Friday, October 04, 2013

Perdidos no tempo

Pedro J. Bondaczuk

A informação é o grande capital, a fonte de poder por excelência do mundo contemporâneo. Não, evidentemente, seu simples acúmulo e armazenamento, mas seu processamento, sua utilização prática, seu uso comercial, industrial e humano. Áreas novas do conhecimento surgem a cada dia, requerendo, crescentemente, pessoal especializado que as dominem e ampliem. Até não faz muito, o “garimpo” de dados, para posteriores conclusões, era feito por esforçados pesquisadores. Hoje, mesmo com o auxílio indispensável do computador, que se sofistica numa velocidade estonteante, o que se requer é gente que utilize tamanho volume de conhecimentos. A máquina é que faz a “garimpagem” agora.

Tempos atrás, coisa de duas décadas, o cientista norte-americano, James Green alertou para este fato. Assinalou que, até 1996, a humanidade estaria “soterrada por uma quantidade recorde de informações recolhidas e não analisadas e nem interpretadas”. Hoje, de fato, está. E foi mais longe. Disse acreditar que por volta de 1998, os pesquisadores e a rede de recolhimento de dados terrestres iriam produzir “tanto conhecimento quanto nos 35 mil anos anteriores da história humana”. E, de fato, produziram e seguem produzindo vertiginosamente.

Entre tais dados, certamente, devem estar soluções para os problemas mais angustiantes dos nossos tempos à espera de serem identificadas e aplicadas. No meio dessas tantas informações certamente estão as que tendem a levar à descoberta de meios para curar as principais doenças, por exemplo. Ou o modo de deter a explosão populacional, hoje com  média de três nascimentos por segundo, 180 por minuto, 10.800 por hora, 259.200 por dia. Ou a forma para prover esses crescentes contingentes de alimentos, roupa, assistência médica, moradia, educação etc. E outros tantos problemas mais, que ameaçam a todos e requerem soluções urgentes, quando não imediatas.

Diante de uma realidade dessas, chega a ser constrangedor constatar que o mundo atual conta com um quinto da sua população sem ter ao menos a instrução básica elementar, primaríssima, permanecendo mergulhada no analfabetismo. O mundo conta, na atualidade, em plena era da globalização e consequente comunicação total, com mais de 800 milhões de adultos que não sabem ler e nem escrever. Além disso, há 130 milhões de crianças em idade escolar, não alfabetizadas, que estão fora das escolas.

Se alguém ainda duvida que haja relação direta entre a educação – e a alfabetização é o mínimo que se pode esperar nesse aspecto – as estatísticas mostram que os dez países com as maiores taxas de analfabetismo, são, exatamente, os dez mais pobres e subdesenvolvidos do Planeta, nesta ordem: Burkina Faso (68,3% de analfabetos), Sudão do Sul (63%), Afeganistão (61,9%), Niger (61,3%), Mali (58,9%), Chade (55,5%), Serra Leoa (54,9%), Somália (52,2%), Senegal (50,7%) e Guiné-Bissau (49%). Coincidência? Claro que não!

Um dado positivo, que deve ser destacado é que desde o início de 1991, o número de analfabetos começou a diminuir, pelo menos em termos absolutos em termos absolutos, em todo o Planeta. E, a despeito de nascerem 10.800 crianças por hora no mundo, continua em queda. A questão, todavia, não deve ser abordada pelo aspecto numérico (ou não somente por ele), já que não se está lidando com objetos, ou com seres irracionais, mas com pessoas, que têm os mesmos sonhos, ansiedades e aspirações que todos nós, que tivemos a oportunidade e o privilégio de adquirir parcelas de conhecimento.

Tais indivíduos estão absolutamente deslocados na sociedade contemporânea. Não contam com a mínima competitividade e têm a oferecer ao mundo pouco, pouquíssimo, quase nada, apenas a força física – isto quando a possuem – sem qualquer perspectiva de êxito na vida. São como seres de outro planeta em estágio bem mais atrasado do que a Terra. Estão deslocados no tempo e no espaço, vivendo, mentalmente, na Idade da Pedra Lascada, enquanto o resto da humanidade se encontra na Era Tecnológica.

Este despreparo em algo que é tão básico, primaríssimo, além de pernicioso para as próprias pessoas que o ostentam, é oneroso para toda a sociedade. Northrop Frye lembra, com propriedade, que "cultura e civilização têm o poder de transformar o mundo físico subumano em um mundo de contornos e medidas humanos". Outro aspecto a considerar, na questão do analfabetismo, é a discriminação que ainda existe contra as mulheres. Dois terços dos analfabetos do mundo, cerca de 535 milhões de pessoas – notadamente nos países islâmicos e nas sociedades mais atrasadas e primitivas da África e da Ásia – são do sexo feminino. Das 130 milhões de crianças fora das escolas no mundo, 85 milhões são meninas.

É certo que as coisas já foram muito piores nesse aspecto. Mas os avanços foram ainda muito discretos em face da necessidade. O Brasil, por exemplo, avançou muito no combate ao analfabetismo. Todavia, o País ostenta o segundo ou terceiro maior contingente de analfabetos da América Latina – isso sem contar os analfabetos funcionais – o que representa custo social elevadíssimo, diria proibitivo.

Como interpretar a montanha de informações, que cresce, em progressão geométrica e não mais por dias, mas por hora, para produzir progresso e bem-estar para a humanidade, contando com um analfabeto em cada cinco habitantes do Planeta? Sim, como? Como o Brasil poderá entrar nesse desafio fantástico, com seu contingente de iletrados e dos tantos milhões que mal sabem desenhar seus nomes?

Antes de interpretar tantas informações, é indispensável que não se deixe um só homem sem condições de interpretação do mínimo indispensável, do alfabeto do seu idioma, para poder ler (e aí está nosso interesse particular enquanto escritores para a erradicação, se possível, do analfabetismo no mundo), escrever e entender o que está lendo. Porquanto o analfabeto está perdido no tempo, no espaço e na vida.


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