Monday, October 07, 2013

De poeta, médico e louco...

Pedro J. Bondaczuk

A televisão veiculou tempos atrás, se não me falha a memória lá por volta de novembro de 1990, uma campanha institucional que deveria ser permanente, pelo tanto de esclarecimento que trouxe na oportunidade a milhões de pessoas e que tende a trazer aos desavisados caso seja repetida. Tratava-se, na ocasião, de alerta dado à população sobre os riscos reais e iminentes da automedicação. São incontáveis os casos de intoxicação medicamentosa em vários graus, para não dizer de envenenamento, em decorrência desse péssimo, quando não letal, hábito.

Algumas atitudes desse tipo têm provocado, inclusive, a morte dos que se julgam habilitados a receitar remédios para si próprios, quando não para terceiros (parentes, amigos, vizinhos, conhecidos etc.), sem que o estejam Neste caso, quem age assim, sem a competente habilitação conferida por um bom curso de Medicina, é um indivíduo que tem por cliente "um louco".

Fosse tão fácil, quanto o cidadão comum às vezes imagina, diagnosticar determinada enfermidade, ou disfunção orgânica, e determinar o processo de cura, todos seriam médicos. Ninguém precisaria investir dinheiro, tempo, sacrifícios e idealismo para estudar. Mas... a mais elementar das lógicas diz que não é bem assim.

Já se tentou de tudo para impedir essa prática insensata, nefasta e, sobretudo, absurda. Por maior que seja a fiscalização, aumenta, dia a dia, a estúpida mania da automedicação, que em milhares de casos significa, na verdade, a prática do suicídio, posto que não intencional. Os medicamentos, em sua grande maioria, funcionam na base da compensação. Curam o mal para o qual são indicados, mas podem produzir desarranjos em órgãos vizinhos (os tais efeitos colaterais), principalmente se estes não estiverem completamente sadios. A doutora Mara Narciso que o diga. Certamente recomenda a todos com que conversa que jamais tentem cometer a temeridade de se automedicar. E, claro, está certíssima. Está coberta de razão.

Só um médico, mediante exame rigoroso, é capaz de determinar até que ponto o organismo está em condições de suportar a reação causada por algum produto, sem maiores danos. Os remédios mais milagrosos tendem, ironicamente, a ser os mais letais venenos caso não sejam tomados no momento certo e na dosagem recomendada, para o achaque a que for indicado.

Mas o que acontece na prática?  Basta que alguém diga, casualmente, que está com "uma dor de cabeça terrível" para, invariavelmente, surgir algum maluco se prontificando a "receitar" um medicamento, assim, sem mais e nem menos, como se fosse a coisa mais inocente e natural do mundo. Creiam, não é. Dores de cabeça, ou outras dores quaisquer, são sintomas e não doenças em si. Estas podem ser de várias naturezas e graus de intensidade. Quem age assim, diagnosticando males alheios e medicando-os baseado apenas em vagas impressões, embora imbuído das melhores intenções, pode estar pondo a vida do “aconselhado” em risco. Mesmo que não esteja, nunca se sabe. Você está disposto a se arriscar? Eu não!!! Nem como “terapeuta” (que não sou) e muito menos como paciente.

Há pessoas, por exemplo, com necessidades subconscientes de chamar a atenção, em virtude de  carências afetivas, que têm doenças meramente imaginárias. São as enfermidades classificadas como "psicossomáticas". Ou seja, as que existem somente na cabeça do suposto doente, embora seus efeitos sejam reais. Não se trata, pois, de fingimento de quem é afetado por esses males. Caso esses indivíduos, todavia, comecem a engolir pílulas atrás de pílulas, de todos os tipos, tamanhos e cores, aí sim sua situação ficará complicada. Somente um médico pode diferenciar a realidade da imaginação nesses casos e tratar adequadamente esses pacientes.

Em tais circunstâncias, provavelmente, o mais recomendável será não ridicularizar essas pessoas, mas, quem sabe, lhes receitar um "placebo", ou seja, um produto inócuo, à base de farinha. Mas quem deve fazê-lo é única e exclusivamente o médico e mais ninguém. Sua habilitação, experiência e capacidade profissional habilitam-no a isso, coisa que o leigo não conseguirá fazer jamais. Se tentar, pode até matar o infeliz. Não tenham dúvidas de que o "remédio", no caso o placebo, se ou quando receitado por um profissional habilitado, operará milagres. Mas se o doente imaginário se puser a se automedicar...

Há farta literatura a respeito – daí a razão de eu tocar no assunto – e seria muito útil que a população tivesse acesso a ela, para não desenvolver esse mau hábito (caso ainda não o tenha) ou para o erradicar imediatamente do seu procedimento diário (se já o tiver). Um dos livros mais úteis e detalhados a propósito é “Automedicação – Importância e perigos”, de autoria do ilustre professor, doutor e pesquisador da área médica (falecido em 2007) Irany Novah Moraes.

O mestre ressalta, no entanto, a importância dos primeiros socorros que, se aplicados com correção pelos que os conheçam, por haverem passado por treinamento específico a propósito, salvam muitas vidas. Claro que estes, por mais eficientes que possam ser, não tornam jamais dispensável a ação do médico. Apenas impedem que as conseqüências, por exemplo, de um acidente qualquer, não importa sua aparente gravidade ou natureza, leve a vítima à morte antes que possa ser atendida por profissional habilitado.

Os primeiros socorros, todavia, não podem ser classificados na categoria de “automedicação”, até porque não são praticados pelo próprio paciente, mas por alguém treinado para esse atendimento emergencial. O ilustre pesquisador defende que esses conhecimentos sim sejam vulgarizados e que o máximo possível de pessoas se submeta a esse tipo de treinamento, até para que essas técnicas não venham a se perder por falta de interessados.

O livro do professor Irany difunde princípios básicos, elementares, de saúde, com ênfase, claro, na prevenção. Não há dúvidas – chega a ser uma afirmação até acaciana, de tão óbvia que é – que “prevenir é melhor do que remediar”. Quanto mais conhecimentos tivermos a respeito, mais e mais conscientes estaremos que jamais, em circunstância alguma, devemos assumir o papel de médicos, para tentar “curar” nossos próprios achaques e muitíssimo menos os de terceiros.

Há um provérbio famoso que diz que “de poeta, médico e louco, todos nós temos um pouco”. Do primeiro, é saudável que tenhamos, para encarar o mundo e a vida com mais leveza e sob prisma muito mais belo. Oxalá tivéssemos mais poetas do que temos hoje! Seria muito bom. Quanto a querermos bancar médicos sem que o sejamos e a descambarmos para a loucura... temos, óbvio, que evitar ao máximo ambas condições. Cada qual tem que ficar na sua e preservar ao máximo a sanidade mental. Até porque, se nos metermos a atuar como “médicos”, sem que o sejamos, na verdade estaremos agindo como loucos e, pior, aguçando instintos suicidas que podem nos destruir.         


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