Crise
testa unidade da CEE
Pedro J. Bondaczuk
A
crise que se verifica na Iugoslávia, deflagrada pelas declarações unilaterais
de independência das Repúblicas da Croácia e da Eslovênia, feitas em 25 de
junho passado, é um severo desafio para os 12 países integrantes da Comunidade
Econômica Européia, que se preparam para transformar a aliança, antes restrita
apenas ao plano comercial, num superestado. Seria o grupo capaz de promover a
própria segurança sem a interferência dos Estados Unidos? Aliás, é o segundo
grande teste do ano.
No
primeiro, a CEE não passou. Na recente guerra do Golfo Pérsico, a atuação
internacional da comunidade foi decepcionante. Seus membros perderam-se em
picuinhas e deixaram a posição central do palco para outros atores, no caso os
norte-americanos.
Desta
feita, todavia, a crise está ocorrendo bem às suas barbas. Com a dissolução do
Pacto de Varsóvia e a nova postura da Organização do Tratado do Atlântico
Norte, de aproximação política com o Leste europeu, a comunidade tem chance de
criar uma alternativa para prevenir, quando possível, e pôr fim, depois de o
fato consumado, aos vários conflitos étnicos que fatalmente vão ocorrer no
continente.
Mas
como os europeus ocidentais farão isso? Esta é a grande expectativa dos
observadores. Através da força? Tal expediente dificilmente terá chances de
êxito e, pior, tende a derivar numa guerra. O poeta francês, Paul Valery, fez
uma observação que foi válida em seu tempo e continua valendo mais do que nunca
para os dias atuais: "A era da ordem é o império das ficções. Não há poder
capaz de sustentar-se só com a opressão dos corpos pelos corpos. Necessitam-se
forças fictícias".
Ou
seja, a segurança jamais poderá ser completa se baseada somente nas armas, na
repressão, na intervenção militar, na truculência. É indispensável que se
fundamente em idéias, princípios, valores. Em suma, nas "forças
fictícias", aludidas por Valery.
Como
agir em relação à Iugoslávia, que durante todo o longo governo do marechal
Jozip Broz Tito foi o "menino rebelde" da Europa? Nunca se alinhou
nem com a União Soviética, à qual fez sucessivos desafios no período em que a
"Doutrina Brezhnev", que previa a intervencionismo nos países em que
o regime comunista estivesse ameaçado era a regra no Leste, nem com o Ocidente.
Aliás,
os iugoslavos sempre se orgulharam de sua independência ideológica e
principalmente de sua liderança no Movimento dos Não-Alinhados. O
não-alinhamento, todavia, nos dias atuais, é outra das utopias dos nossos
tempos. Rigorosamente, sempre foi. Essa atitude nunca passou de mera intenção.
Os
102 integrantes do grupo, na realidade, sempre estiveram, velada ou
ostensivamente, ora sob a órbita de Moscou, ora debaixo das asas da águia
norte-americana. A CEE vai reconhecer as independências da Eslovênia e da
Croácia, como vários de seus membros ameaçaram fazer? Ou manterá a postura da
Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, cujos 35 integrantes,
portanto, incluindo os 12 que também compõem a Comunidade Econômica Européia,
bateram pé firme acerca da manutenção da integridade territorial iugoslava?
O
sociólogo Karl Wolfgang Deutsch afirmou, na década de 70, quando as
transformações que ocorrem hoje no continente ainda não passavam de sonhos
delirantes de um bando de idealistas: "Há 100 anos o homem se perguntava
se seria possível uma
mudança no mundo; há 50 anos debatia-se a conveniência
dessa mudança; hoje, o debate gira em torno de como essa mudança poderá ser
melhor executada".
Ou
se ela se faz com o concurso das "forças fictícias" previstas por
Valery, ou suas conseqüências tendem a ser catastróficas. Não somente para a
Iugoslávia, mas para o continente inteiro, já que o separatismo ameaça também a
União Soviética.
(Artigo
publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 5 de julho de
1991).
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