Folguedo inspirado
pelos indígenas
Pedro
J. Bondaczuk
Os indígenas –
habitantes originais desta (para alguns) exótica “terra de Pindorama”, deste
imenso país de dimensões continentais quando os europeus por aqui chegaram –
tinham (e têm) sólida cultura, lendas
maravilhosas, costumes peculiares, comidas diferentes das que os europeus
estavam acostumados a comer, tradições ancestrais cuja origem é tão remota que
não se pode determinar etc. etc.etc. Boa parte disso tudo sobrevive, posto que
descaracterizado, no dia a dia do brasileiro do século XXI, sem que sequer
venhamos a nos dar conta.
Os moradores primitivos
deste vasto território, então coberto por vastas extensões de uma árvore
peculiar, de cor púrpura, que se prestava a caráter para tingir tecidos e que
(embora de tão característica, tenha servido até para “batizar” este paraíso
tropical) é raríssima nos dias de hoje, adoravam a música, a dança e as festas.
E este caráter festivo incorporou-se aos nossos costumes, já que vários de nós
temos a correr em nossas veias o sangue desses remotos ancestrais. Muito do
nosso folclore tem a ver com os índios, posto que adaptado e misturado a outras
tantas influências que tivemos no transcurso da nossa ainda relativamente curta
história.
Uma dessas
manifestações culturais – se não herdadas dos índios, pelo menos inspiradas por
eles – é o folguedo conhecido como “Caboclinhos”. O próprio nome dessa dança
sugere sua origem. Afinal, “caboclo”, como se sabe, é a designação dada à
miscigenação do indígena com o branco. Ela ainda permanece muito viva entre
nossas manifestações mais características, sobretudo no Carnaval do Nordeste
(embora não só dele). Fantasias, instrumentos musicais, enredo, coreografias,
música e dança, tudo remete aos habitantes originais deste imenso e complexo
país.
Os personagens dos
caboclinhos lemram, por si sós, seus “inspiradores” (possivelmente, também,
seus criadores) pois são: o cacique e a cacica (representando a mãe da tribo);
porta-estandarte; três tocadores, tendo por instrumentos a gaita (flauta ou
pífano), a maraca (feita de zinco ou folha de flandres) e o surdo (também
confeccionado de zinco, coberto com couro de bode na parte superior e na
inferior); cordões (em fila) de caboclos e de caboclas e, para completar, um
grupo de “curumins”, ou crianças. As evoluções são ligeiras e enérgicas, com
passos característicos, alguns executados com os dançarinos se agachado e
levantando rapidamente e executando rodopios com apoio ora na ponta dos pés,
ora nos calcanhares. Os ritmos são o perré, guerra e baião. A marcação é feita
com as preacas, instrumentos em forma de arco e flecha que produzem um som seco
e característico.
Esse folguedo tem, no
fundo, também caráter “religioso”, posto que não cristão, porquanto os integrantes
do caboclinho não saem (ou pelos menos, originalmente, não saíam) para o
desfile de carnaval sem antes tomarem uma infusão “mágica”, o “chá de jurema”,
que os índios tomavam, sob supervisão ou xamã, antes de suas cerimônias
tribais.. Trata-se de uma árvore nativa do Brasil, uma espécie de acácia, a
cujas folhas, raízes e casca são atribuídos poderes medicinais. Os índios
tomavam essa infusão, reitero, antes da realização de seus principais rituais.
Trata-se de uma bebida esverdeada que supostamente deixa quem a ingere em
estado de transe, proporcionando-lhe sonhos agradáveis. José de Alencar a
menciona em seu célebre romance “Iracema” (a tal “virgem dos lábios de mel”).
Por tudo isso, a bebida era, e ainda é, conhecida como “Jurema Sagrada”.
Antigamente, apenas
homens participavam dos caboclinhos, após se prepararem antes para eles. Faziam
uma espécie de “concentração” para “não perderem o foco”. Durante todo o
período de Carnaval, passavam de três a quatro dias fora de casa, à qual
regressavam apenas findo o folguedo. Hoje, todavia, é admitida a participação
feminina. E não há mais esse período de ausência do lar, que muitos
aproveitavam para outras coisas que não manter o foco nos caboclinhos. Como se
vê, tudo se modifica, se adapta, se “moderniza”. Ou... desaparece.
As fantasias
características básicas das mulheres são vistosas tangas e sutiãs bordados.
Elas trazem cocares de penas coloridas de pavão na cabeça. Usam, a título de
adereço, munhecas, para os pulsos e atacas nos tornozelos. As fantasias dos
homens não são muito diferentes. Eles vestem tangas, ostentam peitorais e,
igualmente, usam cocares, munhecas e atacas. Todavia, portam adereços
diferentes delas, ou seja, machadinhas de madeira e pequenas cabaças atadas com cipó aos braços e à cintura. Já
tive o privilégio de assistir a uma apresentação do caboclinho e achei-a das
mais pitorescas e interessantes. Apenas não tenho certeza se os personagens
estavam sob o efeito da “Jurema Sagrada” ou da cachaça mesmo (o mais provável é
que estivessem encharcados de cerveja).
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