Sunday, October 13, 2013

Folguedo nascido de uma lenda 

Pedro J. Bondaczuk

A congada (ou congado, ou congo como é também conhecida em algumas partes do País), é um dos folguedos brasileiros mais característicos, disseminados e persistentes do nosso povo. Trata-se de manifestação cultural e religiosa de influência africana, como o próprio nome sugere. E isso faz todo o sentido. Afinal, se considerarmos a parcela da população brasileira que se declara “parda” (43,1% ou 82 milhões de pessoas, conforme o Censo do IBGE de 2012) e a declarada e ostensivamente negra (7,6% ou 15 milhões de indivíduos), o Brasil é o maior país negro do mundo fora da África. E, em termos globais, perde apenas para a Nigéria, com seus 170 milhões de habitantes, nesse quesito. Daí tratar-se de uma burrice sem tamanho a persistência de qualquer resquício de preconceito racial entre nós. Aliás, qualquer espécie de discriminação, seja de que tipo for, é um ato de ostensiva estupidez.

Se o fandango, o pastoril e o quilombo, por exemplo, são mais comuns no Nordeste e no Norte de Minas Gerais, a congada é mais característica dos Estados do Leste, Sudeste e Sul do País. É folguedo típico de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Manifesta-se, porém, também no Centro Oeste (no caso, em Goiás) e, claro, em Minas Gerais, onde essa manifestação folclórica, aliás, nasceu.

Para não escrever bobagem a propósito, já que, embora tendo assistido de corpo presente a uma apresentação do tipo, não disponho de farta literatura a respeito (a rigor, não conto com nenhuma) colhi as informações básicas na sempre providencial enciclopédia eletrônica Wikipédia.

A congada tradicional (pois como praticamente todos os folguedos brasileiros, ela também apresenta variações, tanto regionais quanto temporais, com acréscimos ou supressões, conforme o caso de um lugar para outro), trata, essencialmente, de três temas: a vida de São Benedito, o encontro de Nossa Senhora do Rosário submersa nas águas e a representação da luta dos cavaleiros do rei gaulês, Carlos Magno, no intento de evitar e de rechaçar a invasão dos mouros à Europa.

Como se vê, é uma mistura de temas desconexos, sem muita relação uns com os outros, mas que seus criadores (no caso, o povo), reúnem em um mesmo balaio, num único enredo, dando um toque de coerência ao que é, de fato, incoerente. Wikipédia esclarece que se trata de “movimento cultural sincrético, ritual que envolve danças, cantos, levantamentos de mastros, coroações e cavalgadas”. Realiza-se, via de regra, no mês de outubro, como culminância da festa do Rosário.

Wikipédia ainda informa que nas congadas “são utilizados instrumentos musicais, como cuícas, caixas, pandeiros e reco-recos. Os congadeiros seguem atrás da cavalgada com uma bandeira de Nossa Senhora do Rosário”. A culminância da festa, ainda de acordo com a enciclopédia eletrônica, é a “coroação de Chico Rei que, antes da missa cantada aparece com a rainha e a corte, vestidos de ricos trajes e seguidos por dançarinos e músicos”. O leigo, a esta altura, certamente está se perguntando (e essa mesma pergunta também fiz antes de ser esclarecido) quem é, afinal, esse personagem tão citado, que se vê coroado e que é a figura central desse folguedo?

Bem, que se trata de um “rei” é evidente. Mas de onde? De quem? Trata-se de figura lendária e foi, reitero, em torno de sua lenda que nasceu a congada. Wikipédia esclarece qual é esse mito. “Segundo a lenda, Francisco, escravo batizado com o nome de Chico-Rei, era imperador do Congo e veio para Minas Gerais com mais de 400 negros escravos. Na sofrida viagem, perdeu a mulher e os filhos, sobrevivendo apenas um. Chico Rei instalou-se em Vila-Rica, trabalhou nas minas e somando o trabalho de domingos e dias santos, conseguiu fazer a economia necessária para comprar sua libertação e a do filho, escondendo pó de ouro nos cabelos. Chico Rei dançou na igreja para comemorar a libertação Posteriormente, obteve a liberdade de seus súditos de nação e todos adquiriram a mina da Escandideira. Casou-se com uma nova rainha e o prestígio do “rei preto” foi crescendo”.

E a enciclopédia eletrônica conclui: “Organizaram a irmandade do Rosário e Santa Efigênia e construíram a igreja do alto da santa cruz. Por ocasião da festa dos Reis Magos, em janeiro, e na de Nossa Senhora do Rosário, em outubro, havia grandes solenidades generalizadas com o nome de ‘Reisados”.

Para quem quiser saber mais a propósito desse folguedo, recomendo que consulte outras fontes e, principalmente, que assista a uma congada e, se quiser (ou puder) até participe dela. Garanto que será experiência ímpar. Afinal, essa é uma das poucas manifestações folclóricas brasileiras que (suponho) ainda não está ameaçada de desaparecimento, em decorrência tanto do processo de acelerada urbanização quanto, e sobretudo, de globalização do País.


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