Os incompreendidos
Pedro
J. Bondaczuk
O
pintor holandês Vincent Van Gogh, hoje reconhecido, consensualmente, no mundo
todo (até por quem não aprecia a pintura e não entende nada de artes
plásticas), como gênio da sua arte, foi classificado, em vida, como “artista
maldito”. Esse termo é geralmente empregado (não sei se adequadamente e entendo
que não) para qualificar aqueles que, por um motivo ou por outro, não
conseguiram o reconhecimento de seus contemporâneos e foram resgatados somente
algumas gerações depois.
Muitos acabaram destruídos pelo fracasso e
arruinaram-se, pessoal e financeiramente, terminando a vida como bêbados,
mendigos, farrapos humanos, homens completamente derrotados. Van Gogh foi um
deles. Terminou seus dias considerado como maluco, internado em um sanatório
para doentes mentais em Arles, no Sul da França.
Alguns desses gênios incompreendidos
recorreram ao jogo, e perderam o pouco que lhes restava de dinheiro e de
dignidade, para não pensar no fracasso. Como se o esquecimento, nesses casos,
fosse possível! Claro que não é! Não raros foram os que se entregaram a uma
vida dissoluta, tendo bares e prostíbulos como cenários da sua decadência
física e moral, entregues ao álcool e alguns às drogas como o ópio, para tentar
afogar a imensa frustração gerada pelo insucesso e a dolorosa sensação da
derrota e da inutilidade.
A arte, em geral, pune, em vez de premiar, os
seus servos. E quanto mais leais e dedicados, pior é o castigo. Não raro os
melhores e mais criativos têm que arcar com uma carga mais pesada de desgosto e
aceitar o esquecimento e o ridículo (para alguns, temporários, para outros,
definitivos) por parte dos contemporâneos.
Por isso, quem tem como trabalho a função de
crítico, a tarefa de julgar as produções alheias, o poder de influenciar
opiniões, nas colunas especializadas de jornais e revistas, precisa tomar
imenso cuidado (caso queira ser justo e honesto) na avaliação da obra de
qualquer artista, não importa de que arte, para não cair, ele próprio, muitos
anos depois da sua morte, no ridículo, quando o valor do criticado for
devidamente reconhecido (se o for, é claro).
Na poesia, qual o intelectual que não conhece
“les cinq poétes maudites” franceses? Hoje, todavia, Rimbaud, Verlaine, Valéry,
Baudelaire e Mallarmé representam, por si sós, toda uma época de ouro da
literatura, não somente da França, mas do mundo todo. Mas quando eram vivos,
quer pelo estilo que vida que tinham, quer pelos conceitos que emitiam, quer
pelo que diziam e escreviam, eram tidos, pela maioria dos críticos, como
iconoclastas. E, pior, como empulhadores, como falsos poetas, como pessoas de
péssimo gosto e maléfica influência.
Vincent Van Gogh, por exemplo, conseguiu, em
vida, vender um único quadro. E essa venda nem pode ser considerada como tal,
pois quem adquiriu essa obra solitária foi o seu irmão, provavelmente por
piedade e como uma forma de incentivo ao artista. Hoje, todavia, qualquer dos
seus esboços, o mais simples borrão ou rabisco do mestre holandês, valem
incalculáveis fortunas. E suas obras são acessíveis apenas a quem conte com uma
conta bancária que ascenda a centenas de milhões de dólares.
Quem estava certo? Os marchands, que não
somente recusavam seus quadros, mas cobriam-no de observações injuriosas, ou o
irmão, que mesmo adquirindo um quadro por piedade ou para incentivar o artista
(e ninguém pode provar que foi este o verdadeiro motivo da compra), investiu
algum dinheiro, por mínimo que fosse, nesse talento não reconhecido?
Por paradoxal que pareça, hoje os críticos de
arte são unânimes em reconhecer que o período de maior criatividade de Van Gogh
foi aquele em que, consumido pelo desgosto, pelos fracassos, pelo álcool e pelo
consumo compulsivo de absinto, que tomava em monumentais quantidades, esteve
internado no sanatório para doentes mentais. Santa loucura!
Seus nervos superexcitados, levados ao ponto
extremo de tensão pela humilhação causada pelo fracasso e pela incompreensão,
fizeram com que, na oportunidade, o pintor transmitisse uma enorme,
incomensurável e profunda angústia para o pincel e daí para as telas. É
simplesmente genial, por exemplo, a carga emocional, a brutal autenticidade, a
violência avassaladora contida nos ciprestes do quadro que pintou da fachada do
hospício em que estava internado! A serenidade de espírito nem sempre (ou quase
nunca) estabelece o clima ideal para a produção artística!
Há inúmeros Van Goghs, Verlaines e Rimbauds
por aí, à espera de reconhecimento, de apoio, de patrocínio e de condições para
sobreviver e para criar. Muitos são, e permanecerão, incompreendidos,
amargurados, derrotados, à espera da morte. Não raros serão reconhecidos dentro
de trinta, cinqüenta, ou cem anos. Claro que será muito tarde!
Talvez seja uma fatalidade que persiga boa
parte dos gênios, cujas cabeças, cujo talento e cuja sensibilidade estão
muitíssimo à frente do seu tempo. Nasceram em época e lugar errados. Ousam
desafiar o comodismo das soluções fáceis, o convencionalismo da moda, os
cânones consagrados, mas ultrapassados, para transmitir, através da palavra, da
imagem ou do som uma inquietadora beleza, muitas vezes selvagem e brutal, que
somente eles conseguem captar. Sua genialidade tem um preço que poucos,
pouquíssimos, estão dispostos a pagar e por isso abdicam do talento e dedicam
suas vidas a tarefas rotineiras, aparentemente importantes, que na verdade são
destinadas aos medíocres e acomodados. A solidão é a maldição dos gênios!
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