Crise de autoridade
Pedro J.
Bondaczuk
A situação no Líbano, nos últimos doze dias,
deteriorou-se, visivelmente, alcançando graus de tensão e de insegurança
insuportáveis, inéditos até nos mais de dez anos de guerra civil que
destroçaram aquele país. Pode parecer acaciana uma afirmação dessa natureza,
mas não é.
Durante todo o tempo em que esse
conflito já dura – mesmo nos momentos mais difíceis de 1982, quando a tentativa
de Israel de expulsar a OLP de Beirute quase redunda na destruição completa da
capital libanesa –, sempre existiu um princípio de autoridade no Líbano. Tanto
o presidente cristão, quanto o primeiro-ministro muçulmano, eram respeitados,
ou pelo menos ouvidos.
Agora, isso já não se verifica
mais. O Líbano vive, além de uma profunda divisão sectária, a mais séria crise
de autoridade de sua história. A palavra do presidente Amin Gemayel é ignorada
até por seus próprios correligionários, o mesmo acontecendo com a do
primeiro-ministro, Rachid Karami, junto à sua comunidade muçulmana, fato que,
inclusive, o levou a apresentar um pedido de renúncia, no dia 10 de março,
posteriormente reconsiderado, após intervenção pessoal do presidente sírio
Hafez Assad.
Aliás, essa contínua ingerência
de Damasco nos negócios internos libaneses é um dos fulcros do agravamento da
crise. A divisão ocorrida na outrora monolítica Falange Cristã, criação do
falecido Pierre Gemayel, deveu-se exatamente à oposição do grupo liderado por
Samir Geagea à quase subserviência do Poder Executivo às “ordens” ditadas pela
Síria.
Quase todas as decisões
importantes, referentes à gestão do Estado, são tomadas apenas após a
indefectível consulta a Hafez Assad, quando não impostas, posto que sutilmente,
por Damasco. Pensava-se que a retirada israelense do Sul do Líbano, que deverá
se completar, segundo todas as previsões, nas próximas três semanas, viria a se
constituir em um fator de estabilidade. Que as diversas facções rivais
encarassem o fato como uma espécie de vitória e pudessem, ao menos, voltar a se
sentar ao redor de uma mesma mesa apenas para trocar idéias e procurar a
conciliação.
Ao invés disso, o que vem
ocorrendo? Autênticos massacres de cristãos, que em 1978 haviam proclamado, sob
as ordens do falecido major Saad Hadad, a região Sul do país como um Estado
livre, aliado de Israel.
Os xiitas nunca perdoaram essa
atitude, que consideraram subserviente. E agora a milícia Amal está indo à
forra, ocupando, com o auxílio de outros grupos menores, as aldeias cristãs
sul-libanesas.
Beirute, que desde julho do ano
passado estava reunificada e sob o controle do Exército do Líbano, voltou a se
conflagrar. Combates ferozes e selvagens, onde, como sempre, o maior
sacrificado é o homem comum, do povo, desinteressado de política e desencantado
com o estado que os políticos deixaram o seu país, voltaram a opor cristãos e
muçulmanos.
Os apelos de Amin Gemayel aos
seus ex-comandantes, caem no vazio. As exortações de Rashid Karami são
solenemente ignoradas, mostrando que o Líbano se transformou num barco
amotinado, onde a tripulação considera extinta a autoridade do comandante. Onde
o piloto já não tem mais acesso ao leme. E cuja nau caminha, celeremente, de
encontro a perigosos arrecifes, onde, fatalmente, acabará se despedaçando, caso
alguma heróica ação de última hora não venha a ocorrer para a salvar.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 11
de maio de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment