Lembrança com pontinha de mágoa
Pedro J. Bondaczuk
A “memória” do brasileiro, em relação às principais personalidades da
vida nacional, notadamente de artistas e desportistas, mas também de outras que
tiveram alguma relevância na cultura do País, parece estar melhorando. Espero
não estar enganado. O melhor exemplo disso, me parece, são as manifestações que
vêm ocorrendo em relação ao centenário de nascimento de um poeta (prefiro
chamá-lo, por razões sentimentais, assim, embora exercesse inúmeras outras tantas
atividades, posto que a maioria relacionada à arte), que carinhosamente ficou
conhecido pelo diminutivo, ou seja, por “poetinha”. O leitor perspicaz já percebeu
a quem me refiro. Sim, é a ele mesmo, a Vinícius de Moraes, nascido no Rio de
Janeiro num 19 de outubro de 1913.
Relutei muito em escrever a propósito. Afinal, o que eu poderia
acrescentar sobre essa figura tão querida e tão popular, que alguém já não
tenha dito? Só de documentário de televisão, por exemplo, assisti pelo menos a
três nos últimos dias. A emissora que não preparou programa especial sobre ele,
pelo menos mencionou a data, ou fez algum tipo de registro, assim como diversas
rádios que sintonizei também fizeram. Na internet, então, as matérias sobre o
“poetinha” ascendem aos milhares. Até mesmo o “Google” presta-lhe oportuna e
merecida homenagem. Há, pois, algo de novo, que ninguém nunca tenha dito ainda,
que eu possa dizer, ou na verdade, escrever? Respondo: sim, há.
Sabem o que? Há a minha experiência pessoal que, como a própria caracterização
declara, é exclusiva. É minha e de mais ninguém. E no que ela consiste?
Consiste nas circunstâncias em que conheci, pessoalmente (ou quase) Vinicius.
Milhares, quiçá milhões de outros tantos também o conheceram. Tudo bem, mas não
da mesma forma que eu. Esse conhecimento, para muitos, admito, foi muito mais
profundo do que o meu. Vários conviveram, inclusive, com ele, freqüentaram sua
casa e foram seus amigos, alguns, até, íntimos. Mesmo assim, a experiência que
tive foi original, foi única, foi exclusiva, por ser só minha. Ninguém sabe, e
jamais saberá se eu não revelar, o que senti naquele momento, pois aquele
sentimento foi só meu.
Conheci Vinícius em 1977, em uma viagem que fiz ao Rio de Janeiro,
para “esfriar a cabeça”, em um período tormentoso da minha vida. Na ocasião, eu
já residia e trabalhava em Campinas, era moço, tinha 34 anos de idade e a alma repleta
de sonhos (alguns, concretizei e outros tantos ficaram pelo caminho, esmagados
pelas circunstâncias). E ele? Ele já era o mito que sempre foi, conhecido e
reverenciado mundo afora pela sua genialidade, tanto como poeta, quanto, e
principalmente, como compositor, autor, entre tantas pérolas musicais, de
“Garota de Ipanema”.
Foi um conhecimento casual, diga-se de passagem. Não foi, pois, nada
planejado e muito menos programado. Caminhando, a esmo, Ipanema afora, cismei de entrar em
determinado bar, para tomar um refrigerante ou, quem sabe, um uísque (por que
não?).. Não me perguntem em qual, pois não saberei responder. Não consulto
nomes de estabelecimentos do tipo quando preciso ou quero comprar qualquer
coisa. Entro neles ao acaso, por impulso e pronto. Foi o que fiz nesse dia.
Era um barzinho aconchegante, embora comum, sem nada de especial.
Tinha várias mesas (não contei quantas), todas ocupadas naquele instante. Ao
redor de uma delas, havia uma grande concentração de pessoas. Alguém (não me
lembro quem) tocava violão e estavam cantando sambas da minha predileção.
Identifiquei, de cara, porém, a figura característica e inconfundível de
Vinícius de Moraes. Foi um choque para mim! Estava ali, bem pertinho, a uma
distância de um metro, se tanto, um dos meus ídolos, compositor e poeta do qual
eu conhecia, de cor e salteado, uma infinidade de produções e que jamais supus
que viria a conhecer pessoalmente! Que oportunidade!
Meu primeiro impulso foi o de tietar, ou seja, de puxar conversa com
ele e pedir-lhe nem que fosse um reles autógrafo. A timidez (maldita timidez!)
impediu-me disso. Aconteceu, nesse dia, o mesmo que voltaria a ocorrer anos
depois, em relação a Chico Anysio, quando este se apresentou num teatro de
Campinas. Como sempre, Vinícius estava com copo na mão. Certamente de uísque.
Estava loquaz, como havia sido descrito por muita gente, e ria, ria de fazer
gosto. Do que? Não sei! Não atentei para isso. A emoção não deixou.
Em certo momento, ele olhou para mim. Não foi um olhar casual, estou
certo. Algo em minha pessoa chamou-lhe a atenção. Fiz-lhe um aceno de cabeça,
como se fosse casual (não era, evidentemente) e ele retribuiu (ou assim me
pareceu). Pensei: “é agora” e cheguei a levantar da cadeira para ir em sua
direção. Mas... a timidez (maldita timidez!) me reteve. Tornei a sentar-me, à
espera de nova oportunidade. Mas... esta nunca apareceu. Após certo tempo de
indecisão, desisti de fazer contato. Ele nunca aconteceu. Hoje lamento demais
não ter tido a coragem de um ato tão simples, mas que para mim teria valor
incalculável.
Tempos depois, mais exatamente três anos, quando estava na redação do
Diário do Povo de Campinas, onde então trabalhava, preparando-me para nova
jornada, que entraria madrugada adentro, soube, consternado, da morte do
“poetinha”. Isso foi em 9 de julho de 1980. O jornal preparava uma edição
especial sobre Vinicius de Moraes, da qual pedi para participar. O
editor-chefe, na ocasião o José Carlos Tomé, se opôs. Argumentou que eu tinha
quatro páginas, da editoria Internacional, para editar, além de um comentário
assinado, para fazer. Fez-me ver que não haveria tempo para essa tarefa e mais
uma sobressalente, no caso, o suplemento especial sobre o “poetinha”.
Contrariado, não me restou alternativa, se não obedecer.
Mas a notícia da morte deixou-me, além de consternado, como seria de
se esperar, irritado com meu ídolo. Por que a irritação? Ora, vejam só se não
era para se irritar. Por que não foi ele que fez a dramática recomendação aos
amigos para se cuidarem? Deixou, inclusive, registrada em uma crônica este
patético apelo: "Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim. Ide ver vossos
clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai
tento, amigos meus... Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício
de outros deveres este sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que
bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram
mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.
Mas, sobretudo, não morrais, amigos meus".
Como alguém, que se preocupava tanto com a saúde dos amigos, não se
preocupou com a sua?! Como se “deixou morrer”? Será que amou menos? Ou será que
tinha um novo amor, mas que não era correspondido? Não, não acredito! Vinicius
nunca foi mal amado e também não amou pouco. Seu amor era sem limites, não
raro, até irresponsável, mas incondicional. Não, não foi isso. Será, então, que
não foi ver seu analista, seu macumbeiro ou não tomou sol, não tomou vento, não
tomou tento? É provável. Sim, “poetinha”, como você pôde fazer isso conosco,
que o amávamos tanto?! Como foi que “se deixou morrer”?! Sim, como?!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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