Sunday, October 27, 2013

Ortega agora é "bom menino"


Pedro J. Bondaczuk



A Nicarágua, após cinco anos de sufoco, em virtude do boicote econômico determinado pelo ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan, em 1º de maio de 1985, vai poder respirar, doravante. Espera-se que sua população tenha agora um certo alívio. É que George Bush decidiu, ontem, pôr fim ao embargo aos nicaragüenses e, de quebra, está solicitando ao Congresso dos Estados Unidos uma injeção financeira de US$ 300 milhões, para recompor a economia desse pobre e violento país da América Central. Deixando qualquer espécie de preconceito ideológico de lado, é indispensável que sejam reconhecidos os méritos de um político controvertido, atacado e pressionado por todos os lados nos últimos anos, e que demonstrou que o seu apregoado interesse pela pátria não era somente retórico, mas autêntico. Trata-se do presidente atual, o sandinista Daniel Ortega.

Governar uma nação pobre da América Central, sem boicote econômico, já é uma façanha considerável. Imaginem, então, o que significa esse exercício enfrentando um embargo comercial dos Estados Unidos, principais clientes do açúcar, dos calçados e dos têxteis nicaragüenses. E ainda de quebra, tendo contra si um grupo guerrilheiro montado, treinado e financiado pela maior potência do Planeta. Em diversas ocasiões, os analistas políticos internacionais previram uma invasão militar à Nicarágua (e não ao Panamá, como acabou surpreendentemente acontecendo).

Para evitar um episódio desse tipo, com mais derramamento de sangue do que o produzido pela prolongada guerra civil que assolava esse país, foi mobilizada a diplomacia latino-americana. Primeiro, formou-se o Grupo de Contadora, cujo objetivo básico era obter a paz negociada na América Central. Posteriormente, criou-se um outro organismo informal, o "Grupo de Apoio", que acabou se fundindo com o primeiro para constituir o "Grupo dos Oito" (nos últimos tempos reduzido a sete integrantes, com a exclusão dos panamenhos). Tais entidades, não se pode negar, tiveram o seu papel positivo. No entanto, o equilíbrio e a firmeza de Ortega contaram muito.

Agora que o presidente sandinista está prestes a entregar o poder, até o seu arquiinimigo, o governo norte-americano, se desmancha em elogios a ele. Afinal, ele prometeu eleições livres e limpas em seu país, e cumpriu. Talvez nenhum pleito, em toda a história moderna, em qualquer lugar que se pense, tenha sido mais fiscalizado do que este. E não se levantou a mínima acusação, a mais leve suspeita de fraude. Ortega, como se sabe, perdeu nas urnas. Mas não "virou a mesa", como muitos esperavam. Comprometeu-se a entregar o poder à sua sucessora, Violeta Chamorro, em 25 de abril próximo, como manda a Constituição. Será que não houve um erro de avaliação, por parte da Casa Branca, acerca desse homem? Se a resposta for positiva, quanto sangue, dor e sofrimento essa falha não custou!

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 14 de março de 1990)


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