Folguedo que é fruto de
fusão
Pedro
J. Bondaczuk
Os folguedos do Brasil,
ou seja, as várias manifestações folclóricas desse nosso povo sofrido, mas
festivo por natureza, embora tradicionais, não são rígidos, à prova de
alterações, adaptações ou “modernizações”. Alguns são mudados de tal sorte, tão
profundamente, que perdem por completo as características originais. Não raro,
transformam-se em novos folguedos. Há os que desaparecem, por falta de
praticantes, contudo, outros tantos surgem, até que algum dia venham a ser
também mudados ou deixem de ser praticados.
Exemplo característico
dessas mudanças que citei é o caso do folguedo conhecido como “Guerreiro” ou
“Auto dos Guerreiros”, característico, sobretudo, do Estado do Alagoas.
Trata-se de uma fusão do Reisado e do Caboclinho, embora essas duas manifestações
folclóricas subsistam em outras regiões (e até mesmo em solo alagoano). Onde
havia dois folguedos, passaram a haver três, convivendo harmonicamente, sem
problemas, sem que um ameace a existência dos outros. É verdade que o Guerreiro
tem elementos de três outras manifestações folclóricas bastante populares,
todas elas também vivíssimas, que são a “Chegança”, o “Pastoril” e o
“Bumba-meu-boi”.
A formação desse novo
folguedo, com “retalhos” desses outros que citei, ocorreu nas décadas de 20 e
30 do século XX e hoje já está consolidado e se tornou tradicional, pelo menos
em Alagoas. Nesse Estado nordestino há dezenas de grupos dessa tendência,
podendo ser citados, entre tantos outros, os do Mestre Adelmo (Cajueiro), do
Mestre Eduardo (Coruripe), de Zé Leonízio (Murici), de José Tenório (Chã da
Jaqueira) e vai por aí afora. O “Guerreiro” integra o chamado “Ciclo Natalino”
e é dançado especificamente no Natal.
O número de
participantes varia de um grupo para outro. Podem ser de 25, 35, 50 ou 64
figurantes, além dos personagens fixos, dos quais os principais são: o mestre,
o contramestre, o rei, a rainha, a lira, o índio Peri com os respectivos
vassalos, dois mateus, o boi, dois embaixadores, o general, dois palhaços, uma
catirina, uma sereia, uma estrela de ouro, uma estrela brilhante, uma estrela
republicana, a banda da lua e as figuras. Alguns grupos do Guerreiro têm vários
outros protagonistas, mas os que citei são os considerados indispensáveis.
Os participantes
dançam, cantam e recitam falas ao som de acordeões, pífanos, tambores e
pandeiros. Simulam batalhas e outras tantas cenas constantes de seus enredos.
Os dançarinos trajam roupas vermelhas e azuis, trazendo na cabeça pesados
chapéus enfeitados com fitas de várias cores e pequenos espelhos. As vestes
imitam igrejas e catedrais, tanto nos diademas e coroas, quanto nos
guarda-peitos, calções e mantos. Os personagens fixos que citei estão presentes
em todos os grupos. O principal é o Mestre. Na brincadeira, ele trava um
desafio, ou diálogo cantado, com os mateus e dá o mote para a cantoria dos
figurantes.
O papel do contramestre
é importante, mas somente como substituto. Apenas se faz presente na ausência
do Mestre, quando então exerce todos os papeis atribuídos a este. Já os mateus
são uma espécie de palhaços, trajando roupas folgadas, exóticas e coloridas,
trazendo o rosto pintado com pó de carvão, o que lhes dá aspecto um tanto
quanto assustador. Tanto que eles costumam assustar as crianças. E sempre
provocam os participantes, pois essa é sua principal função, conferindo
dinamismo a esses Autos de Guerreiros. São os mateus que abrem a roda para a
dança do boi, coreografia que remete a outro folguedo tradicionalíssimo em todo
o País: o Bumba-meu-boi.
Esse personagem é tão
popular, que sua presença, no imaginário dos habitantes da região, extrapola o
folguedo do “Guerreiro”. Explico. Pelo fato dos mateus serem, simultaneamente,
figuras exóticas e assustadoras, os pais usam-nos para fazer ameaças às
crianças desobedientes. Sempre que alguma persiste em fazer coisas erradas, em
ser birrenta e se mostrar teimosa, invariavelmente os adultos ameaçam-na: “Se
você não obedecer, vou chamar o mateus para pegá-lo”. Ao que se sabe, o
expediente é tiro e queda. Imediatamente o pequeno turrão se enquadra, sem mais
resistências.
É o que ocorria, por
exemplo, em São Paulo, na minha infância, com a figura do “homem do saco”.
Quando nos mostrávamos desobedientes e teimosos, nos diziam que essa personagem
– que nenhuma criança nunca viu e por isso a imaginava nas maneiras mais
horríveis, de acordo com a fértil imaginação infantil – viria nos pegar e nos
levar para fazer sabão com nossos corpos caso não nos comportássemos. E nós....
nos comportávamos. Figuras como estas, dos mateus e dos homens do saco, sempre
existiram no mundo todo, com suas múltiplas variantes. embora, atualmente,
quando crianças de quatro a cinco anos já sabem manipular celulares e
computadores, certamente não funcionam mais. Os pequenos, invariavelmente, riem
dos adultos que eventualmente as ameacem com esses bichos-papões e similares,
tão aterrorizantes na infância destes, mas que hoje já não assustam ninguém.
No comments:
Post a Comment