Sonho perfeito
Pedro
J. Bondaczuk
“A única maneira de
manter um sonho perfeito é não concretizá-lo”. Quem fez essa afirmação (que
para muitos pode soar como insólita, mas que considero lúcida), foi o
premiadíssimo homem de letras israelense, Amos Oz (que completou, em 4 de maio
de 2013, 74 anos de idade), no programa “Roda Viva”, da TV Educativa, em 2011.
Considero-o (e o mundo literário também), um dos escritores mais refinados e
criativos da atualidade. Tanto que acaba de receber mais um prêmio, que vem se
juntar a dezenas de outros tantos que já recebeu: o Franz Kafka, instituído em
2001 pela República Checa.
Sua obra, que ascende a
cerca de três dezenas de livros, entre ficção e não-ficção, foi traduzida para
trinta idiomas e pode ser encontrada completa (ou quase) em português. Seus
romances têm como característica a clareza de linguagem e a profunda compaixão
que demonstra pelos sofrimentos e agruras da população de seu país natal,
Israel. Embora reconhecido nacionalista – lutou na Guerra dos Seis Dias e na do
Yom Kippur – defende a necessidade da criação de um Estado palestino e a
consequente conciliação desses dois povos irmãos em permanente conflito desde
1948.
Mas, voltando à citação
de Amos Oz, é indispensável caracterizar com precisão a que tipo de “sonho” ele
se referiu. Não se trata, óbvio, daquele que temos durante o sono, mas dos
desejos mais profundos (e muitas vezes secretíssimos) que nutrimos e que nos
empenhamos por concretizar. Todos nós os temos, ora grandiosos ora triviais, em
algum momento de nossas vidas. Muitos (diria a maioria) são absolutamente
impossíveis de concretizar, ou por dependerem da atuação improvável de
terceiros ou dada nossa completa incapacidade, por estarem muito acima das
nossas aptidões, físicas e/ou intelectuais.
Às vezes, porém,
conseguimos concretizar algum desses sonhos. Contudo, não tarda para
encontrarmos defeitos neles, naquilo que tanto quisemos, em cuja concretização
tanto nos empenhamos e que, quando finalmente os tornamos realidade, se revelam
imperfeitos, inadequados, pífios e vazios. Se permanecessem, apenas, no terreno
da vontade, continuariam grandiosos, magníficos e perfeitos, como originalmente
concebidos. Nesse aspecto, portanto, Amos Oz está coberto de razão.
O consagrado e premiado
escritor é dos poucos (entre os que gozam de prestígio internacional) que se
podem considerar israelenses “genuínos”, de fato e de direito, porquanto nasceu
em Jerusalém. Claro que nessa minha observação não há nenhum laivo de demérito
aos que emigraram para Israel e ali se fixaram, e que, além de obterem
cidadania, construíram ou reconstruíram suas vidas. Mas Amos Oz viveu, e desde
o nascimento, os dramas e conquistas do seu povo, dos quais participou. Daí
seus romances, caracterizados pela exaltação do amor em meio a conflitos e à
violência política, terem tamanha credibilidade. Além, é lógico, dos seus
méritos de escritor, dotado de um estilo coloquial e agradável e de suas
colocações tão inteligentes e sutis.
Seus livros mais
conhecidos, para os que se interessarem em adquiri-los (todos editados em
português) são: “Meu Michael” (1973), “A caixa preta” (1988), “Conhecer uma
mulher” (1991), “Pantera no porão” (1997), “O mesmo mar” (2002) e “Rimas da
vida e da morte” (2003), autobiográfico e considerado obra prima da literatura
mundial. Amos Oz é citado, há já pelo menos duas décadas, como favorito ao
Prêmio Nobel, embora fosse, oficialmente, candidato somente uma única vez: em
2002. Naquela oportunidade, por sinal, era o meu favorito, mas... acabou não
ganhando. Há muito, porém, que já faz por merecer essa consagração mundial.
Quem sabe não ganhará neste ano (caso, claro, sua candidatura venha a ser
formalizada).
O prêmio que acaba de
conquistar foi instituído pela Fundação Franz Kafka, sediada em Praga. Ele é entregue,
anualmente, em 28 de outubro, a data nacional da República Checa. Amos Oz vem
se juntar ao seguinte grupo seleto de ganhadores dessa relevante premiação:
Philip Roth (2001), Ivan Klima (2002), Peter Nadas (2003), Elfriede Jelinek
(2004), Harold Pinter (2005), Haruki Murakami (2006), Yves Bonnefoys (2007),
Amos Lustig (2008), Peter Handke (2009), Vaclav Havel (2010), John Banvile
(2011) e Daniela Hodrova (2012).
Não sei se o “sonho
perfeito” de Amos Oz é a conquista do Nobel de Literatura. Até pode ser.
Presumo, todavia, que como ativista pela concórdia e bom relacionamento entre
os povos, seja mesmo o da paz mundial. Ou, se não chegar a tanto, seja, pelo
menos, o da pacificação e harmonia no sempre tenso e violento Oriente Médio,
onde vive, em permanente e contínuo pé de guerra. Só espero que, se um dia isso
vier a se concretizar (o que parece sumamente utópico e improvável), não perca
o caráter de perfeição que se espera desse tão precioso e acalentado sonho.
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