Perdidos
no tempo
Pedro J. Bondaczuk
A
informação é o grande capital, a fonte de poder por excelência do mundo
contemporâneo. Não, evidentemente, seu simples acúmulo e armazenamento, mas seu
processamento, sua utilização prática, seu uso comercial, industrial e humano.
Áreas novas do conhecimento surgem a cada dia, requerendo, crescentemente,
pessoal especializado que as dominem e ampliem. Até não faz muito, o “garimpo”
de dados, para posteriores conclusões, era feito por esforçados pesquisadores. Hoje,
mesmo com o auxílio indispensável do computador, que se sofistica numa
velocidade estonteante, o que se requer é gente que utilize tamanho volume de
conhecimentos. A máquina é que faz a “garimpagem” agora.
Tempos
atrás, coisa de duas décadas, o cientista norte-americano, James Green alertou
para este fato. Assinalou que, até 1996, a humanidade estaria “soterrada por uma
quantidade recorde de informações recolhidas e não analisadas e nem
interpretadas”. Hoje, de fato, está. E foi mais longe. Disse acreditar que por
volta de 1998, os pesquisadores e a rede de recolhimento de dados terrestres
iriam produzir “tanto conhecimento quanto nos 35 mil anos anteriores da
história humana”. E, de fato, produziram e seguem produzindo vertiginosamente.
Entre
tais dados, certamente, devem estar soluções para os problemas mais
angustiantes dos nossos tempos à espera de serem identificadas e aplicadas. No
meio dessas tantas informações certamente estão as que tendem a levar à
descoberta de meios para curar as principais doenças, por exemplo. Ou o modo de
deter a explosão populacional, hoje com
média de três nascimentos por segundo, 180 por minuto, 10.800 por hora,
259.200 por dia. Ou a forma para prover esses crescentes contingentes de
alimentos, roupa, assistência médica, moradia, educação etc. E outros tantos
problemas mais, que ameaçam a todos e requerem soluções urgentes, quando não
imediatas.
Diante
de uma realidade dessas, chega a ser constrangedor constatar que o mundo atual
conta com um quinto da sua população sem ter ao menos a instrução básica
elementar, primaríssima, permanecendo mergulhada no analfabetismo. O mundo
conta, na atualidade, em plena era da globalização e consequente comunicação
total, com mais de 800 milhões de adultos que não sabem ler e nem escrever.
Além disso, há 130 milhões de crianças em idade escolar, não alfabetizadas, que
estão fora das escolas.
Se
alguém ainda duvida que haja relação direta entre a educação – e a
alfabetização é o mínimo que se pode esperar nesse aspecto – as estatísticas
mostram que os dez países com as maiores taxas de analfabetismo, são,
exatamente, os dez mais pobres e subdesenvolvidos do Planeta, nesta ordem:
Burkina Faso (68,3% de analfabetos), Sudão do Sul (63%), Afeganistão (61,9%),
Niger (61,3%), Mali (58,9%), Chade (55,5%), Serra Leoa (54,9%), Somália
(52,2%), Senegal (50,7%) e Guiné-Bissau (49%). Coincidência? Claro que não!
Um
dado positivo, que deve ser destacado é que desde o início de 1991, o número de
analfabetos começou a diminuir, pelo menos em termos absolutos em termos
absolutos, em todo o Planeta. E, a despeito de nascerem 10.800 crianças por
hora no mundo, continua em queda. A questão, todavia, não deve ser abordada
pelo aspecto numérico (ou não somente por ele), já que não se está lidando com
objetos, ou com seres irracionais, mas com pessoas, que têm os mesmos sonhos,
ansiedades e aspirações que todos nós, que tivemos a oportunidade e o
privilégio de adquirir parcelas de conhecimento.
Tais
indivíduos estão absolutamente deslocados na sociedade contemporânea. Não
contam com a mínima competitividade e têm a oferecer ao mundo pouco,
pouquíssimo, quase nada, apenas a força física – isto quando a possuem – sem
qualquer perspectiva de êxito na vida. São como seres de outro planeta em
estágio bem mais atrasado do que a Terra. Estão deslocados no tempo e no
espaço, vivendo, mentalmente, na Idade da Pedra Lascada, enquanto o resto da
humanidade se encontra na Era Tecnológica.
Este
despreparo em algo que é tão básico, primaríssimo, além de pernicioso para as próprias
pessoas que o ostentam, é oneroso para toda a sociedade. Northrop Frye lembra,
com propriedade, que "cultura e civilização têm o poder de transformar o
mundo físico subumano em um mundo de contornos e medidas humanos". Outro
aspecto a considerar, na questão do analfabetismo, é a discriminação que ainda
existe contra as mulheres. Dois terços dos analfabetos do mundo, cerca de 535
milhões de pessoas – notadamente nos países islâmicos e nas sociedades mais
atrasadas e primitivas da África e da Ásia – são do sexo feminino. Das 130
milhões de crianças fora das escolas no mundo, 85 milhões são meninas.
É
certo que as coisas já foram muito piores nesse aspecto. Mas os avanços foram
ainda muito discretos em face da necessidade. O Brasil, por exemplo, avançou
muito no combate ao analfabetismo. Todavia, o País ostenta o segundo ou
terceiro maior contingente de analfabetos da América Latina – isso sem contar
os analfabetos funcionais – o que representa custo social elevadíssimo, diria
proibitivo.
Como
interpretar a montanha de informações, que cresce, em progressão geométrica e
não mais por dias, mas por hora, para produzir progresso e bem-estar para a
humanidade, contando com um analfabeto em cada cinco habitantes do Planeta?
Sim, como? Como o Brasil poderá entrar nesse desafio fantástico, com seu
contingente de iletrados e dos tantos milhões que mal sabem desenhar seus
nomes?
Antes
de interpretar tantas informações, é indispensável que não se deixe um só homem
sem condições de interpretação do mínimo indispensável, do alfabeto do seu
idioma, para poder ler (e aí está nosso interesse particular enquanto
escritores para a erradicação, se possível, do analfabetismo no mundo),
escrever e entender o que está lendo. Porquanto o analfabeto está perdido no
tempo, no espaço e na vida.
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