Sucessão de equívocos
Pedro J.
Bondaczuk
O caso criado com a publicação do livro “Versos
Satânicos”, do escritor Salman Rushdie, foi todo ele uma sucessão de equívocos
e de reações passionais de todos os lados, mostrando o quanto é difícil a
convivência civilizada entre irmãos de espécie neste tormentoso Planeta. E tudo
isso acontece na chamada “Era da Comunicação Total”, quando satélites ligam,
virtualmente, todas as partes do mundo, através de imagens de televisão.
Se for feita uma análise fria e
serena da questão, será possível chegar-se à conclusão de que todos estão
errados. O romancista, por ter sido infeliz em sua abordagem, escolhendo um
tema tão delicado como enredo e tratando-o de maneira tão imperita. O líder
religioso do Irã, aiatolá Ruhollah Khomeini, que não esgotou todos os meios
existentes para tentar a retratação do escritor, apelando para o último recurso
dos seus cânones, que é a condenação pura e simples à morte logo de saída. O
governo iraniano, que não soube convencer o Ocidente que a ordem era de caráter
religioso e não envolvia, portanto, a soberania britânica. E a diplomacia do
Ocidente, que demonstrou não ser nada “diplomática”.
Os soviéticos, ficando,
virtualmente, “em cima do muro”, faturaram alto em prestígio, diante das bobagens
cometidas pelos dirigentes da Europa Ocidental. A questão que se levanta é se o
direito de expressão possibilita a quem seria seu pretenso titular escrever
tudo o que quiser, ofendendo convicções alheias.
Será que para exercer essa
prerrogativa eu posso tocar em temas que sejam sensíveis ao meu vizinho? Posso
detratar algum dos seus entes queridos, por exemplo? Ou ridicularizar a sua
crença? Ou desfazer publicamente dos seus princípios? O meu direito não
terminaria onde o do meu semelhante se inicia?
É claro que isso também não abre
o “sinal verde” a Khomeini, para que vá incitando, sem maiores considerações,
milhões de pessoas para que cometam assassinato. E nem a altas figuras da vida
pública iraniana para que ofereçam prêmio pela cabeça do escritor.
Faltou diálogo em todo esse
ridículo episódio. Essa é a palavra chave. Está em tempo, ainda, de consertar
as coisas. Baste que se use os “neurônios” e não os “hormônios”. Que se seja
racional, antes de passional. Que o escritor deve uma desculpa ao mundo
islâmico, disso não há a mínima dúvida. A própria primeira-ministra britânica,
Margaret Thatcher, e seu chanceler, sir Geoffrey Howe, admitiram o óbvio: que
Rushdie ofendeu o Islã.
Mas Khomeini precisa também achar
uma forma de contemporizar na questão, até porque o Irã não pode permanecer
para sempre em briga com o mundo. Precisa ser uma maneira em que ele nem desça
da sua dignidade eclesiástica, e nem mantenha a sentença de morte. Que tal se
ele exercitasse a virtude da piedade? O saldo de simpatia que obteria com isso
seria incalculável e a honra muçulmana estaria plenamente preservada. Fica a
sugestão (óbvia!!!).
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 4
de março de 1989).
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.
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