Trabalho duro
Pedro J. Bondaczuk
As
rápidas transformações, ditadas pela evolução tecnológica – em especial a das
comunicações – mudando o enfoque do trabalho, fechando empregos tradicionais e
abrindo perspectivas promissoras em outros setores ainda a serem explorados
(como os da informação e das artes), exigem uma revisão criteriosa, e urgente,
no conceito e na maneira de tratar o ensino.
Os
currículos, por exemplo, precisam ser drasticamente reformados, modernizados,
adaptados à realidade atual. A filosofia da educação tem que ser revista para
se adequar às atuais necessidades. E o acesso ao conhecimento precisa ser o
mais universal possível, para que não se estabeleçam "castas", como
ainda ocorre agora. Estas exigências contemporâneas impõem, acima de tudo, um
novo tipo de professor. O mestre não pode mais se limitar àquele papel
convencional que sempre lhe foi atribuído, que todos conhecemos, de mero
transmissor de informações que qualquer garoto curioso obtém com facilidade
através da Internet. Basta acessar o Google, por exemplo, que o acesso será
farto e imediato.
A
tarefa do novo docente passa, ou tem que passar, a ser a de estimular o raciocínio dos alunos.
Ou seja, a de "ensiná-lo" a pensar, fornecendo-lhe indicações de como
fazer para disciplinar o pensamento, despertando a criatividade latente que
certamente traz dentro de si. E, sobretudo, como se expressar corretamente em
seu idioma e como utilizar as informações disponíveis. No entanto, embora
crescentemente exigido, o "novo professor" continua às voltas com
velhos problemas, impedindo que se recicle e se atualize para fazer frente aos
desafios que os tempos atuais lhe impõem. O maior deles, embora longe de ser o
único, é o de como prover a própria subsistência, diante dos salários irrisórios,
para não dizer indignos, que recebe.
Essa
estagnação, quando não erosão salarial, ao contrário do que se supõe, não é
prerrogativa brasileira. Aliás, no Brasil, pelo menos se vislumbra alguma
possibilidade, posto que muito remota, de revalorização do magistério. Por
enquanto, porém, a coisa não saiu do papel, do terreno das especulações,
reivindicações, propostas e contrapropostas. Mas, como diria Cazuza, “o tempo
não pára”.
Li,
tempos atrás (na verdade, há quase 17 anos), no boletim mensal do Centro de
Informação das Nações Unidas, "ONU em Foco", que recebia na redação
do jornal em que trabalhava, o “Correio Popular” de Campinas, referente a
setembro de 1996, que a situação dos professores no mundo era, salvo raras
exceções, no mínimo dramática. Não disponho de dados recentes, mas há
indicativos de que, na maioria dos casos, ela se deteriorou ainda mais.
Infelizmente. O texto a que me refiro é intitulado "Trabalho Duro". O
redator destacou que a situação dos professores, no que diz respeito somente à remuneração,
havia chegado a um ponto "intoleravelmente baixo". O articulista
chegou a essa conclusão, com base em dados da Organização Internacional do
Trabalho da época. E, reitero, o quadro que o autor do artigo descreve é, hoje,
quase duas décadas depois, muito pior.
O
informativo cita relatório da OIT onde eram enfatizados exemplos sobre um
profundo achatamento salarial dos docentes. Um dos casos mencionados foi o da
Argentina. No país vizinho, os salários dos professores equivaliam, em 1993
(data do levantamento), à metade dos que eram recebidos em 1981. Não me consta
que essa situação tenha melhorado. Pelo menos não muito.
A
Organização Internacional do Trabalho enfatizou que a erosão salarial era a
regra, não a exceção, em todo o chamado Terceiro Mundo, justamente a região do
Planeta mais carente de educação (e de saúde, energia, emprego etc.) sem a qual
é impossível a saída do subdesenvolvimento econômico e, por conseqüência,
social. Infelizmente, ao que tudo indica, continua sendo.
Outro
exemplo mencionado no boletim foi o do Quênia, na África, onde o poder
aquisitivo dos professores havia caído 30% naquela década. E os casos poderiam
ser repetidos, mudando-se apenas o nome do país ou da região, com resultados
bastante parecidos. Ou seja, a desvalorização do magistério e, sobretudo, do
seu principal agente, sem o qual sequer existe, cavalgava a rédeas soltas.
A
primeira conseqüência da baixa remuneração é a evasão dos profissionais do
ensino para outras atividades mais rentáveis. É o mínimo que se poderia
esperar. Afinal, por maior que seja a vocação do sujeito para lecionar, ele tem
que se preocupar, antes de tudo, com o próprio sustento e com o da família. O
magistério tornou-se, em muitos lugares, mero "bico" de estudantes
universitários, que dão aulas apenas para suplementar o orçamento e garantir
pequenas despesas pessoais, enquanto cursam faculdade.
Se
os salários eram (e são) baixos e, para piorar, estão em queda em termos reais,
no que se refere às condições de trabalho as coisas não estão muito melhores. E
em lugar algum. O citado boletim da ONU mencionou que no Senegal, por exemplo,
por falta de escolas, os professores eram obrigados a dar aulas para classes de
até cem alunos, conforme o relatório da OIT (no Brasil isso é rotina). E muitas
vezes, o recinto era absolutamente inapropriado, representado por galpões
adaptados, ranchos e até "containners" (as tais “escolas de lata”),
quando não em praças públicas. Isso não lembra um certo país tropical,
“abençoado por Deus, e bonito por natureza”? Ora, ora, ora.
Representantes de
governos de países do Terceiro Mundo argumentam que fazem o possível para
valorizar o profissional de ensino. A então consultora do Unicef, Rosa Maria
Torres, constatou, na oportunidade, em entrevista à imprensa, que em muitos Estados em
vias de desenvolvimento, "os salários dos professores consomem até 95% do
orçamento público com educação”. Qualquer elevação no nível de remuneração,
portanto, implicaria necessariamente em maiores investimentos. Só que tais
países não contam com recursos para investir. Muito pelo contrário. Vão tirar
dinheiro de onde? Do aumento de impostos? De empréstimos externos? De doações?
Mal-remunerados,
os professores escasseiam, quando o necessário é que seu número aumente
(estimativas da Unesco dão conta de que o Terceiro Mundo precisa de 30 milhões
de novos docentes, em especial no ensino básico, apenas para equilibrar o
crescimento populacional). Por falta de mestres, muitas crianças deixam de
freqüentar escolas (e não me refiro, apenas, ao Brasil). Com isso, aumenta a
quantidade de analfabetos e semi-analfabetos, portanto, de dependentes sociais.
Tais países, em vez de saírem do subdesenvolvimento, afundam mais e mais na
miséria, na desesperança e na violência. A forma de superar esse impasse
inclui-se entre os grandes desafios da humanidade para este século, ao lado do
desemprego, da preservação do meio-ambiente e das tensões étnicas, entre
outros. Como solucioná-lo é a grande questão que se impõe. É, sem tirar e nem
pôr, trabalho árduo, duro, duríssimo e, sobretudo de extrema urgência.
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