Wednesday, October 02, 2013

Quem é superior a quem e por que?

Pedro J. Bondaczuk

A discriminação, qualquer que seja sua natureza e a forma em que  se manifeste, é sempre estúpida, irracional, anti-social e, sobretudo, perigosa. Não existe parâmetro para medir seres humanos, em sua importância, a não ser o da mortalidade. E nesse aspecto, todos se igualam: reis, príncipes, presidentes, generais, milionários, mendigos etc. etc. etc. Ninguém, absolutamente ninguém escapa desse destino inexorável que é o da extinção. Ainda não apareceu esse que conseguisse sobreviver ao tempo e aos desgastes naturais dos anos e fosse eterno. Jamais aparecerá. A morte é fatalidade biológica para todos (sem exceção) seres vivos.

Entretanto, e em especial em culturas mais antigas e supostamente mais evoluídas, como a européia – mas não só nelas – existem focos, que se reacendem de quando em vez, dessa infecção do espírito. Pessoas passam, então, a ser discriminadas ou pela cor da pele, ou pelo país de origem, ou pelo credo que professam, ou pelos costumes que adotam, ou até por algum eventual defeito físico que possam ostentar, à revelia de sua vontade, claro, e vai por aí afora. Alvos de preconceito é que não faltam..

Embora mencione especificamente a Europa, poderia citar o Brasil (por que não?), onde as discriminações são corriqueiras, embora enfaticamente negadas. São onipresentes não em alguma camada social específica, mas em todas elas, com maior ou menor grau de intensidade. É um mal generalizado. Não menciono o que ocorre no dia a dia do nosso País porquanto este prescinde de informações suplementares a propósito. Milhões de brasileiros, pelas mais variadas razões (sempre estúpidas e pueris), sentem o preconceito, amiúde, na própria carne. E discriminam também. Não somos, pois, o povo tão “cordial” e compreensivo, como volta r meia se apregoa.

Essas erupções discriminatórias, no caso da Europa – cuja população já poderia e deveria ter aprendido quais são suas nefastíssimas conseqüências – foram causas de inúmeras desgraças nesse continente e no mundo. Os judeus sofreram mais com essas periódicas manifestações, até que lograssem reaver a própria pátria e reconquistassem seu orgulho nacional. Afinal, foram vítimas de um dos maiores genocídios de que se tem notícia na história contemporânea. Mas, embora neguem e jurem por todas as juras que não agem dessa mesma forma, também discriminam outras etnias e não raro até pessoas da sua própria, pelas mais variadas (e pueris) razões.

Mas não foram (ou não são) somente eles que passaram (ou passam) por esse dissabor. Os armênios, por exemplo, sofreram, no início do século XX, massacre inesquecível (e raras vezes mencionado) perpetrado pelos turcos, que os julgavam pretensamente inferiores e que redundou na morte de entre nove e dez milhões de pessoas. Os negros sul-africanos pagaram duríssimo preço, no período ainda bastante recente, do “apartheid”, de tristíssima memória, apenas porque um bando de lunáticos preconceituosos julgou sua personalidade baseado somente na cor da sua pele. Chegaram ao cúmulo de serem considerados estrangeiros na terra em que nasceram e seu país possuía, na ocasião, "dois deuses" diferentes, a julgar pelo fato de que existia segregação inclusive nas igrejas ditas “cristãs”, locais pretensamente de congraçamento e de fraternidade.

A Europa, reitero, passa por cíclicos surtos de racismo que vêm, geralmente, acompanhados de odiosos sistemas que no passado deram guarida a tais malucas fantasias, como são os casos do fascismo e do nazismo, que renascem de tempos em tempos, sob diversos rótulos a disfarçá-los, mas com virulência redobrada, como costuma acontecer com as ervas daninhas. A discriminação européia atual não se volta mais contra os judeus, ou não exclusivamente contra eles. É contra povos que têm usos e costumes julgados inferiores pelos habitantes desse continente, que se esquecem que há cerca de um século se tanto, eles ainda chafurdavam em idêntico atraso e indigência que hoje buscam ridicularizar.

A Paris de 200 anos atrás, por exemplo, tinha ruas que ficavam intransitáveis em épocas de chuva, tomadas pelo lamaçal e não lembrava em nada o atual fastígio de "Cidade Luz". Londres tinha suas principais avenidas com esgoto a céu aberto. E não era por acaso que pestes periódicas assolavam a cidade e todo o continente, dizimando milhões e milhões de pessoas. Eram causadas pela ignorância e falta de higiene, que hoje seus habitantes tanto ridicularizam nos outros.

Os orgulhosos alemães (é evidente que me refiro aos que fazem da discriminação prática diária, pois não se pode e nem se deve generalizar), por exemplo, consideram trabalhadores turcos, ou portugueses, ou provenientes do Norte da África, ou sul-americanos (incluindo brasileiros, claro) como inferiores. Talvez não o declarem explicitamente, mas agem como tal.  A esses povos “inferiores” cabem, invariavelmente, as tarefas mais ingratas e sujas, que ninguém mais deseja fazer. Ou as perigosas, que põem em risco a sua integridade orgânica. Quem viaja com freqüência à Europa e é minimamente observador sabe que não estou exagerando.

O mesmo comportamento ocorre na Grã-Bretanha, por exemplo, em relação aos asiáticos; na França, com os originários do Norte da África; na Noruega, com os persas e poderia ir desfiando um rosário sem fim de povos que agem (de maneira possivelmente até inconsciente, não deliberada) com um ranço detestável de preconceito vazio e sem sentido que trazem arraigado e manifestam em suas condutas.

Ninguém fomenta, todavia, ódios impunemente. Rancor gera rancor, violência produz violência e isto é do que menos o mundo precisa na atualidade, quando se defronta com problemas gravíssimos, como a superpopulação, o estado de miserabilidade crescente de dois terços da humanidade, a degradação do meio ambiente, o desaparecimento de inúmeras espécies vegetais e animais, a poluição das águas e do ar, o acelerado e talvez irreversível aquecimento do Planeta que pode conduzir ao "efeito estufa", a ruptura na camada de Ozônio e tantos e tantos outros que freqüentam diariamente os noticiários da imprensa.

Gente de mente doentia, que ainda cultiva preconceitos de toda a espécie e dissemina somente rancores inúteis, tem que ser segregada do convívio social. Não contribui em nada para resolver as grandes questões e ainda cria novas, sem nenhuma necessidade. Pessoas que agem assim não passam de parasitas, de homicidas potenciais, de agentes de destruição. Compete aos formadores de opinião fazerem alguma coisa para extirpar, de uma vez para sempre, essa terrível doença da alma, responsável por um dos piores conflitos que a humanidade já viveu, que foi a Segunda Guerra Mundial e, particularmente, do monstruoso Holocausto.

Por qualquer parâmetro que se meça, não há um único fato, por ínfimo que seja, que permita se classificar uma etnia como superior a outra, no que as pessoas têm de fundamental: sua capacidade de pensar. E essa verdade tão simples, cristalina e óbvia, parece ser de grande complexidade para cidadãos que se julgam muito inteligentes, geniais quem sabe e/ou então “donos da verdade”. Afinal, quem é superior a quem e por que?


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