Quem
é superior a quem e por que?
Pedro J. Bondaczuk
A
discriminação, qualquer que seja sua natureza e a forma em que se manifeste, é sempre estúpida, irracional,
anti-social e, sobretudo, perigosa. Não existe parâmetro para medir seres
humanos, em sua importância, a não ser o da mortalidade. E nesse aspecto, todos
se igualam: reis, príncipes, presidentes, generais, milionários, mendigos etc.
etc. etc. Ninguém, absolutamente ninguém escapa desse destino inexorável que é
o da extinção. Ainda não apareceu esse que conseguisse sobreviver ao tempo e
aos desgastes naturais dos anos e fosse eterno. Jamais aparecerá. A morte é
fatalidade biológica para todos (sem exceção) seres vivos.
Entretanto,
e em especial em culturas mais antigas e supostamente mais evoluídas, como a
européia – mas não só nelas – existem focos, que se reacendem de quando em vez,
dessa infecção do espírito. Pessoas passam, então, a ser discriminadas ou pela
cor da pele, ou pelo país de origem, ou pelo credo que professam, ou pelos
costumes que adotam, ou até por algum eventual defeito físico que possam
ostentar, à revelia de sua vontade, claro, e vai por aí afora. Alvos de
preconceito é que não faltam..
Embora
mencione especificamente a Europa, poderia citar o Brasil (por que não?), onde
as discriminações são corriqueiras, embora enfaticamente negadas. São
onipresentes não em alguma camada social específica, mas em todas elas, com
maior ou menor grau de intensidade. É um mal generalizado. Não menciono o que
ocorre no dia a dia do nosso País porquanto este prescinde de informações
suplementares a propósito. Milhões de brasileiros, pelas mais variadas razões
(sempre estúpidas e pueris), sentem o preconceito, amiúde, na própria carne. E
discriminam também. Não somos, pois, o povo tão “cordial” e compreensivo, como
volta r meia se apregoa.
Essas
erupções discriminatórias, no caso da Europa – cuja população já poderia e
deveria ter aprendido quais são suas nefastíssimas conseqüências – foram causas
de inúmeras desgraças nesse continente e no mundo. Os judeus sofreram mais com
essas periódicas manifestações, até que lograssem reaver a própria pátria e
reconquistassem seu orgulho nacional. Afinal, foram vítimas de um dos maiores
genocídios de que se tem notícia na história contemporânea. Mas, embora neguem
e jurem por todas as juras que não agem dessa mesma forma, também discriminam
outras etnias e não raro até pessoas da sua própria, pelas mais variadas (e
pueris) razões.
Mas
não foram (ou não são) somente eles que passaram (ou passam) por esse dissabor.
Os armênios, por exemplo, sofreram, no início do século XX, massacre
inesquecível (e raras vezes mencionado) perpetrado pelos turcos, que os
julgavam pretensamente inferiores e que redundou na morte de entre nove e dez
milhões de pessoas. Os negros sul-africanos pagaram duríssimo preço, no período
ainda bastante recente, do “apartheid”, de tristíssima memória, apenas porque
um bando de lunáticos preconceituosos julgou sua personalidade baseado somente
na cor da sua pele. Chegaram ao cúmulo de serem considerados estrangeiros na
terra em que nasceram e seu país possuía, na ocasião, "dois deuses"
diferentes, a julgar pelo fato de que existia segregação inclusive nas igrejas
ditas “cristãs”, locais pretensamente de congraçamento e de fraternidade.
A
Europa, reitero, passa por cíclicos surtos de racismo que vêm, geralmente,
acompanhados de odiosos sistemas que no passado deram guarida a tais malucas
fantasias, como são os casos do fascismo e do nazismo, que renascem de tempos
em tempos, sob diversos rótulos a disfarçá-los, mas com virulência redobrada,
como costuma acontecer com as ervas daninhas. A discriminação européia atual
não se volta mais contra os judeus, ou não exclusivamente contra eles. É contra
povos que têm usos e costumes julgados inferiores pelos habitantes desse
continente, que se esquecem que há cerca de um século se tanto, eles ainda
chafurdavam em idêntico atraso e indigência que hoje buscam ridicularizar.
A
Paris de 200 anos atrás, por exemplo, tinha ruas que ficavam intransitáveis em
épocas de chuva, tomadas pelo lamaçal e não lembrava em nada o atual fastígio
de "Cidade Luz". Londres tinha suas principais avenidas com esgoto a
céu aberto. E não era por acaso que pestes periódicas assolavam a cidade e todo
o continente, dizimando milhões e milhões de pessoas. Eram causadas pela
ignorância e falta de higiene, que hoje seus habitantes tanto ridicularizam nos
outros.
Os
orgulhosos alemães (é evidente que me refiro aos que fazem da discriminação
prática diária, pois não se pode e nem se deve generalizar), por exemplo,
consideram trabalhadores turcos, ou portugueses, ou provenientes do Norte da
África, ou sul-americanos (incluindo brasileiros, claro) como inferiores.
Talvez não o declarem explicitamente, mas agem como tal. A esses povos “inferiores” cabem,
invariavelmente, as tarefas mais ingratas e sujas, que ninguém mais deseja
fazer. Ou as perigosas, que põem em risco a sua integridade orgânica. Quem
viaja com freqüência à Europa e é minimamente observador sabe que não estou
exagerando.
O
mesmo comportamento ocorre na Grã-Bretanha, por exemplo, em relação aos
asiáticos; na França, com os originários do Norte da África; na Noruega, com os
persas e poderia ir desfiando um rosário sem fim de povos que agem (de maneira
possivelmente até inconsciente, não deliberada) com um ranço detestável de
preconceito vazio e sem sentido que trazem arraigado e manifestam em suas
condutas.
Ninguém
fomenta, todavia, ódios impunemente. Rancor gera rancor, violência produz
violência e isto é do que menos o mundo precisa na atualidade, quando se
defronta com problemas gravíssimos, como a superpopulação, o estado de
miserabilidade crescente de dois terços da humanidade, a degradação do meio
ambiente, o desaparecimento de inúmeras espécies vegetais e animais, a poluição
das águas e do ar, o acelerado e talvez irreversível aquecimento do Planeta que
pode conduzir ao "efeito estufa", a ruptura na camada de Ozônio e
tantos e tantos outros que freqüentam diariamente os noticiários da imprensa.
Gente
de mente doentia, que ainda cultiva preconceitos de toda a espécie e dissemina
somente rancores inúteis, tem que ser segregada do convívio social. Não
contribui em nada para resolver as grandes questões e ainda cria novas, sem
nenhuma necessidade. Pessoas que agem assim não passam de parasitas, de
homicidas potenciais, de agentes de destruição. Compete aos formadores de
opinião fazerem alguma coisa para extirpar, de uma vez para sempre, essa
terrível doença da alma, responsável por um dos piores conflitos que a
humanidade já viveu, que foi a Segunda Guerra Mundial e, particularmente, do
monstruoso Holocausto.
Por
qualquer parâmetro que se meça, não há um único fato, por ínfimo que seja, que
permita se classificar uma etnia como superior a outra, no que as pessoas têm
de fundamental: sua capacidade de pensar. E essa verdade tão simples,
cristalina e óbvia, parece ser de grande complexidade para cidadãos que se
julgam muito inteligentes, geniais quem sabe e/ou então “donos da verdade”.
Afinal, quem é superior a quem e por que?
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