Eleitores
indianos têm chance de se redimir
Pedro J. Bondaczuk
Os
eleitores e políticos da Índia têm, hoje e sábado, uma nova oportunidade de se
redimir diante da opinião pública internacional, depois da imagem do país, como
sociedade democrática, ter ficado seriamente comprometida com a violência
registrada no primeiro turno eleitoral que culminou com o assassinato do
ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi, no dia 21 passado.
Milhões
de cidadãos vão às urnas, nas duas etapas das eleições legislativas que ainda
restam, para compor o novo Congresso e dele ser extraído o futuro governo. Quem
obtiver esse mandato precisará se imbuir da responsabilidade de desarmar os
espíritos, fazendo uma política com "p" maiúsculo, voltada para todos
os indianos, sem protecionismos ou exclusivismos.
Nem
seria necessário destacar o desafio que significa governar 850 milhões de seres
humanos, numa sociedade com estruturas arcaicas e excludentes, que ainda separa
os indivíduos por castas fechadas.
Eleições
na Índia seriam notícia mesmo sem violências, pois não é todo dia que 514
milhões de eleitores são convocados a manifestar a sua opinião. Ocorre que
muita gente ainda não entendeu, e esta é uma questão de cultura, que a
manifestação de vontade, através do voto, deve ser absolutamente livre, sem
coações nem aliciamentos ilegais. Só assim um governo que emerge das urnas é
lícito e realmente representativo. É fruto da vontade da maioria.
Ao
observador político, as eleições indianas desta semana despertam o interesse
por uma série de razões. Uma, por exemplo, é quanto à performance eleitoral do
Partido do Congresso, agora sem uma liderança forte e privado de membros da
dinastia Gandhi, iniciada por Jawaharlal Nehru.
Provavelmente,
em nenhuma outra ocasião a agremiação enfrentou, no correr da sua história, uma
votação em que se apresentasse tão vulnerável e dividida. Outra incógnita
refere-se ao desempenho dos radicais hinduístas do Bharatiya Janata, que
ameaçam a convivência pacífica na Índia com seu fundamentalismo religioso.
A
terceira questão é se o voto será livre, se a manifestação dos eleitores não
sofrerá as costumeiras coações, ou se finda a apuração, haverá a enxurrada de
sempre de denúncias de fraudes de toda a sorte.
Em
vários países do Ocidente existe o expediente, nem sempre recomendável, da
"boca de urna". Trata-se da tentativa dos cabos eleitorais de
candidatos e partidos de fazerem o cidadão mudar de opinião --- ou de formar
uma, caso esteja indeciso --- na hora precisa do voto.
Tal
comportamento deforma, de certa maneira, a livre manifestação de vontade. Tanto
é que a prática, embora largamente empregada, é proibida em muitos países. Na
Índia, as coisas são mais dramáticas. Lá é um costume amplamente difundido o
"seqüestro" de urnas. Mediante suborno de funcionários da Justiça
Eleitoral ou através da violência, estas são subtraídas na véspera do pleito e
cheias de votos para um determinado candidato. Depois, são repostas em seus
devidos lugares.
Os
indianos até deram um nome a tais fraudadores, que existem em grandes
quantidades: os "gundos". Já está se tornando até uma tradição os
partidos apostarem mais nesses desordeiros, que lhes dão segurança de boa
votação, do que nos próprios cabos eleitorais.
Isto,
e mais a violência alucinada, impedem que a Índia seja a maior democracia do
mundo por suas virtudes, e não somente pelos seus 514 milhões de eleitores, ou
seja, apenas numericamente.
(Artigo
publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 12 de junho de
1991)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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