Thursday, October 03, 2013

Mais que lembrança, é preciso vigilância


Pedro J. Bondaczuk


O mundo civilizado lembrou, ontem, com muita tristeza e com uma pontinha de remorso (por não ter conseguido evitar a maior manifestação de barbárie da espécie humana, o Dia do Holocausto, quando se completaram 40 anos da libertação, por parte das tropas aliadas, dos vários campos de concentração nazistas.

Nesses matadouros de pessoas, seis milhões de judeus foram degradados e barbaramente trucidados, para satisfazer a megalomania de um grupo, que se julgava privilegiado pela natureza, que o teria feito “superior” às demais raças e que por isso lhe dava o direito de dispor dos outros povos ao seu bel prazer.

Além de judeus, eslavos, negros, ciganos e indivíduos de diversas outras etnias (até mesmo alemães julgados “impuros”), foram mortos em câmaras de gás e cremados em imensos fornos, para apagarem qualquer vestígio desses hediondos crimes, quando não submetidos a experiências apavorantes, por monstros travestidos de médicos, de cientistas e de pesquisadores.

O Dia do Holocausto não pode, jamais, ser esquecido por ninguém. Não por um instinto de vingança. Não para marcar, através dos séculos, um povo inteiro, culto e humano, como o alemão. Mas para evitar a repetição de episódios de igual natureza, que desgraçadamente ainda ocorrem e que carecem de uma firme denúncia por quem de direito.

Após os horrores de Dachaau, Auschwitz, Buchenwald e tantos e tantos outros lugares monstruosos, que jamais se apagaram da memória de toda uma geração de sobreviventes, é inconcebível a existência dos “gulags” de hoje. Dos “hospitais psiquiátricos”, onde pessoas brilhantes e amantes de seus países, são enterradas vivas, dopadas e segregadas da sociedade, punidas pelo “crime” de se oporem às ditaduras.

Não se entende massacres, como os de Sabra e de Chatila. Não se concebe que tantos milhares de “desaparecidos” na Argentina e no Uruguai tivessem sido registrados. E quantos campos de concentração mais não devem existir ainda hoje, escondidos da imprensa, para que a opinião pública não tome ciência deles, no Afeganistão, no Irã, no Iraque, no Líbano e sabe Deus mais onde?!

Afinal, Auschwitz, Buchenwald, Dachau e dezenas de outros locais semelhantes, de degradação e de extremo barbarismo, passaram praticamente desconhecidos do mundo durante quase toda a guerra. Quem sabia da sua existência preferiam não denunciar.

Alguns desconfiavam que havia algo semelhante, mas não possuíam provas. Até os primeiros dias de abril de 1945, quando os russos libertaram os confinados de Auschwitz e os aliados ocidentais, os de Bergen-Belsen, os campos de concentração eram um segredo para o mundo. Como foi possível tapear, por tanto tempo, três bilhões de pessoas?!

Quanta sujeira secreta não deve estar, também, escondida nos dias de hoje! Quanta besta humana, espumando de insânia, do alto de sua paranóia, sob o pretexto de algum apregoado ideal (que não possui) não está cometendo atrocidades tão deploráveis e continuadas quanto as da Alemanha nazista!

Está certo o premier israelense, Menachen Begin, quando quer impedir que o Dia do Holocausto seja esquecido. Mas é necessário que, com a lembrança das vítimas da insânia e do fanatismo, algo de prático também seja feito para a proteção dos direitos humanos de tanta gente oprimida, jogada no fundo de masmorras infectas, por caricatos e cruéis ditadores, apenas porque tiveram a coragem e a ousadia de defender idéias, de lutar por princípios, de exercerem o sagrado ofício do protesto contra a corrupção, o arbítrio, o cínico privilegiamento de parcelas da sociedade e outras mazelas que infestam as várias administrações nacionais.

Diariamente, em diversas partes do mundo, cometem-se absurdos holocaustos, sem que ninguém faça nada para evitar. Isso, sem dúvida alguma, precisa acabar!

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 19 de abril de 1985).


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