Sunday, October 20, 2013

Crise testa unidade da CEE


Pedro J. Bondaczuk


A crise que se verifica na Iugoslávia, deflagrada pelas declarações unilaterais de independência das Repúblicas da Croácia e da Eslovênia, feitas em 25 de junho passado, é um severo desafio para os 12 países integrantes da Comunidade Econômica Européia, que se preparam para transformar a aliança, antes restrita apenas ao plano comercial, num superestado. Seria o grupo capaz de promover a própria segurança sem a interferência dos Estados Unidos? Aliás, é o segundo grande teste do ano.

No primeiro, a CEE não passou. Na recente guerra do Golfo Pérsico, a atuação internacional da comunidade foi decepcionante. Seus membros perderam-se em picuinhas e deixaram a posição central do palco para outros atores, no caso os norte-americanos.

Desta feita, todavia, a crise está ocorrendo bem às suas barbas. Com a dissolução do Pacto de Varsóvia e a nova postura da Organização do Tratado do Atlântico Norte, de aproximação política com o Leste europeu, a comunidade tem chance de criar uma alternativa para prevenir, quando possível, e pôr fim, depois de o fato consumado, aos vários conflitos étnicos que fatalmente vão ocorrer no continente.

Mas como os europeus ocidentais farão isso? Esta é a grande expectativa dos observadores. Através da força? Tal expediente dificilmente terá chances de êxito e, pior, tende a derivar numa guerra. O poeta francês, Paul Valery, fez uma observação que foi válida em seu tempo e continua valendo mais do que nunca para os dias atuais: "A era da ordem é o império das ficções. Não há poder capaz de sustentar-se só com a opressão dos corpos pelos corpos. Necessitam-se forças fictícias".

Ou seja, a segurança jamais poderá ser completa se baseada somente nas armas, na repressão, na intervenção militar, na truculência. É indispensável que se fundamente em idéias, princípios, valores. Em suma, nas "forças fictícias", aludidas por Valery.

Como agir em relação à Iugoslávia, que durante todo o longo governo do marechal Jozip Broz Tito foi o "menino rebelde" da Europa? Nunca se alinhou nem com a União Soviética, à qual fez sucessivos desafios no período em que a "Doutrina Brezhnev", que previa a intervencionismo nos países em que o regime comunista estivesse ameaçado era a regra no Leste, nem com o Ocidente.

Aliás, os iugoslavos sempre se orgulharam de sua independência ideológica e principalmente de sua liderança no Movimento dos Não-Alinhados. O não-alinhamento, todavia, nos dias atuais, é outra das utopias dos nossos tempos. Rigorosamente, sempre foi. Essa atitude nunca passou de mera intenção.

Os 102 integrantes do grupo, na realidade, sempre estiveram, velada ou ostensivamente, ora sob a órbita de Moscou, ora debaixo das asas da águia norte-americana. A CEE vai reconhecer as independências da Eslovênia e da Croácia, como vários de seus membros ameaçaram fazer? Ou manterá a postura da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, cujos 35 integrantes, portanto, incluindo os 12 que também compõem a Comunidade Econômica Européia, bateram pé firme acerca da manutenção da integridade territorial iugoslava?

O sociólogo Karl Wolfgang Deutsch afirmou, na década de 70, quando as transformações que ocorrem hoje no continente ainda não passavam de sonhos delirantes de um bando de idealistas: "Há 100 anos o homem se perguntava se seria possível uma 

mudança no mundo; há 50 anos debatia-se a conveniência dessa mudança; hoje, o debate gira em torno de como essa mudança poderá ser melhor executada".

Ou se ela se faz com o concurso das "forças fictícias" previstas por Valery, ou suas conseqüências tendem a ser catastróficas. Não somente para a Iugoslávia, mas para o continente inteiro, já que o separatismo ameaça também a União Soviética.

(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 5 de julho de 1991).


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