Ninguém pode afirmar, por
exemplo, que sob o czarismo havia sequer um arremedo de democracia na antiga
Rússia. E nem que os três regimes que a China conheceu neste século, o
imperial, a República de Chiang-Kai-Shek e o comunismo, concederam liberdade ao
povo.
Por isso, há tamanha pressa, não
somente em abrir o regime, mas em “arrombar” suas portas. É verdade que os
distúrbios étnicos na União Soviética ainda não redundaram num massacre, como o
de Pequim. Mas desde que eles começaram, já produziram pelo menos 10% das
mortes ocorridas na China. Portanto, todo o cuidado é pouco ao se exagerar nas
expectativas dos resultados dos dois processos de transformação.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 10
de junho de 1989).
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