De
poeta, médico e louco...
Pedro J. Bondaczuk
A
televisão veiculou tempos atrás, se não me falha a memória lá por volta de
novembro de 1990, uma campanha institucional que deveria ser permanente, pelo
tanto de esclarecimento que trouxe na oportunidade a milhões de pessoas e que
tende a trazer aos desavisados caso seja repetida. Tratava-se, na ocasião, de
alerta dado à população sobre os riscos reais e iminentes da automedicação. São
incontáveis os casos de intoxicação medicamentosa em vários graus, para não
dizer de envenenamento, em decorrência desse péssimo, quando não letal, hábito.
Algumas
atitudes desse tipo têm provocado, inclusive, a morte dos que se julgam
habilitados a receitar remédios para si próprios, quando não para terceiros
(parentes, amigos, vizinhos, conhecidos etc.), sem que o estejam Neste caso,
quem age assim, sem a competente habilitação conferida por um bom curso de
Medicina, é um indivíduo que tem por cliente "um louco".
Fosse
tão fácil, quanto o cidadão comum às vezes imagina, diagnosticar determinada
enfermidade, ou disfunção orgânica, e determinar o processo de cura, todos
seriam médicos. Ninguém precisaria investir dinheiro, tempo, sacrifícios e
idealismo para estudar. Mas... a mais elementar das lógicas diz que não é bem
assim.
Já
se tentou de tudo para impedir essa prática insensata, nefasta e, sobretudo,
absurda. Por maior que seja a fiscalização, aumenta, dia a dia, a estúpida
mania da automedicação, que em milhares de casos significa, na verdade, a
prática do suicídio, posto que não intencional. Os medicamentos, em sua grande
maioria, funcionam na base da compensação. Curam o mal para o qual são
indicados, mas podem produzir desarranjos em órgãos vizinhos (os tais efeitos
colaterais), principalmente se estes não estiverem completamente sadios. A
doutora Mara Narciso que o diga. Certamente recomenda a todos com que conversa
que jamais tentem cometer a temeridade de se automedicar. E, claro, está
certíssima. Está coberta de razão.
Só
um médico, mediante exame rigoroso, é capaz de determinar até que ponto o
organismo está em condições de suportar a reação causada por algum produto, sem
maiores danos. Os remédios mais milagrosos tendem, ironicamente, a ser os mais
letais venenos caso não sejam tomados no momento certo e na dosagem
recomendada, para o achaque a que for indicado.
Mas
o que acontece na prática? Basta que
alguém diga, casualmente, que está com "uma dor de cabeça terrível"
para, invariavelmente, surgir algum maluco se prontificando a
"receitar" um medicamento, assim, sem mais e nem menos, como se fosse
a coisa mais inocente e natural do mundo. Creiam, não é. Dores de cabeça, ou
outras dores quaisquer, são sintomas e não doenças em si. Estas podem ser de
várias naturezas e graus de intensidade. Quem age assim, diagnosticando males
alheios e medicando-os baseado apenas em vagas impressões, embora imbuído das
melhores intenções, pode estar pondo a vida do “aconselhado” em risco. Mesmo
que não esteja, nunca se sabe. Você está disposto a se arriscar? Eu não!!! Nem
como “terapeuta” (que não sou) e muito menos como paciente.
Há
pessoas, por exemplo, com necessidades subconscientes de chamar a atenção, em
virtude de carências afetivas, que têm
doenças meramente imaginárias. São as enfermidades classificadas como
"psicossomáticas". Ou seja, as que existem somente na cabeça do
suposto doente, embora seus efeitos sejam reais. Não se trata, pois, de
fingimento de quem é afetado por esses males. Caso esses indivíduos, todavia,
comecem a engolir pílulas atrás de pílulas, de todos os tipos, tamanhos e
cores, aí sim sua situação ficará complicada. Somente um médico pode
diferenciar a realidade da imaginação nesses casos e tratar adequadamente esses
pacientes.
Em
tais circunstâncias, provavelmente, o mais recomendável será não ridicularizar
essas pessoas, mas, quem sabe, lhes receitar um "placebo", ou seja,
um produto inócuo, à base de farinha. Mas quem deve fazê-lo é única e
exclusivamente o médico e mais ninguém. Sua habilitação, experiência e
capacidade profissional habilitam-no a isso, coisa que o leigo não conseguirá
fazer jamais. Se tentar, pode até matar o infeliz. Não tenham dúvidas de que o
"remédio", no caso o placebo, se ou quando receitado por um
profissional habilitado, operará milagres. Mas se o doente imaginário se puser
a se automedicar...
Há
farta literatura a respeito – daí a razão de eu tocar no assunto – e seria
muito útil que a população tivesse acesso a ela, para não desenvolver esse mau
hábito (caso ainda não o tenha) ou para o erradicar imediatamente do seu procedimento
diário (se já o tiver). Um dos livros mais úteis e detalhados a propósito é
“Automedicação – Importância e perigos”, de autoria do ilustre professor,
doutor e pesquisador da área médica (falecido em 2007) Irany Novah Moraes.
O
mestre ressalta, no entanto, a importância dos primeiros socorros que, se
aplicados com correção pelos que os conheçam, por haverem passado por
treinamento específico a propósito, salvam muitas vidas. Claro que estes, por
mais eficientes que possam ser, não tornam jamais dispensável a ação do médico.
Apenas impedem que as conseqüências, por exemplo, de um acidente qualquer, não
importa sua aparente gravidade ou natureza, leve a vítima à morte antes que
possa ser atendida por profissional habilitado.
Os
primeiros socorros, todavia, não podem ser classificados na categoria de
“automedicação”, até porque não são praticados pelo próprio paciente, mas por
alguém treinado para esse atendimento emergencial. O ilustre pesquisador
defende que esses conhecimentos sim sejam vulgarizados e que o máximo possível
de pessoas se submeta a esse tipo de treinamento, até para que essas técnicas
não venham a se perder por falta de interessados.
O
livro do professor Irany difunde princípios básicos, elementares, de saúde, com
ênfase, claro, na prevenção. Não há dúvidas – chega a ser uma afirmação até
acaciana, de tão óbvia que é – que “prevenir é melhor do que remediar”. Quanto
mais conhecimentos tivermos a respeito, mais e mais conscientes estaremos que
jamais, em circunstância alguma, devemos assumir o papel de médicos, para
tentar “curar” nossos próprios achaques e muitíssimo menos os de terceiros.
Há
um provérbio famoso que diz que “de poeta, médico e louco, todos nós temos um
pouco”. Do primeiro, é saudável que tenhamos, para encarar o mundo e a vida com
mais leveza e sob prisma muito mais belo. Oxalá tivéssemos mais poetas do que
temos hoje! Seria muito bom. Quanto a querermos bancar médicos sem que o
sejamos e a descambarmos para a loucura... temos, óbvio, que evitar ao máximo
ambas condições. Cada qual tem que ficar na sua e preservar ao máximo a
sanidade mental. Até porque, se nos metermos a atuar como “médicos”, sem que o
sejamos, na verdade estaremos agindo como loucos e, pior, aguçando instintos
suicidas que podem nos destruir.
No comments:
Post a Comment