Tuesday, October 01, 2013

Sonho perfeito

Pedro J. Bondaczuk

A única maneira de manter um sonho perfeito é não concretizá-lo”. Quem fez essa afirmação (que para muitos pode soar como insólita, mas que considero lúcida), foi o premiadíssimo homem de letras israelense, Amos Oz (que completou, em 4 de maio de 2013, 74 anos de idade), no programa “Roda Viva”, da TV Educativa, em 2011. Considero-o (e o mundo literário também), um dos escritores mais refinados e criativos da atualidade. Tanto que acaba de receber mais um prêmio, que vem se juntar a dezenas de outros tantos que já recebeu: o Franz Kafka, instituído em 2001 pela República Checa.

Sua obra, que ascende a cerca de três dezenas de livros, entre ficção e não-ficção, foi traduzida para trinta idiomas e pode ser encontrada completa (ou quase) em português. Seus romances têm como característica a clareza de linguagem e a profunda compaixão que demonstra pelos sofrimentos e agruras da população de seu país natal, Israel. Embora reconhecido nacionalista – lutou na Guerra dos Seis Dias e na do Yom Kippur – defende a necessidade da criação de um Estado palestino e a consequente conciliação desses dois povos irmãos em permanente conflito desde 1948.

Mas, voltando à citação de Amos Oz, é indispensável caracterizar com precisão a que tipo de “sonho” ele se referiu. Não se trata, óbvio, daquele que temos durante o sono, mas dos desejos mais profundos (e muitas vezes secretíssimos) que nutrimos e que nos empenhamos por concretizar. Todos nós os temos, ora grandiosos ora triviais, em algum momento de nossas vidas. Muitos (diria a maioria) são absolutamente impossíveis de concretizar, ou por dependerem da atuação improvável de terceiros ou dada nossa completa incapacidade, por estarem muito acima das nossas aptidões, físicas e/ou intelectuais.

Às vezes, porém, conseguimos concretizar algum desses sonhos. Contudo, não tarda para encontrarmos defeitos neles, naquilo que tanto quisemos, em cuja concretização tanto nos empenhamos e que, quando finalmente os tornamos realidade, se revelam imperfeitos, inadequados, pífios e vazios. Se permanecessem, apenas, no terreno da vontade, continuariam grandiosos, magníficos e perfeitos, como originalmente concebidos. Nesse aspecto, portanto, Amos Oz está coberto de razão.

O consagrado e premiado escritor é dos poucos (entre os que gozam de prestígio internacional) que se podem considerar israelenses “genuínos”, de fato e de direito, porquanto nasceu em Jerusalém. Claro que nessa minha observação não há nenhum laivo de demérito aos que emigraram para Israel e ali se fixaram, e que, além de obterem cidadania, construíram ou reconstruíram suas vidas. Mas Amos Oz viveu, e desde o nascimento, os dramas e conquistas do seu povo, dos quais participou. Daí seus romances, caracterizados pela exaltação do amor em meio a conflitos e à violência política, terem tamanha credibilidade. Além, é lógico, dos seus méritos de escritor, dotado de um estilo coloquial e agradável e de suas colocações tão inteligentes e sutis.

Seus livros mais conhecidos, para os que se interessarem em adquiri-los (todos editados em português) são: “Meu Michael” (1973), “A caixa preta” (1988), “Conhecer uma mulher” (1991), “Pantera no porão” (1997), “O mesmo mar” (2002) e “Rimas da vida e da morte” (2003), autobiográfico e considerado obra prima da literatura mundial. Amos Oz é citado, há já pelo menos duas décadas, como favorito ao Prêmio Nobel, embora fosse, oficialmente, candidato somente uma única vez: em 2002. Naquela oportunidade, por sinal, era o meu favorito, mas... acabou não ganhando. Há muito, porém, que já faz por merecer essa consagração mundial. Quem sabe não ganhará neste ano (caso, claro, sua candidatura venha a ser formalizada).

O prêmio que acaba de conquistar foi instituído pela Fundação Franz Kafka, sediada em Praga. Ele é entregue, anualmente, em 28 de outubro, a data nacional da República Checa. Amos Oz vem se juntar ao seguinte grupo seleto de ganhadores dessa relevante premiação: Philip Roth (2001), Ivan Klima (2002), Peter Nadas (2003), Elfriede Jelinek (2004), Harold Pinter (2005), Haruki Murakami (2006), Yves Bonnefoys (2007), Amos Lustig (2008), Peter Handke (2009), Vaclav Havel (2010), John Banvile (2011) e Daniela Hodrova (2012).

Não sei se o “sonho perfeito” de Amos Oz é a conquista do Nobel de Literatura. Até pode ser. Presumo, todavia, que como ativista pela concórdia e bom relacionamento entre os povos, seja mesmo o da paz mundial. Ou, se não chegar a tanto, seja, pelo menos, o da pacificação e harmonia no sempre tenso e violento Oriente Médio, onde vive, em permanente e contínuo pé de guerra. Só espero que, se um dia isso vier a se concretizar (o que parece sumamente utópico e improvável), não perca o caráter de perfeição que se espera desse tão precioso e acalentado sonho.


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