Sunday, October 13, 2013

Cancro a ser extirpado


Pedro J. Bondaczuk


O Haiti, há muito tempo, tem sido sinônimo de tragédia. Não somente em virtude da extrema pobreza do seu povo, mas, e principalmente, por causa das seqüelas que costumam acompanhar esse estado de indigência, como a violência, o desemprego, o analfabetismo, as doenças de toda a sorte e a existência desse cancro horroroso em seu corpo social, que é a antiga polícia secreta do clã Duvallier, os temidos Tontons Macoutes.

Neste Domingo, esse grupo (que só sabe matar e nada mais) aprontou outra das suas. Promoveu uma chacina dantesca em Port-au-Prince e em outras cidades do país, levando o governo provisório a suspender as eleições presidenciais, as primeiras livres dos últimos 30 anos, gerando mais tensões e incertezas.

O clima passional que acompanhou toda a campanha já dava indicações de que algo desse tipo iria ocorrer. Faltou, portanto, organização aos militares para realizarem esse pleito com segurança e com lisura. Alguns observadores interpretam a anulação da consulta às urnas como uma espécie de golpe branco das Forças Armadas, que não estariam dispostas a entregar o poder aos civis.

O homem-forte do Haiti, tenente-general Henry Namphy, assegura que não. Afinal, ele é o fiador da transição democrática. O processo de reinstitucionalização haitiano foi todo conduzido por ele, desde a convocação da Assembléia Constituinte, até às canceladas eleições de anteontem, que deveriam ser a culminância de tudo. O oficial assegura que o novo presidente, eleito pelo voto direto, vai ser empossado de qualquer jeito em fevereiro próximo, impreterivelmente, como ele havia prometido em 1985.

Só que o clima agora ficou envenenado após os tumultos e a violência de anteontem. O Haiti, entre outras coisas, tem um desnível enorme, um abismo intransponível, entre uma minoria mulata, que não passa de 5% e detém virtualmente a totalidade da escassa riqueza nacional (o Produto Nacional Bruto do país é de pouco mais de US$ 1,2 bilhão, ou seja, o equivalente ao saldo da balança comercial brasileira de um único mês) e o resto.

Aos demais 95%, todos negros, só restam a desolação e a indigência. A falta de moradia, a ausência de empregos, a inexistência de escolas (85% da população é analfabeta), a carência de assistência médica (proporcionalmente, o país tem a maior incidência de Aids do mundo por número de habitantes) e principalmente um futuro sem nenhuma perspectiva, a não ser a morte por fome, por alguma epidemia ou mediante a violência (política ou não).

No entanto, os haitianos precisam se convencer (como? É difícil de se saber!) de que apenas a democracia os pode salvar da falência nacional, financeira, moral e espiritual. E a prática democrática não passa, em circunstância alguma, por atos selvagens de vandalismo, como os de anteontem, qualquer que seja o pretexto. Antes das eleições, portanto, é indispensável que esse câncer no tecido social do país (os Tontons Macoutes) seja definitivamente extirpado, para que o organismo todo não venha a perecer.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 1º de dezembro de 1987).


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