Wednesday, October 16, 2013

Folguedo inspirado pelos indígenas

Pedro J. Bondaczuk

Os indígenas – habitantes originais desta (para alguns) exótica “terra de Pindorama”, deste imenso país de dimensões continentais quando os europeus por aqui chegaram – tinham (e têm) sólida cultura,  lendas maravilhosas, costumes peculiares, comidas diferentes das que os europeus estavam acostumados a comer, tradições ancestrais cuja origem é tão remota que não se pode determinar etc. etc.etc. Boa parte disso tudo sobrevive, posto que descaracterizado, no dia a dia do brasileiro do século XXI, sem que sequer venhamos a nos dar conta.

Os moradores primitivos deste vasto território, então coberto por vastas extensões de uma árvore peculiar, de cor púrpura, que se prestava a caráter para tingir tecidos e que (embora de tão característica, tenha servido até para “batizar” este paraíso tropical) é raríssima nos dias de hoje, adoravam a música, a dança e as festas. E este caráter festivo incorporou-se aos nossos costumes, já que vários de nós temos a correr em nossas veias o sangue desses remotos ancestrais. Muito do nosso folclore tem a ver com os índios, posto que adaptado e misturado a outras tantas influências que tivemos no transcurso da nossa ainda relativamente curta história.

Uma dessas manifestações culturais – se não herdadas dos índios, pelo menos inspiradas por eles – é o folguedo conhecido como “Caboclinhos”. O próprio nome dessa dança sugere sua origem. Afinal, “caboclo”, como se sabe, é a designação dada à miscigenação do indígena com o branco. Ela ainda permanece muito viva entre nossas manifestações mais características, sobretudo no Carnaval do Nordeste (embora não só dele). Fantasias, instrumentos musicais, enredo, coreografias, música e dança, tudo remete aos habitantes originais deste imenso e complexo país.

Os personagens dos caboclinhos lemram, por si sós, seus “inspiradores” (possivelmente, também, seus criadores) pois são: o cacique e a cacica (representando a mãe da tribo); porta-estandarte; três tocadores, tendo por instrumentos a gaita (flauta ou pífano), a maraca (feita de zinco ou folha de flandres) e o surdo (também confeccionado de zinco, coberto com couro de bode na parte superior e na inferior); cordões (em fila) de caboclos e de caboclas e, para completar, um grupo de “curumins”, ou crianças. As evoluções são ligeiras e enérgicas, com passos característicos, alguns executados com os dançarinos se agachado e levantando rapidamente e executando rodopios com apoio ora na ponta dos pés, ora nos calcanhares. Os ritmos são o perré, guerra e baião. A marcação é feita com as preacas, instrumentos em forma de arco e flecha que produzem um som seco e característico.

Esse folguedo tem, no fundo, também caráter “religioso”, posto que não cristão, porquanto os integrantes do caboclinho não saem (ou pelos menos, originalmente, não saíam) para o desfile de carnaval sem antes tomarem uma infusão “mágica”, o “chá de jurema”, que os índios tomavam, sob supervisão ou xamã, antes de suas cerimônias tribais.. Trata-se de uma árvore nativa do Brasil, uma espécie de acácia, a cujas folhas, raízes e casca são atribuídos poderes medicinais. Os índios tomavam essa infusão, reitero, antes da realização de seus principais rituais. Trata-se de uma bebida esverdeada que supostamente deixa quem a ingere em estado de transe, proporcionando-lhe sonhos agradáveis. José de Alencar a menciona em seu célebre romance “Iracema” (a tal “virgem dos lábios de mel”). Por tudo isso, a bebida era, e ainda é, conhecida como “Jurema Sagrada”.

Antigamente, apenas homens participavam dos caboclinhos, após se prepararem antes para eles. Faziam uma espécie de “concentração” para “não perderem o foco”. Durante todo o período de Carnaval, passavam de três a quatro dias fora de casa, à qual regressavam apenas findo o folguedo. Hoje, todavia, é admitida a participação feminina. E não há mais esse período de ausência do lar, que muitos aproveitavam para outras coisas que não manter o foco nos caboclinhos. Como se vê, tudo se modifica, se adapta, se “moderniza”. Ou... desaparece.

As fantasias características básicas das mulheres são vistosas tangas e sutiãs bordados. Elas trazem cocares de penas coloridas de pavão na cabeça. Usam, a título de adereço, munhecas, para os pulsos e atacas nos tornozelos. As fantasias dos homens não são muito diferentes. Eles vestem tangas, ostentam peitorais e, igualmente, usam cocares, munhecas e atacas. Todavia, portam adereços diferentes delas, ou seja, machadinhas de madeira e pequenas cabaças  atadas com cipó aos braços e à cintura. Já tive o privilégio de assistir a uma apresentação do caboclinho e achei-a das mais pitorescas e interessantes. Apenas não tenho certeza se os personagens estavam sob o efeito da “Jurema Sagrada” ou da cachaça mesmo (o mais provável é que estivessem encharcados de cerveja).


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